sexta-feira, 28 de dezembro de 2007

Let's take a ride..

Chunking Express

Simplesmente delicioso :)


http://www.youtube.com/watch?v=bNg-GYFjhOA

http://www.youtube.com/watch?v=sD4xUj77ujA&feature=related

Sonic Youth

Youre perfect in the way, a perfect end today
Youre burning out their lights, and burning in their eyes
I love you sugar kane, a-comin from the rain
Oh kiss me like a frog, and turn me into flame
I love you all the time, I need you 8 to 9
And I can stay all night, your body shining

And I know
Theres something down there sugar soul
Back to the cross a twisted lane
There something down there sugar kane

Im back again in love, Im back again a dove
Whered you get your light, your smilin sugar life
Another lovers day, another cracked up night
Every night I say, the light is coming

And I know
Theres something down there sugar cone
Back to the cross a twisted lane
Theres something down there sugar kane


Hey angel come and play, and fly me away
A stroll along the beach, until youre out of time
I love you sugar kane, a crack into the dream
I love you sugar kane, I love you sugar kane
I love you sugar kane, I love you sugar kane
I love you sugar kane, I love you sugar

Sugar Kane

http://www.youtube.com/watch?v=3AbtabVQlrY

sexta-feira, 21 de dezembro de 2007

Vaticínio

Não sei se é bom ou mau presságio, mas hoje deparei-me com a Maria das Neves a pentear-se. Alguma coisa estará certamente para acontecer...

terça-feira, 18 de dezembro de 2007

A-normalidade

É realmente um privilégio andar de transportes públicos.

É possível que a aguardente de rosas oferecida (ainda por cima deixam a garrafa na mesa) tenha alguma influência, mas não há dia que vá almoçar com o meu grande amigo (aproveito para deixar para ele, aqui um grande bem hajas) em que a viagem de regresso ao meu local de trabalho não proporcione material para, nem que seja, um singelo post.

Desta vez foi bastante surreal, mais ainda que o normal. Enquanto espero pelo metropolitano, reparo que há uma rapariga que parece estar bastante nervosa, ou pelo menos desconfortável. Conseguia sentir-se a inquietação, as pernas não paravam quietas e a cabeça movimentava-se freneticamente de um lado para o outro.

Foi mais ou menos ao mesmo tempo que reparei que, não só a rapariga apresentava um sombreado na face que denunciava não ter feito a barba hoje, como também dirigia a maioria dos seus olhares para o cego que, entre nós, esperava pelo comboio para ganhar a nossa esmola. Segundo ele, o seu pão de cada dia.

O facto de me ter apercebido que olhava para o cego e não para mim, associado à barba por fazer, proporcionou-me uma estranha sensação de alívio...

Até aqui, tudo relativamente normal. Já não é nada de estranho ver uma mulher com a barba por fazer. Mas o que aconteceu a seguir deixou-me realmente perplexo e intrigado. À chegada do comboio e subsequente abertura de portas, todos nos preparamos para entrar e o raparigo (vou referir-me a ele desta forma, por questões de comodidade de escrita) começa a dar toques no pé do cego.

Inicialmente pensei que o estaria a tentar ajudar a orientar-se, mas ao segundo toque já o cego estava a desatinar. De facto consigo compreender os cegos, as pessoas têm uma tendência natural para os achar impotentes, quando na realidade eles, na maioria das vezes, não precisam minimamente da nossa ajuda. Além do mais estes são profissionais, e acho estúpido uma pessoa pensar que eles precisam da sua ajuda para fazer algo que fazem todos os dias e que, neste caso, é até o seu “ganha-pão”.

A verdade é que o cego, ao segundo toque no pé, começou a perguntar o que se passava. O raparigo desculpou-se, alegando ter sido sem querer mas, dá ainda um toque, obviamente deliberado, no pé do cego e afasta-se para a outra plataforma, levando a crer que não estava ali à espera do comboio mas sim unicamente para dar uns toques no pé do homem.

Ao contrário do que, tristemente, se apresenta como normal, não tenho o instinto de rotular as pessoas, mas sim de tentar inferir as suas motivações. No entanto, neste caso, confesso que não consegui pensar em nenhuma razão para alguém estar numa plataforma do metropolitano, à espera que chegue o comboio, não para entrar nele mas sim para dar uns toques no pé de um cego. Porém, mesmo não conseguindo compreender a motivação para as acções de todos, fico satisfeito por haver pessoas que desafiam a chamada normalidade.

Este pequeno episódio pode não significar rigorosamente nada para todas, ou pelo menos para a maioria das pessoas. Para mim, por muito estúpido que pareça, além de me fazer pensar, que é sempre bom, faz-me recuperar alguma fé na humanidade. Ainda há quem queira, não ser único ou original (acho que a originalidade forçada se nota a quilómetros de distância), mas ser si (esta frase parece esquisita, mas acho que é mesmo isto que quero dizer).

É por isto que, ao contrário da opinião de muita gente, acho que todas as pessoas que desafiam o comportamento estabelecido como o “normal” enriquecem muito mais o mundo que aqueles cujo objectivo é unicamente integrarem-se no rebanho. Se não estivermos fechados dentro de nós e nos dispusermos a observar e tentar identificar-nos com os nossos conTerrâneos, uma pequena viagem de Metro pode ser uma experiência extremamente enriquecedora .

quarta-feira, 12 de dezembro de 2007

777

Ainda me lembro de quando o meu pai, numa ocasião em que queria pôr gasolina, desistiu ao chegar à bomba porque estavam a encher o reservatório. Disse que quando estavam a encher os reservatórios das bombas, a gasolina estava num turbilhão, o que fazia levantar todas as impurezas que normalmente estavam assentes no fundo. E não queríamos aquelas impurezas dentro do nosso carro.

Foi um choque, fiquei completamente estarrecido! Então as bombas não estavam montadas sobre nascentes de gasolina? A gasolina não era extraída de um depósito subterrâneo natural? Vinha um gajo com um camião cisterna encher aquilo? Nunca me vou esquecer do dia em que as minhas fantasias infantis foram destroçadas e fui obrigado a entrar no cruel mundo dos adultos, onde não há fontes de gasolina debaixo das bombas nem gnomos a roubar as nossas cuecas.

Pelo menos há o duende do umbigo, senão isto era mesmo de dar em doido!

segunda-feira, 10 de dezembro de 2007

Pergunto-me... #3

É impressionante a demonstração de presença das nossas forças de segurança nestes últimos dias. Pergunto-me onde estará toda esta gente quando o People que é preciso proteger não é Very Important...

sexta-feira, 7 de dezembro de 2007

Personagens #3

Depois de ver aquele audaz mancebo que foi à televisão mostrar a sua habilidade a comer vidro, dei por mim a recordar, não sem alguma nostalgia, algumas das pessoas mais particulares, vulgo cromos, da zona onde cresci.
Saltou logo à mente o Vitinha, que também, no seu estado normal de consciência alterada, à minha frente deglutiu parte de um copo de imperial. Acho que estava chateado com qualquer coisa e, creio que sentiu necessidade de demonstrar quão desequilibrado realmente era. A verdade é que o Vitinha não era um profissional nesta arte, tinha sido uma ideia do momento e ainda guardo a imagem dele, a sangrar abundantemente das gengivas enquanto, com um ar alienado, mastigava o pedaço que faltava ao copo que tinha na mão.
Na sequência do Vitinha veio a recordação do Pedro Metálico. Grande maluco, o Pedro. Um dia projectou uma pedra da calçada através da montra do café, na vã tentativa de acertar no Morto. Só que o alvo estava na terceira mesa e só por sorte não partiu a cabeça à coitada da rapariga que estava na primeira. Tudo porque o Morto tinha manifestado a sua opinião sobre heavy metal. Ele nem era uma pessoa violenta, a culpa era das substâncias… E o Pedro metia tudo o que lhe aparecesse à frente.
A última vez que o vi, notoriamente sob o efeito de um qualquer estimulante, foi a correr de cabeça contra um contentor do lixo.
Deixo-lhes aqui a minha homenagem e o meu agradecimento por terem ajudado a tornar a minha adolescência tão mais interessante.

quarta-feira, 5 de dezembro de 2007

Eu...

Há quem pondere se uma árvore que caia no meio da floresta fará barulho, se não estiver lá ninguém para ouvir. Quem pondere quem somos, de onde vimos, para onde vamos e porquê. Há até quem pondere se um gato fechado dentro de uma caixa opaca não estará num terceiro estado de existência, que não vivo nem morto. Eu… Eu tenho ponderado se um problema continua a sê-lo se não nos lembrarmos dele.

terça-feira, 4 de dezembro de 2007

Receita para fazer um Herói

Tome-se um homem,
Feito de nada, como nós,
E em tamanho natural.
Embeba-se-lhe a carne, Lentamente,
Duma certeza aguda, irracional,
Intensa como o ódio ou como a fome.
Depois, perto do fim,
Agite-se um pendão,
E toque-se um clarim.
Serve-se morto.

Reinaldo Ferreira

segunda-feira, 29 de outubro de 2007

Sorrir

Sempre que a oiço faz-me sorrir e desato a cantar a plenos pulmões como se não houvesse amanhã :)

"...Can I play with madness
Can I play with madness
The prophet stared at his crystal ball
Can I play with madness
Theres no vision there at all
Can I play with madness
The prophet looked and he laughed at me
Can I play with madness
He said you're blind too blind to see..."

http://www.youtube.com/watch?v=QLvBwPOjZWI

quinta-feira, 27 de setembro de 2007

On Repeat


There is nothing to see here people keep moving on

Slowly their necks turn and then they're gone

No one cares when the show is done


Standing in line and its cold and you want to go

Remember a joke so you turn around

There is no one to listen so you laugh by yourself


I heard it's cold out, but her popsicle melts

She's in the bathroom, she pleasures herself

Says I'm a bad man,

she's locking me out

It's cause of these things, it's cause of these things


Let make a fast plan, watch it burn to the ground

I try to whisper, so no one figures it outI'm not a bad man, I'm just overwhelmed

It's cause of these things, it's cause of these things


The crowd on the street walks slowly, don't mind the rain

Lovers hold hands to numb the pain,

Gripping tightly to something that they will never own


And those by themselves by choice or by some reward

No mistakes only now you're bored

This is the time of your life but you just can't tell



She Wants Revenge - These Things


sexta-feira, 10 de agosto de 2007

A verdadeira história da arca de Noé

Matias, vem a Mim!!!
Estou a ir, Senhor, estou a ir.
Matias!!! O mundo está cada vez mais imundo. Vou fazer um format a isto!!!
Um format, Senhor?
Sim!!! Vou lançar um dilúvio sobre a Terra que eliminará todos os animais. E tu vais ser o meu backup!!!
Backup, Senhor?
Sim!!! Construirás uma arca que consiga abrigar a tua família e um casal de cada espécie animal, para repopularem a Terra depois do format.
Uma arca? Um casal de cada espécie?... Senhor...
Sim!!! Uma arca e um casal de cada espécie!!!
Mas Senhor, de todas as espécies???
Sim!!! De todas as espécies!!!
Mas Senhor... incluindo os insectos? São tantos, e nem sempre é fácil distinguir os sexos.
Hum... Pronto!!! Esquece os insectos!!! Eles logo voltam a evoluir, todos sabemos que nem que quiséssemos nos conseguíamos ver livres deles.
Certo Senhor. Mas... e os seres unicelulares, as bactérias, micróbios em geral?
Micróbios?... Não me tinha lembrado desses... Quem me mandou criá-los tão pequenos?... Pronto, esquece também os micróbios, eu depois crio-os outra vez!!!
Tudo bem, Senhor. Mas... Vai ser um bocado complicado apanhar alguns. Estou a lembrar-me, por exemplo, dos rinocerontes. Como é que eu vou convencer um casal de rinocerontes a entrar na arca?
Matias!!! Desafias as minhas ordens??? Farás o que for preciso!!!
Claro Senhor, claro! Mas a arca terá que ser gigantesca, vai demorar um bocado a construír. E vai ser complicado manter os leões afastados das gazelas...
Terá o tamanho que for preciso, Matias!!! É a vontade do teu deus!!!
Claro, claro. Mas Senhor, Não faria mais sentido construíres tu a arca, já que és omnipotente, e tal?
Matias!!! Estás a esgotar a minha paciência!!! Construirás a arca!!! Cumprirás tudo o que estou a mandar-te fazer!!!
Certíssimo, Senhor. Tudo bem, não é preciso exaltarmo-nos.
Agora vai, Matias!!! Cumpre a vontade do teu criador!!!
Senhor... Estou aqui com uma ideia... Se calhar é estúpida, mas... Não seria infinitamente mais fácil criares as espécies de novo depois do format? Agora, com a experiência até fazias isso em bem menos que sete dias. E a mim é capaz de ainda me demorar um bocado fazer isso tudo.

ZAP!!!!!!

...

Noé, vem a Mim!!!

quarta-feira, 8 de agosto de 2007

AG8STO

"One of the signs of passing youth is the birth of a sense of fellowship with other human beings as we take our place among them."

Virginia Woolf




http://www.youtube.com/watch?v=Lraipq2FMkg

A Perfect Day Elise

P J Harvey

quinta-feira, 12 de julho de 2007

O Caracol - Capítulo 4

Nessa noite sonhei que estava num enorme corredor estranhamente iluminado. Caminhava olhando para ambos os lados, quando noto alguém à minha frente. Acelero o passo para apanhar a pessoa, que caminhava no mesmo sentido, permitindo-me apenas ver as suas costas encurvadas. Aproximo-me e abordo-a tocando-lhe o ombro. Ao deparar-me com o seu rosto assustadoramente hediondo, os olhos esbugalhados pela ausência de pálpebras, no lugar do nariz tinha apenas dois buracos disformes e a ausência de lábios permitia ver os seus dentes afiados e caoticamente dispostos, acordei com um espasmo, como se o medo me tivesse feito saltar imediatamente de volta para a realidade.
Ao virar a cabeça e ver a esfera que tinha tirado do bolso no dia anterior e colocado em cima da mesa-de-cabeceira, lembrei-me imediatamente da louca história do Caracol. Pensei logo que o sonho teria sido originado por ela, tinha ficado com aquilo no subconsciente e não era nada de estranho que tivesse sonhado com coisas esquisitas. Ter percebido isto não conseguiu evitar que tivesse ficado com uma certa inquietude, que me esforcei por ignorar.
Estava a sair de casa quando me apercebi que ao voltar ao quarto para me vestir, instintivamente peguei na esfera e guardei-a no bolso. Achei curioso, parecia que a esfera é que tinha querido vir comigo e, mesmo não acreditando minimamente que aquilo fosse mais que uma mera esfera de aço, a verdade é que senti uma estranha sensação de segurança ao tê-la comigo.
O dia decorreu normalmente. A inquietude acabou por sucumbir, vítima da distracção, e foi só quando voltava para casa que, ao ver ao longe uma velhota vestida com cores muito berrantes, que as coisas transcenderam ligeiramente o banal. Ao aproximar-me comecei a distinguir a sua maquilhagem ridiculamente excessiva. Quase não havia parte do seu rosto que não estivesse pintada, os lábios e as maçãs do rosto estupidamente vermelhos e o branco que ia desde as suas pálpebras até às sobrancelhas, que não eram feitas de pelos, mas sim grosseiramente pintadas a lápis, fariam inveja a qualquer palhaço, achei particularmente piada ao facto de os lábios não estarem pintados até aos cantos da boca, o batom chegava apenas a três quartos do lábio, para cada lado, e o restante estava coberto pela mesma camada de base que cobria o resto do rosto, fingindo assim uma boquinha minúscula que fazia a velhota parecer uma horripilante boneca. Automaticamente lembrei-me da advertência do Caracol e, ao questionar por uma fracção de segundo a se a velhota não seria um deles, senti-me extremamente idiota por ter-me instintivamente sossegado pensando que não poderia ser porque a esfera não estava a reagir.
A tua imbecilidade é inacreditável, disse silenciosamente para mim mesmo, como é que é possível estares a deixar-te influenciar pela história parva de um louco, sim, está bem, ser louco é uma coisa dúbia e bastante relativa, mas a verdade é que sabes que a história é completamente absurda, continuei, não me vais dizer que acreditas naquilo. Não, não acredito, respondi-me, acredita que não acredito, mas um gajo não controla os pensamentos, não tive qualquer controle sobre o que pensei ao ver a velhota, automaticamente me lembrei do Caracol, quanto a isso não posso fazer nada. Mas se te lembraste é porque a história te ficou na cabeça, continuei, argumentando comigo mesmo, tu se calhar não queres acreditar, mas acho que qualquer coisa lá no nosso âmago acredita, acho que caso contrário não estaríamos sequer agora a discutir isto. Não acredito nada, a história só ficou na cabeça pela incomunidade da cena toda, só porque foi tudo muito estranho, só isso. Tudo bem, só estou curioso sobre quão cedo iremos ter esta conversa outra vez, e já agora, embora faça sentido, se considerarmos que “comunidade” também pode significar a característica daquele que é comum, não sei se “incomunidade” existe...
O resto do dia decorreu, obviamente, sem lapsos, e de noite sonhei novamente que estava no corredor da noite anterior, mas desta vez não havia monstros.

segunda-feira, 2 de julho de 2007

O Caracol - Capítulo 3

Bom… disse eu para quebrar o silêncio, pousando a caneca e sacudindo as calças num movimento espontâneo, já se faz tarde, tenho que ir andando. Olhou para mim com estranheza, estava certamente perdido nos seus pensamentos e não estava habituado a ser interrompido. Então e o que é que vais fazer agora que sabes de tudo, perguntou o Caracol. Hum… não sei bem… vou precisar de algum tempo para pensar nisto tudo e organizar as ideias, respondi hesitante, a verdade é que não planeava fazer nada, nem sequer me tinha ocorrido alterar o que quer que fosse na minha vida por causa da mirabolante história daquela pessoa tão peculiar, excepto talvez contar prazenteiramente o acontecimento aos amigos. Fica pelo menos mais atento, disparou rispidamente o Caracol, eu sei que já tenho alguma experiência, mas também não é assim tão difícil perceber quando está para acontecer um lapso, continuou, aquele velho de boné e patins em linha era demasiado óbvio, e aquele cego, acrescentou repentinamente, foge dele a sete pés, ou àqueles que tiveres, porque certamente ninguém terá sete pés, nem sei porque se diz isto, três, vá lá, quatro, em quem nasça com defeitos físicos, mas sete pés é uma estupidez, parou por momentos perdido em pensamentos até que, apercebendo-se que, ao contrário do costume, não estava sozinho, continuou, vê-se logo que aquilo não é um cego normal, muito cuidado com o cego! Sem querer ofender, retorqui suavemente, mas se vou estar a desconfiar de cada coisa estranha que vejo na rua, passo a vida desconfiado, e eu nem sequer sou uma pessoa desconfiada, terminei com um sorriso amarelo, para aligeirar o ambiente; ainda estava com algum receio que o homem desatasse a disparatar, como costuma acontecer com algumas destas pessoas que têm formas de pensar diferentes do que é comum. Acho que já não preciso disto, continuou como se falasse sozinho enquanto tirava do bolso um objecto envolto num trapo, posso dar-ta se prometeres que tentas salvar alguém se presenciares outro lapso, é o mínimo que podes fazer para retribuir. O que é, perguntei. Encontrei-a num sítio onde eles costumam andar, reparei que reage à sua presença vibrando e aquecendo ligeiramente, muito ligeiramente, disse enquanto abria o trapo e retirava uma esfera com cerca de três centímetros de diâmetro, aparentemente daquelas dos rolamentos, que pedíamos nas oficinas quando éramos pequenos. Prometes, perguntou enquanto me estendia o objecto. Não sabia muito bem o que fazer, não fiquei muito empolgado com a ideia de fazer aquela figura e não gostava nada de fazer promessas vãs, mas lá prometi e aceitei a oferta. Para demonstrar algum interesse, perdi algum tempo a observar minuciosamente a esfera, e de facto fiquei surpreendido com a sua perfeição, não tinha qualquer mácula ou sujidade e o reflexo era perfeito, era também bastante leve. Envolvi-a num lenço e guardei-a cuidadosamente, sempre observado pelo seu anterior proprietário. Obrigado, acho, espero que me seja tão útil como foi a ti, mas há ainda uma questão que me escapa, qual é o objectivo deles, perguntei censurando-me logo de seguida, devia era estar a tentar livrar-me daquele filme e ainda estava a dar conversa. Não posso ter a certeza, respondeu, suponho que queiram ocupar a nossa realidade ou qualquer outra coisa assim maléfica, se quiseres aparece cá outro dia e discutimos isso, é sempre bom debater, e confesso que gostei muito de poder partilhar isto com alguém, já quase nem me lembrava de como era ter alguém com quem conversar. Senti alguma pena, por muito que se aprecie a solidão, há sempre momentos em que nos apetece falar com alguém que responda. Perdendo o ímpeto de me ir embora, deixei-me ficar mais um pouco. Sem saber o que dizer e não querendo continuar com a história deles, fiz um comentário inútil sobre meteorologia que saiu muito pouco natural. Não sei se foi por perceber que já só lá estava movido por pena ou se queria realmente ficar sozinho, o Caracol estendeu-se preguiçosamente no saco-cama. Está na minha hora, levanto-me sempre muito cedo, já sabes, se quiseres aparecer para conversar de vez em quando, serás bem-vindo, disse-me em jeito de despedida. Pois, retorqui algo atrapalhado, aquela do tempo tinha saído mal, foi uma futilidade estúpida, uma pessoa que nunca conversa com ninguém não estaria certamente interessada em debater o estado do tempo, também tenho que ir andando, até um dia destes então, e obrigado pelo chá, estava… diferente. Até à próxima, e cuidado, eles andam aí! Tive que me virar de imediato para disfarçar e abafar uma gargalhada, nunca tinha ouvido aquela frase dita tão a sério, e o efeito foi exactamente o oposto, não consegui evitar achar piada. Sem me virar para que não percebesse a minha boa disposição, limitei-me a acenar e afastei-me tentando reviver mentalmente e manter na memória todo aquele curioso episódio, enquanto sentia, com a ponta dos dedos, o volume da esfera no meu bolso, como que para me certificar que tinha mesmo sido real.

sexta-feira, 29 de junho de 2007

O Caracol - Capítulo 2

Fez um gesto com uma mão para que me aproximasse, enquanto me estendia, com a outra, uma caneca de chá, ao qual tinha já previamente adicionado uma generosa dose do bagaço que guardava com reverência dentro do saco, que, no fundo, continha a sua casa. O xarope para a tosse, chamou-lhe. Aproximei-me e, recolhendo a caneca que me era dirigida, sentei-me no chão à sua frente, como uma criança que espera uma história. Vagarosamente levou a caneca à boca e, sorvendo ruidosamente um trago, respirou fundo com um suspiro, como se tomasse fôlego para a revelação que iria partilhar.
Sabes, começou com um ar grave, nem todas as pessoas são realmente pessoas. Não são realmente pessoas, perguntei com falso espanto, sei que muitas pessoas não são realmente humanas, mas sempre pensei que fossem todas pessoas. Pois não são, retorquiu, muitas delas já deixaram de o ser e são agora um deles, tu também serias se eu não te tivesse salvado, acrescentou arregalando os olhos. E não penses que a pessoa fica lá presa e que pode voltar, continuou, não, a pessoa perde-se para sempre, fica apenas o seu corpo, a casca. A alma, ou consciência ou aquilo que lhe quiseres chamar, que era a pessoa, morre, e de lá ninguém volta. Pois, disse eu pausadamente, isso é muito curioso, mas continuo sem saber quem é que eles são afinal. Para ser sincero, respondeu, não sei exactamente o que eles são, nem de onde vêm, se de outro planeta, de outro tempo ou até mesmo de outro plano de existência, mas posso garantir-te que existem, e são cada vez mais, exclamou. Mas como é que sabes isso, e falaste há bocado de um "lapso", de que é que estavas a falar, perguntei rapidamente. Há já muito tempo que os ando a observar, recomeçou depois de outra inspiração mais profunda, tudo começou quando, por acaso, assisti a um lapso, como eu lhe chamo, que é quando eles se reúnem para arranjar mais corpos. Pelo que já vi, continuou após uma pausa para um gole de chá, eles precisam de reunir-se em grande número para criar condições para que outros deles possam invadir os corpos dos coitados que lá estiverem que ainda não sejam deles. Eu assisti a um desses lapsos e sobrevivi, não sei como nem porquê, mas a verdade é que sobrevivi e fiquei a saber que eles existiam. Então... mas como é que foi, perguntei já com alguma curiosidade genuína. Eles vão-se juntando, ficam muito imóveis e com os olhos muito abertos; quando são suficientes algo acontece que automaticamente mata toda a gente à volta, respondeu elevando a voz, imaginas o meu pavor quando vejo toda a gente, excepto os que estavam feitos estátuas, a cair no chão ao mesmo tempo. E quando os vi todos novamente a levantar-se, perguntou retoricamente já visivelmente empolgado, claro que fiquei completamente petrificado, deixei-me estar quietinho que nem um rato, daqueles que ficam muito quietos, porque também os há bastante irrequietos, pensando bem... acho que até é a grande maioria... porque é que se dirá que se fica quieto que nem um rato... os ratos não são assim tão parados... acho que fica melhor é dizer que fiquei quieto que nem um caracol. Não consegui evitar abrir um sorriso ao ouvir a divagação, obviamente também achava que o termo se adaptava muito mais. Fiquei ali, quietinho como um caracol, disse retomando o discurso sem aparentar ter reparado no aumento da minha boa disposição, e vi-os todos levantar-se, acenar com a cabeça aos outros e saíram todos juntos. Isso é uma história e peras, respondi, à espera que continuasse. Desde aí tenho tentado salvar algumas pessoas, mas foste a primeira que consegui, todas as outras resistiram e acabaram mortas, disse com ar triste. Quem as pode censurar, se calhar não te vês ao espelho há muito tempo, pensei, mas, então e eles nunca te apanharam, foi o que da minha boca apenas se ouviu. Já tentaram, uma vez vieram atrás de mim até quase aqui, mas assim que chegaram perto da nespereira, era vê-los a correr como o diabo da cruz, exclamou com uma ponta de alegria. Também não sei ao certo porquê, mas há algo nas nespereiras que eles não suportam. Não sei se é o cheiro, ou algum químico que elas emanam, mas foi o que me salvou naquele dia e me tem mantido a salvo até hoje. Parece estúpido, não é, perguntou, a nossa única arma conhecida contra eles ser uma nespereira. Limitei-me a responder com um encolher de ombros, não achava que a questão da nespereira fosse tão mais absurda que o resto da história, achei até que se enquadrava. Absurdo mas verdade, continuou acariciando carinhosamente o tronco da nespereira, esta árvore salvou-me a vida, e desde esse dia tenho vivido aqui. Sem saber bem o que dizer, permiti-me alguns momentos de silêncio para saborear a extraordinária história do Caracol.

Chop Suey!

Wake up,
Grab a brush and put a little (makeup),
Grab a brush and put a little,
Hide the scars to fade away the (shakeup)
Hide the scars to fade away the,
Why'd you leave the keys upon the table?
Here you go create another fable

You wanted to,
Grab a brush and put a little makeup,
You wanted to,
Hide the scars to fade away the shakeup,
You wanted to,
Why'd you leave the keys upon the table,
You wanted to,

I don't think you trust,
In, my, self righteous suicide,
I, cry, when angels deserve to die, Die,

Wake up,
Grab a brush and put a little (makeup),
Grab a brush and put a little,
Hide the scars to fade away the (shakeup)
Hide the scars to fade away the,
Why'd you leave the keys upon the table?
Here you go create another fable

You wanted to,
Grab a brush and put a little makeup,
You wanted to,
Hide the scars to fade away the shakeup,
You wanted to,
Why'd you leave the keys upon the table,
You wanted to,

I don't think you trust,
In, my, self righteous suicide,
I, cry, when angels deserve to die
In my, self righteous suicide,
I, cry, when angels deserve to die
Father, Father, Father, Father,
Father/ Into your hands/I/commend my spirit,
Father, into your hands,

Why have you forsaken me,
In your eyes forsaken me,
In your thoughts forsaken me,
In your heart forsaken, me oh,

Trust in my self righteous suicide,
I, cry, when angels deserve to die,
In my self righteous suicide,
I, cry, when angels deserve to die.



SYSTEM OF A DOWN
Chop Suey!

quarta-feira, 27 de junho de 2007

O Caracol - Capítulo 1

A velha ébria cambaleava pelo passeio. A cada cinco ou seis passos parava, encostava-se ao muro e dava um gole na sagres de litro que trazia envolta num saco de plástico. Creio que o saco servia para disfarçar, e quem sabe não resultaria caso ela não fosse a praguejar sonoramente com o mundo, atraindo a atenção de toda a gente.
Distraí-me a olhar para o velhote, seguramente já bem acima dos sessenta, que, com o seu boné da moda, deslizava descontraidamente na paisagem sobre um par de patins em linha e quando dei por mim estava envolto num mar de gente que se deslocava no sentido inverso. Já quase a sufocar, acelero o passo, abrindo caminho pelo magote e quando me vi livre, encostei-me ao pilar a recuperar o fôlego. Levantando lentamente os olhos do chão, comecei a ver uma bengala de cego, continuando a levantar a cabeça, senti um nó na garganta ao fixar o olhar nos olhos do cego, abertos, completamente brancos! No meio daquele vazio, pareciam olhar para mim, para dentro de mim! Enquanto o arrepio descia pela coluna vertebral já eu corria em direcção à escada como quem foge do demo. Aliviante, uma visão fez-me deixar de sentir que teria, sem querer, atravessado um qualquer portal mágico e aterrado no meio de um filme surrealista.
Era o Caracol. Foi a alcunha que lhe coloquei por andar sempre com aquele saco enorme às costas, que deveria provavelmente conter todas as suas posses materiais. Via-o todos os dias, depois do almoço, quando dava uma volta para fumar um cigarro. Sempre com a casa às costas, como eu gostava de dizer a mim próprio, e com o seu ar pensativo, que de estúpido não tinha nada! Entretinha-me a pensar o que levaria no saco, imagino que pelo menos não tivesse lá uma tesoura, dado o tamanho da barba, que já com o cabelo misturado, lhe chega a meio do peito. Tinha adquirido uma simpatia por ele, que foi consolidada na única vez que se dirigiu a mim, com extrema educação para que, encarecidamente, lhe facultasse um cigarro. O que faria ali a esta hora, pensei.
Perante o meu ar aturdido ao perceber que se dirigia a mim, limitou-se a murmurar que tínhamos que sair dali enquanto me puxava pelo braço. Perplexo, deixei-me levar e só ao fim de algum tempo é que percebi que ainda murmurava. Qualquer coisa relacionada com o facto de ter tido que me salvar. Só abrandou quando chegámos a um beco, onde finalmente me olhou fixamente nos olhos. Não podia deixar-te ali, disse, estava mesmo quase a haver um lapso. Alguém que lá estivesse que não fosse deles, já deve estar morto. Quando disse "deles" a sua voz ficou trémula e, num acto instintivo encolheu a cabeça para dentro dos ombros enquanto olhava para ambos os lados. Quem são eles, perguntei. Shhhhh, ainda não estamos seguros, eles podem ouvir-nos.
Não sabia se seria pelo meu fascínio por aqueles a quem a sociedade apelida de loucos, por terem uma forma de pensar diferente do que é comum, mas a verdade é que me sentia impelido a alinhar na história. Mais até que impelido, parecia que nem o conseguiria evitar. Sei de um sítio seguro, disse o Caracol, enquanto me pegava novamente pelo braço e me levava a passo acelerado para uma qualquer parte incerta.
Visivelmente mais tranquilo, apontou-me um monte de tijolos quando chegámos. Era um beco entre três prédios muito antigos, com uma entrada estreita e um espaço relativamente amplo onde havia uma nespereira de tamanho considerável. Sentei-me nos tijolos enquanto olhava à volta, surpreendido pelo asseio do local.
Bom, disse, trago aqui jantar, hoje já não saio. E pousando o saco no chão, sem dizer mais nenhuma palavra, ante o meu olhar intrigado, começou por retirar um toldo. Preso a duas cavilhas estrategicamente colocadas nas paredes e com outra ponta amarrada na nespereira, rapidamente o toldo se transformou numa tenda. Não é que o Caracol trazia mesmo a casa às costas, pensei sorrindo. Continuou o seu afazer, retirando também um saco-cama, um daqueles pequenos fogões de campismo e um saco mais pequeno, que continha alguns víveres e pequenos utensílios de cozinha. Estendeu o saco-cama, colocou o fogão onde, pela marca no chão era notório ser o seu sítio e, retirando um pequeno púcaro, colocou ao lume uma porção de água obtida de um garrafão habilmente escondido a um canto. Efectuou todo o processo com bastante calma, nem parecia o mesmo de há momentos atrás e, como se se tivesse esquecido que eu ali estava, sem proferir uma palavra. Limitei-me também a observá-lo até que, por fim, retirando uma saqueta de chá, quebrou o silêncio dizendo: Vou fazer-nos um chazinho para ajudar a descontrair. Aqui estamos a salvo, é como se estivéssemos invisíveis para eles. E vai dizer-me quem são eles agora, perguntei. Sim, sim, respondeu, é preciso é ter calma, conto-te tudo durante o chá, e podes tratar-me por tu. Já agora, acrescentou, queres com ou sem cheirinho? Pode ser com, respondi com um sorriso cúmplice. O seu rosto contorceu-se num esgar que interpretei como um sorriso, o primeiro e único que o vi esboçar.

sexta-feira, 22 de junho de 2007

Paleta

- Não percebo porque sentes a necessidade de me vires com essas tangas.
- Que tangas? Porque é que dizes que são tangas?
- Não é preciso levar à letra. Não quer dizer que seja mentira no seu sentido mais estrito, mas essa é a história que se contaria a qualquer um. Devo referir que é comigo que estás a falar?
- Se fosse outro nem sequer haveria história.
- Acredito. Mas já que há história, podes aproveitar para abrir a guarda e contar a história como ela é. Revelares realmente o que estás a sentir.
- Mas é o que eu estou a fazer. Não tenho culpa que não acredites.
- Não é uma questão de acreditar ou não. Volto a dizer que não estou a falar de mentira, estou a falar de genuinidade.
- Genuinidade?
- Sim. Percebe-se facilmente quando uma pessoa não está a ser genuína, e às vezes nem é preciso conhecê-la bem. Então, quando se conhece a pessoa, percebe-se facilmente quando é que ela está a “dar a paleta”, como se costuma dizer. Há pessoas que são genuínas por natureza, outras são-no apenas com aqueles com quem se sentem mesmo à vontade, mas acho que tu não o és com ninguém. E a questão é que não percebo a necessidade de “dares a paleta” comigo, sabes perfeitamente que eu não te vou julgar.
- Mas como é que sabes que não estou a ser genuíno? Se achas que nunca o fui contigo não podes saber a diferença.
- É daquelas coisas que se percebe. Percebe-se quando as pessoas tiram a máscara. Nota-se.
- Mas nota-se como?
- Bom… esquece lá isso…
- Ok, tudo bem. Vou mas é pedir mais duas.

terça-feira, 19 de junho de 2007

O Livro

O zumbido era quase inaudível, mas estava lá. Bastava que parasse por apenas um segundo para imediatamente se aperceber. Já nem sequer conseguia dormir, e quem sabe até talvez viver, sem a companhia daquele zumbido.
Além dele, apenas o mar estava lá para confortar a sua solidão, solidão que amava e odiava, como se de um ser vivente se tratasse.
O mar… velho e fiel companheiro, repleto dos fantasmas de velhos marinheiros que apenas ali conheceram um lar e que, por vezes, também o visitavam.
Nunca tinha tido jeito para as pessoas, nunca tinha conseguido conversar com ninguém como o fazia com as ondas, que incansáveis insistiam em entregar-se às rochas lá em baixo. Apesar de só, sentia-se seguro ali. Mais que seguro, sentia-se pleno, estava no seu mundo, pequeno, mas seu...

O livro já me estava a chatear, portanto mandei-o para um canto e fui jogar playstation!

terça-feira, 5 de junho de 2007

Como a mulher do 2º frente lixou a vida a toda a gente

Então não é que o raio do homem do R/C direito queria ocupar-me a arrecadação à força? Tinha que andar sempre com trancas e com problemas por causa dele. Uma vez estava eu lá dentro e ele do lado de fora a tentar arrombar a fechadura, tive que sair de lá com um pau e ameaçá-lo e mesmo assim a saga continuou. Como a casa dele era maior que as outras, não tinha direito a arrecadação, mas a sua pequena mente começou a fantasiar em ficar com a arrecadação por baixo da casa dele para abrir um buraco de uma para outra, e eu é que fui o azarado que teve que apanhar com ele.
A coisa lá mudou quando se foi embora do R/C esquerdo o polícia que veio da terra com os cinco filhos e não se adaptou à cidade, foi para lá morar um gigantesco curandeiro africano, professor Mandonga ou qualquer coisa assim, que, com o seu tamanho e o olhar esbugalhado que fixava nas pessoas, conseguiu impor respeito no prédio. Bom, respeito não era bem, era mesmo medo, mas a verdade é que o imbecil do R/C direito amansou e quase nunca mais se ouviu. A velhota do 1º frente garantia que o curandeiro lhe tinha feito algum feitiço, que lhe tinha até roubado a virilidade e, embora mais ninguém admitisse acreditar, foi suficiente para que se iniciasse o burburinho.
Claro que tudo se tornou bastante óbvio quando veio o corrupio. Se ele feitiçava ou não, não sei, mas sei que era um entrar e sair constante de clientela. O perfil ficou completo quando se tornou óbvio que espancar a mulher, uma negra espaçosa que fazia lembrar as antigas estátuas de deusas da fertilidade, era um dos hábitos que mantinha com empenho.
Mas as coisas só começaram a tornar-se mesmo surreais quando a mulher do 2º direito, aquela que poisa as mamas em cima da barriga... Coitada, estava a atravessar um período de grande dificuldade financeira e lá tinha conseguido arranjar um dinheirinho para comprar um bacalhau, para fazer pastéis para vender e conseguir começar a ter algum rendimento, o marido chega a casa, não se sabe bem como, apanha o dinheiro e, qual génio, vai comprar outro televisor. A mulher ficou tão estarrecida com tamanha cretinice e tão desolada com o desaparecer do dinheiro que tanta falta lhe fazia, que nunca mais foi a mesma... Se meteu com o africano.
Era a mulher do 2º direito que não largava o africano, por muito que a sua mulher lhe batesse, e acreditem que não era pouco. Era o africano a bater na negra porque esta não parava de o chatear. Era o africano a bater também na mulher do 2º direito porque também ela não parava de o chatear. Só o marido da mulher do 2º direito é que, apesar de com isso se estar a assumir como corno manso, teve a sagacidade de se manter à margem de toda aquela história e mesmo assim não se livrou de sentir o peso da mão do africano quando este, já cego de ira e farto de bater na mulher dele, achou que o marido também merecia uma valente chapada por não saber controlar a sua mulher. Controle este que, de forma a evitar novas chamadas de atenção, começou a ser implementado à força de vergastada. A mulher continuava a não largar a porta do africano, mas não estava preocupado com isso, dava-se por satisfeito por, pelo menos o africano não poderia alegar ser por falta de porrada.
Seria de pensar que as coisas não se podiam complicar mais, mas não era verdade. O clímax foi atingido quando o homem do 1º esquerdo, que era pianista, começou a ficar sem condições para praticar. Ainda me lembro da maravilhosa sensação que era entrar no prédio e ouvir baixinho uma tocata de Bach ou uma valsa de Strauss. Agora apenas se ouviam gritos e ruído. Já no limite da sua paciência decidiu envolver a polícia. Foi aí que as coisas se tornaram realmente complicadas. Em vez de resolverem o problema do barulho e tentarem pôr ordem naquela gente, deram ouvidos à mulher do 2º frente, divorciada, ressabiada e revoltada com a humanidade, que lhes disse que o homem do 1º direito cultivava plantas estranhas e saia frequentemente com pacotes suspeitos debaixo do braço. Ignorado as razões que os tinham levado lá, começaram então, desconfiados, a chatear o pobre do homem do 1º direito. Quando o abordaram e ele lhes disse que era biólogo, que fazia experiências com trigo e o conteúdo do pacote era farinha, reagiram como lhes tivesse dito que era produtor de droga. Lá infernizaram a vida ao homem até se ter provado em tribunal que de facto não havia nenhuma ilegalidade nas suas actividades e, despeitados, processaram-no por dois CDs piratas que tinha em casa. Passaram então a ser verbalmente ofendidos de forma eloquente pela velhota do 1º frente, revolucionária radical, cujo ódio à autoridade apenas precisava de uma desculpa para libertar a sua afiadíssima língua. Conclusão: a confusão normal manteve-se, a única diferença era que aumentava consideravelmente quando a polícia aparecia por lá, ameaçando mesmo levar toda a gente do prédio para a esquadra.
Foi aí que percebi que tinha que me mudar.

segunda-feira, 21 de maio de 2007

Nevrostalgia

– Doutor, quero apagar todas as minhas recordações boas.
– Como??? Apagar as recordações boas??
– Sim, quero eliminar todas as minhas recordações agradáveis!
– Mas isso além de absurdo é muito perigoso. Os equipamentos para manipulação de memórias ainda não são cem por cento fiáveis, principalmente num caso em que será necessária uma extrema precisão na selecção das memórias a eliminar. Do meu conhecimento, estes processos são apenas usados em casos traumáticos graves, e nesse caso a memória do trauma é facilmente distinguível por entre as outras.
– Quer portanto dizer que é possível.
– Os riscos do que me está a pedir podem ir desde eliminarmos memórias que não queríamos, até ficar num estado vegetativo. Possivelmente até mesmo a morte!
– Estou disposto a correr qualquer risco! Não aguento mais.
– Não consigo conceber porque uma pessoa poderá querer eliminar as suas boas recordações, muito menos correndo o risco de ficar com graves danos cerebrais. Além do mais, seria um processo extremamente moroso e dispendioso.
– Não aguento mais a nostalgia, doutor; as minhas boas recordações fazem-me sofrer. Eu gosto de me divertir, gosto do momento em que me divirto; mas lembrar-me posteriormente desse momento faz-me sofrer desmesuradamente, e quanto mais feliz for a recordação, pior! E porquê? Não preciso da recordação de um momento feliz, basta-me viver o momento e depois não me lembrar mais disso. Para quê a recordação se apenas nos traz nostalgia.
– Creio que começo a compreender, mas a verdade é que é impossível prever o efeito de um processo desses. Como se comportará um cérebro humano desprovido de qualquer memória agradável? Pode entrar numa espiral depressiva, ficar até com tendências suicidas, por exemplo.
– Certo, também não é preciso serem todas as recordações agradáveis, só aquelas mesmo, mesmo boas, as que deixam saudade. Podem perfeitamente ficar aquelas menos importantes, coisas que achei piada, conversas, etc. Momentos agradáveis, mas que não tenham sido tão marcantes. Só não quero as que me fazem sofrer por querer vivê-las novamente e não poder.
– Sabe, essa ideia que ao princípio me pareceu completamente absurda, começa a fazer cada vez mais sentido. Creio até que, activando a memória e registando a sua reacção a ela, conseguimos distinguir bastante bem as que o fazem sofrer. Talvez a selecção não seja tão difícil como imaginei.
– Por favor, doutor. A minha felicidade depende disso!
– Isto de facto não é tão estúpido como parece, quem sabe não estamos a inventar um processo que se tornará corrente. Deve haver mais gente com esse desejo… Realmente… Para que é que eu quero recordações que me deixam melancólico? Se não me lembrar delas também não lhes sinto a falta… Sabe, acho que alinho consigo. Vou também submeter-me a isso!

sexta-feira, 18 de maio de 2007

Postal dos Correios

Faltavam apenas dois dias para o fim do prazo em que seria suposto a encomenda chegar. Por acaso desta vez nem estava muito ansioso, estava até mentalizado que poderia ficar retida na alfândega, demorando bastante mais tempo a chegar; estava portanto, preparado para esperar.
Dado que enquanto há vida há esperança, pensei que sorte seria se chegasse naquele dia. Iria sair tarde de casa, e assim o carteiro poderia entregar-ma pessoalmente, evitando assim a ida à estação dos correios que, como é apanágio deste nosso povo, tem um horário totalmente incompatível com quem trabalha.
O tempo passou e lá fui, lamentando a minha esperança não se ter concretizado. Quando voltei, com algum espanto, encontro o postal. A encomenda tinha chegado e o FDP do carteiro atrasou-se naquele dia! Porra, que até quando tenho sorte tenho que ter azar!!

quinta-feira, 17 de maio de 2007

Ascenção

Hoje nem sequer devíamos estar a trabalhar… Só me apraz apregoar sonoramente aos ventos: “Maio com meu amigo quem dera já, sempre no mês do trigo se cantará…”

Quinta-feira da Ascensão, Dia da Espiga
O mês de Maio está tradicionalmente recheado de festas solares, próprias de uma sociedade rural e pastoral, ancestralmente ligadas às tradições druídicas dos nossos ancestrais celtas. No calendário celta, Maio era o primeiro mês do ano e chamava-se Cend uin, que significava exactamente o primeiro mês, ou o primeiro tempo, daí a festa dos druídas chamada Bé-il-tin, no primeiro dia de Maio.
Em Portugal, segundo Teófilo Braga, este dia era comemorado em todo o país. Era a festa do Maio ou das Maias, consoante as regiões. Toda a festa revela um culto das flores, expressando-se através do enfeitar de crianças, ou até de espantalhos, com colares e outros adornos florais.
A Quinta-feira de Ascensão assinala, no calendário cristão, o fim do ciclo de quarenta dias iniciado com a Páscoa mas, além das cerimónias religiosas – com destaque para a missa da hora (do meio dia à uma), cujo simbolismo era muito forte e assinalado com o derramar de flores sobre os circunstantes – está também associada a um conjunto de práticas antigas, cujo significado preciso é por vezes difícil de determinar mas que se fundem em sentidos mágicos e religiosos complexos.
Nas regiões do Sul de Portugal esta data é mais conhecida por Dia da Espiga e as pessoas vão ao campo “apanhar a espiga”, o que significa arranjar um ramo composto fundamentalmente por espigas de trigo, um ramo de oliveira e vários tipos de flores. Além do trigo, podem incluir-se outros cereais e, as flores, muito variáveis, incluem sempre cores brancas e amarelas pois, tal como o ramo de oliveira e a espiga de trigo significam abundância de azeite e de pão, as flores amarelas e brancas significam ouro e prata. O ramo é guardado em casa até ao ano seguinte, às vezes junto de um pedaço de pão que se acredita conservar-se incorruptível até ser comido no próximo ano.
Nalguns sítios, pedaços deste ramo são colocados nas hortas e cearas com intenções protectoras, pois acredita-se nas suas virtudes benfazejas.
Noutras regiões há um cerimonial ligado ao leite, por exemplo oferecendo-se a ordenha desse dia ao povo.
Nas aldeias do concelho de Abrantes, como região de confluência, estes costumes, hoje em desuso, também eram muito variados mas, de uma maneira geral, a Quinta-feira de Ascensão, como culminar das festividades florais e campestres do Maio, era um dia em que não se trabalhava, em que as pessoas faziam piqueniques no campo e apanhavam a espiga, que interpretavam como um talismã propiciador de fartura.

sexta-feira, 13 de abril de 2007

Os desejados

Encontrei -os novamente.
E que falta me faziam :)


"A tentar
Pra sentir
E mudar
Pra voltar a cair
Para me levantar
Para nunca mais tentar
Mentir
Pra crescer
Para amar
Para ser
O lugar
Pra viver
E gostar
De gostar
De viver
Pra fugir
Pra mostrar
Pra dizer
Pra ter paz
Pra dormir
Pra fingir acordar
Para ser
Derramar
Para nunca mais tentar
Mentir "

Ornatos Violeta "Para nunca mais mentir"

Albúm - O Monstro Precisa de Amigos (1999)

quinta-feira, 12 de abril de 2007

Psicose

O ambiente estava carregado. Os que não contemplavam os pormenores do monótono padrão formado pelas frias lajes do chão, perdiam-se nas macabras figuras desenhadas nas paredes pelo descascar da tinta junto ao tecto. O silêncio seria absoluto, não fosse o velho louco que a um canto balbuciava blasfémias e as repetidas e abafadas pancadas, a uma cadência lenta e constante, que se ouviam muito ao longe e cuja reverberação metálica se propagava pelos longos corredores. O cheiro a mofo, misturado com as emanações dos corpos era fracamente atenuado pela brisa débil, oferecida por uma decrépita e preguiçosa ventoinha que pendia no tecto, provocando ténues variações na luz.
Uma palavra começou a ganhar forma no meu cérebro, cada vez mais distinta. Era uma palavra familiar, tão familiar…
O meu nome? Sim, era o meu nome! Olhei na direcção da voz e já ninguém olhava o chão, muito menos a tinta das paredes, todos olhavam para mim, para mim! O pânico cresceu ao tomar consciência que alguém no grupo de facto me chamava. O coração disparou, como se se projectasse violentamente contra a parede interior do meu peito, numa desesperada tentativa para sair. Os músculos começaram a paralisar, um a um, e tudo ficou branco…

- Está tudo bem. Dizia uma voz suave. Amanhã tentamos outra vez, mas temos que nos esforçar mais. Está bem?
- Não!!! Respondi sem emitir qualquer som, mantendo os olhos fechados.
- Agora vamos descansar, amanhã correrá melhor.
- Não! Não. Não…

Arrastei-me pelos infindáveis corredores tentando evitar aqueles que me olhavam fixamente. Odiava-os, parecia que olhavam para dentro de mim, como os odiava...
Sentei-me na poltrona do canto e perdi-me, contemplando o desenho abstracto que as várias décadas de utilização gravaram na sua superfície. Outra vez aquela palavra familiar ecoava no fundo do meu cérebro, cada vez mais expressiva. Percebi que novamente alguém me chamava. Porque é que não me deixavam em paz? Porque não esqueciam que eu existia? Ignorei, mantive o meu olhar fixo na poltrona e desejei que a voz se extinguisse, mas isso não aconteceu, pior, tornou-se cada vez mais próxima, mais próxima. Depois de uma fracção de segundo, em que me transformei numa estátua de pânico ao sentir uma mão sobre o meu ombro, a adrenalina disparou e perdi o controle sobre o meu corpo. Sentia apenas o meu corpo a rodopiar freneticamente e as mãos a embater violentamente contra tudo o que me rodeava, até que a dolorosa picada no braço me fez desfalecer.

Gargalhadas, escuridão e gargalhadas. Tremi de medo ao sentir as gargalhadas que ribombavam pelo meu cérebro. De onde vinham? Quem estaria ali? Porque ria assim? Sentei-me encolhido e, semicerrando os olhos, perscrutei a escuridão. Um violento espasmo percorreu o meu corpo quando me pareceu vislumbrar o contorno esbatido de um rosto pálido e fantasmagórico. Cerrei os olhos, não sei por quanto tempo, horas talvez, até que consegui reunir coragem para os abrir novamente. Rapidamente me apercebi que não era um rosto, eram vários! Estava rodeado de rostos arrepiantes que com um lúgubre esgar, riam tresloucadamente. O terror aumentava, atingindo o seu fastígio quando os rostos se começaram a aproximar. Vinham de todos os lados, cada vez mais perto e quando comecei a conseguir distinguir os contornos escuros dos seus corpos escancarei a boca para gritar mas nenhum som saiu. Em vez disso uma dor lancinante invadiu-me a cabeça fazendo-me fechar os olhos em agonia. Quando os abri, comecei a focar a cor esbatida que me rodeava, com a sua matriz de círculos perfeitamente espaçados. Lentamente recuperei os sentidos enquanto o meu coração abrandava. Tacteei o chão e sorri ao sentir os montículos almofadados. Fechei novamente os olhos.

O sol que entrava pela janela, sem grades e aberta de par em par, aquecia-me a face. Uma branda brisa soprou, renovando o ar do quarto e agitando os meus cabelos desalinhados. Lentamente levantei-me e, aproximando-me da janela, inspirei profundamente o ar puro e fresco, de aroma a terra e flores. Enquanto o fazia os meus pés descalços perderam o contacto com o chão. O meu corpo elevava-se e lentamente flutuei janela fora. O tempo perdeu o sentido enquanto flutuava sobre extensas planícies coloridas, majestosos desfiladeiros, densas e verdes florestas, rios, mares…

O som metálico da fechadura fez-me imediatamente voltar a sentir o chão debaixo das minhas costas. Porque não me deixariam sossegado, com os meus pensamentos? Porque estavam tão decididos a ouvir-me? Que achariam que tinha para lhes dizer? Não desistiriam, tinha que fugir daquele sítio. Tinha a certeza que se conseguisse abrir uma janela, poderia realmente voar. Estaria mesmo demente? Sabia que as pessoas não voavam. Apesar de o fazer de maneira diferente da maioria, o meu cérebro parecia funcionar na perfeição. Mas eu tinha a certeza! O longínquo chão não me assustava, sabia que voaria para onde quisesse, para a liberdade. Tinha que encontrar uma saída. Tinha que haver uma janela sem grades!
Uma ideia brilhou na minha mente. Era simples, bastava conseguir ficar invisível! Se estivesse invisível conseguiria entrar na sala proibida sem ninguém perceber. Era brilhante! Mas será que conseguia?
A porta abriu-se. Saí em silêncio, decidido a testar a minha capacidade de me tornar completamente invisível.
Dirigi-me a um dos corredores de maior movimento, aquele que eu evitava a todo o custo e que me provocou um profundo arrepio na coluna quando me aproximei dele. A luz, irregularmente difusa, mergulhava o ambiente numa estranha soturnidade. Só a motivação do meu objectivo me permitiu continuar. Obstinado, coloquei-me a meio do corredor, respirei fundo e concentrei-me. Concentrei-me profundamente em ficar invisível e, para meu gáudio, senti que começava a acontecer. Olhei para baixo e tive ainda um vislumbre do meu corpo translúcido antes de desaparecer completamente. O júbilo transformava-se em euforia, quase impossível de conter!
Deixei-me ficar e cada pessoa que passava, impassível à minha presença, elevava um pouco mais o meu espírito. Tive a confirmação absoluta quando fui obrigado a desviar-me, para que um dos passantes não esbarrasse comigo. Vinha mesmo direito a mim, era óbvio que não me via. Estava mesmo a resultar. Sucesso, sucesso!!!

Seria muito simples. Bastava colocar-me junto da porta da sala proibida e, quando alguém saísse, eu esgueirar-me-ia para dentro antes que a porta se fechasse.
Não havia nenhuma razão para adiar mais. Reforcei a minha concentração em manter-me invisível, dirigi-me para o local seleccionado e esperei. A sala tinha muita afluência, muita gente entrava, mais tarde ou mais cedo alguém teria que sair. E eis que acontece! Com um pulo cuidadoso, para que não me ouvissem, entrei. Era enorme. De um lado, uma comprida mesa oferecia as mais variadas iguarias, a maioria das quais irreconhecíveis para mim. Do outro, os que não se deliciavam com os prazeres gastronómicos oferecidos no lado oposto, entregavam-se aos prazeres da carne em luxuriosas e animalescas orgias em que os contornos dos corpos se diluíam, parecendo apenas uma enorme e grotesca criatura. Era então isto que acontecia aqui, pensei, mas num ápice, toda a minha atenção se concentrou na parede ao fundo da sala. Uma janela! Uma janela sem grades, sem trancas! Confiante na minha invisibilidade, atravessei calmamente a sala e aproximei-me da janela. O meu coração palpitava em antecipação e quase me saiu pela boca quando, ao accionar o puxador, a janela se abriu. Fleumaticamente mas decidido, subi, tinha chegado o momento, seria livre! Abri os braços e com um pequeno impulso os meus pés deixaram para trás o frio parapeito.

quarta-feira, 4 de abril de 2007

Angústia

Estava num recanto de um prédio. Acanhadamente tentava interpelar as pessoas que, com total indiferença, passavam sem sequer desviar o olhar. Ao passar por ela, ouvi um desfalecido “O senhor pode ajudar-me, por favor?”. Se calhar mais por falta de hábito de andar pelo centro da cidade, onde os mendigos - nem todos merecedores de ajuda - abundam, do que por solicitude, parei, dei um passo atrás com um “Sim?”, pensando que a velha senhora precisava de indicações. O meu coração começou imediatamente a encolher quando ela, sem conseguir conter as lágrimas que lhe escorriam pela face, disse que lhe tinham descoberto um cancro, que estava a começar a fazer quimioterapia, que não tinha nada em casa para comer… Instintivamente despejei nas suas mãos as moedas que tinha e tive vontade de a abraçar, de lhe dizer que tudo iria correr bem, tentar aliviar um pouco da sua dor. Não sei se teria servido para alguma coisa, mas sei que não tenho robustez emocional para uma situação daquelas, pelo que, com um aceno em resposta aos agradecimentos, me afastei rapidamente, no limiar das lágrimas. Revendo agora a situação, uma senhora já com alguma idade ali naquele recanto, invisível, reaviva a angústia que senti. Percebia-se perfeitamente que era uma situação nova para ela, o seu constrangimento era notório e via-se a vergonha e o desespero nos seus olhos. Nem por um segundo duvidei da sua necessidade e o meu coração continua encolhido por não ter podido fazer mais. Num país que se diz desenvolvido, uma pessoa não devia chegar àquela idade e ter que pedir esmola.

sexta-feira, 30 de março de 2007

O ID63

“O ID63??? Não, não sei nada sobre isso!” Foi o que quase toda a gente me respondeu com a voz trémula de terror; com excepção de alguns que, desconfiadamente, apenas referiram que não pronunciavam aquela designação, enquanto continuavam apressadamente o seu caminho, visivelmente perplexos com meu interesse.
Encontrei por fim um ancião, notoriamente demente, que se dizia um conjurador de anjos e demónios. Depois de inúmeras e assustadoras advertências, no meio do seu delírio conseguiu indicar-me o covil do monstro. Indicações que segui com alguma dúvida, mas que se provaram exactas.
Aproximei-me cuidadosamente e lá estava ele, o ID63, a majestosa besta! Estudei-a, analisei-a, procurei as suas fraquezas e por fim descobri o âmago da sua fragilidade. Decidido, elaborei um plano de ataque, revi-o minuciosamente e acreditei no meu sucesso.
Reuni toda a minha coragem e, no momento certo, avancei para o perverso prodígio. Aquele que, de tão grotesco e infame, não tem nome. Aquele que apenas mereceu uma identificação numérica, e mesmo essa, capaz de induzir pavor no coração dos mais audazes.
A vil criatura percebeu a minha aproximação e virando o seu temeroso focinho na minha direcção, urrou de tal forma que não só senti as vibrações no diafragma, como consegui também sentir o calor fétido do seu hálito.
Tinha passado o ponto sem retorno, o confronto era inevitável. Avancei para o abjecto ser enquanto ele, com outro urro que pareceu fazer tremer a terra por debaixo dos meus pés, avançou para mim. Cada um de nós acelerando o seu passo, a adrenalina a tomar conta de mim, o tempo a parecer distender-se, o embate estava iminente e…

terça-feira, 27 de março de 2007

Fadinho da Carla

Disseram que eras bravia,
Que seria um erro crasso.
Confiando no meu siso,
E sem ligar ao aviso,
Fui morar no teu regaço.

Vi depois que foi simpatia,
Bravia era só um ensaio.
Mera mentira piedosa,
Eufemismo, simples prosa,
Tu és é reles cumó raio!

Não venho para aqui lamentar-me,
Sabemos que há espinhos na rosa.
Quem ama por gosto não cansa,
Quem espera sempre alcança,
Talvez fiques menos ranhosa.

Mas estava no meu destino
Que ia acabar ao teu lado.
E ainda que mal cantado,
Tinhas sempre que ser tu
A dona deste meu fado.

segunda-feira, 26 de março de 2007

Exercício descritivo

É monumental! De ambos os lados da movimentada estrada, passeios espaçosos e ricamente decorados envolvem verdadeiros jardins rodeados por plátanos de várias idades, no centro dos quais se alinham fileiras de altíssimas palmeiras de variadas espécies, cercadas por uma miríade de arbustos floridos e impecavelmente tratados. Antes de começar a caminhar ao longo da calçada, eximiamente elaborada com complexos motivos, deixei o meu olhar percorrer o percurso que ia efectuar, surpreendendo-me com a riqueza visual, cultural e até biológica daqueles passeios. Nas extremidades dos alongados jardins vêm-se monumentos, inúmeras estátuas de ilustres, desconhecidos de muitos, e algumas árvores bastante incomuns. A minha atenção deteve-se numa espécie de palmeira de aparência algo extraterrestre. O seu grosso tronco principal não mede mais que alguns palmos, a partir de onde se projectam vários ramos, ou troncos secundários, um pouco mais finos e de aspecto áspero. Todos estes troncos secundários são completamente isentos de ramificações e as únicas folhas, longas e pontiagudas como a ponta de uma espada, projectam-se da sua extremidade em todas as direcções, formando com as suas pontas uma esfera quase perfeita. Noutras, semelhantes e igualmente estranhas, os ramos brotam de uma massa no chão e as folhas nas extremidades são em forma de leque. Deliciei-me com estes originais seres vivos que pareciam saídos de um deserto e iniciei a minha caminhada ao longo daquela extraordinária avenida.
Passeava lentamente, numa tentativa de observar tudo pelo caminho, mas a paisagem é tão rica em pormenores que por vezes tinha que parar por alguns momentos para apreciar plenamente o que me rodeava. Um bom exemplo é o quiosque de aspecto secular cujos floreados e elaboração estética me fizeram dar algumas voltas em seu redor. É um hexágono formado por placas de metal grosseiramente pintadas de verde, de aspecto robusto e oxidado, que nas arestas são unidas com uma peça do mesmo metal, artisticamente elaborada com motivos complexamente retorcidos que aparentavam ter sido inspirados tanto nas plantas como no fogo. O telhado é formado por uma estrutura semelhante à base, também com os mesmos ornamentos nas extremidades, que serve de suporte a um toldo branco, coberto com as mesmas folhas secas que se espalham pelo chão e se acumulam nos cantos. Por dentro, por entre um mar de revistas e afins que não permitia ver mais que o seu busto, um homem de rosto vincado e ar enfadado, cuspia constantemente os pedaços de tabaco que o seu cigarro sem filtro lhe deixava na boca. Os seus olhos fundos observaram-me debaixo da sua boina preta, enquanto esquadrinhava o seu estabelecimento, e voltaram ao seu marasmo quando prossegui o meu caminho.
Mais abaixo detenho-me diante de um plácido lago ao longo de uma parte do passeio, em cuja extremidade se encontra uma fonte, onde sobre uma enorme rocha carcomida, está uma estátua de aspecto antigo retratando um homem seminu de longas barbas e cabelos, que segura um pote de onde jorra a água. Dir-se-ia o próprio Poseidon, ali, no centro de um passeio de uma das avenidas mais movimentadas da cidade, um deus despercebido que ninguém adorava.
Depois de observar, fascinado, todos os pormenores da estrutura, que dir-se-ia saída de um jardim grego da antiguidade; delirante com os pequenos tesouros que se podem encontrar no coração de uma atarefada cidade; voltei a minha atenção para os transeuntes. Cada um seguindo o seu caminho, a maioria em passo acelerado, de olhos no chão ou no infinito. Ninguém parecia ver nada à sua volta, ninguém desfrutava da paisagem, dos magníficos pormenores que esta avenida oferece. A própria calçada é uma verdadeira obra de arte e certamente nem os que iam de olhos no chão a iam realmente a ver. A única excepção foi aquele homem de meia-idade, que aparentava envergar apenas um comprido casaco preto, muito gasto, que, além de um fino triângulo do seu peito amarelado, apenas permitia ver os seus tornozelos e pés encardidos que preenchiam umas sandálias que certamente já tinham palmilhado muitas centenas de quilómetros. Entre as madeixas que desordenadamente lhe caíam de ambos os lados da face magra e escurecida, acabando por se dissimular numa barba de aspecto áspero e sujo, apresentava uns olhos azuis esbugalhados, praticamente a única coisa que conseguia sobressair da selva desgrenhada que era a sua cabeça. Enquanto caminhava devagar, movia a cabeça em todas as direcções, perdendo - ou será mais correcto dizer - empregando todo o tempo necessário para observar minuciosamente tudo à sua volta. Parecia, como eu, fazer questão de observar em vez de apenas olhar, querer beber tudo o que o rodeia, absorver o mundo! Ponderei se seria triste o facto de, no meio de tanta gente, a única pessoa com quem me tinha conseguido identificar minimamente, ter sido um vagabundo, visivelmente afectado mentalmente. Achei que não.
Desço mais um pouco e decido sentar-me num dos bancos de jardim que se perfilavam ao longo do passeio. De estrutura metálica, já esverdeada pelo tempo, sobre a qual se alinhavam tiras de madeira, escura, gretada e ressequida, onde, gravadas, se conseguiam ainda vislumbrar antigas promessas de amor. O banco rangeu em uníssono com o meu suspiro de prazer ao descontrair-me e sentir nas costas o calor do sol ali armazenado. Imaginei que o ranger do banco foi também um suspiro de prazer, de satisfação por uma dos milhares de pessoas que por ali passavam o ter usado, fazê-lo sentir-se útil, real, verdadeiro, sentir-se de facto um banco! Senti-me muito bem.
As minhas divagações foram interrompidas por um bando de pombos que, alvoraçadamente, apareceu, como que vindo do nada. Cerca de um minuto depois apercebi-me que o enorme bando seguia uma senhora já muito idosa, muito baixa e magra, que caminhava lentamente ao longo da avenida. A sua postura encurvada, a sua indumentária completamente preta e o enorme xaile, igualmente preto, que pendia sobre a sua cabeça e envolvia os seus ombros descaídos, escondendo grande parte do seu rosto enrugado, provavelmente mais pelas amarguras da vida do que pelo devorar do tempo, faziam a sua silhueta parecer ainda mais insignificante.
Notava-se a excitação dos pombos a aumentar enquanto seguiam a velha senhora, terminando num clímax de euforia quando esta se sentou no banco a seguir ao meu e fez aparecer, como que por magia, um enorme saco de milho e, também como que através de um qualquer sortilégio, desapareceu no meio dos pombos que a envolviam freneticamente. Com excepção de alguns indivíduos visivelmente doentes, os pombos pareciam bastante saudáveis e bem alimentados. A sua plumagem em tons cinzentos e azulados apresentava belos reflexos verdes quando lhe batia o sol. E enquanto se acotovelavam - se é que tal termo se pode aplicar a aves - presenteavam o observador com um verdadeiro espectáculo de luz e cor; uma verdadeira tela viva.
Deixei-me ficar, a observar os pombos na sua azáfama para disputar os grãos que se espalhavam pela calçada e, quando o turbilhão começou a esmorecer, diverti-me com os seus rituais de acasalamento. Os machos, inchados, incansáveis, exibindo-se para elas, e elas a fugir, de tal forma desinteressadas que admirei a perseverança deles; aquele tipo de indiferença é coisa para frustrar os mais obstinados, mas eles, impassíveis, voltavam à carga. Esperam vencer pela exaustão, suponho. Senti alguma vergonha pela minha espécie ao pensar que os humanos, nos seus jogos de acasalamento, acabam por não ser assim tão diferentes dos pombos...

quarta-feira, 14 de março de 2007

Graça surpreendente

Andar de transportes públicos pode ser cansativo e até desconfortável, mas é também uma excelente oportunidade para observar o ser humano. Se tivermos alguma sorte, e nem é preciso muita, então conseguimos deparar-nos com verdadeiros casos de estudo, como o indivíduo com quem partilhei o metropolitano esta manhã.
Aparentemente tratava-se de uma pessoa que, como a grande maioria das outras que usufruíam daquele transporte, se dirigia para o seu emprego e, caso se mantivesse calada, não seria distinguível dos demais.
Mas distinguia-se, bastante mesmo, devido ao facto de ter decidido aproveitar a sua viagem para pregar às massas. De referir que não acho que seja nada a condenar, admiro até as pessoas que têm presença suficiente para o fazer, e esta tinha-a com fartura, dir-se-ia até que seria movida por uma encomenda divina.
Creio que não pregava nada de prejudicial, aparentemente manifestava-se contra a falta de respeito pelos outros (roubo, mentira, violência, homicídio, etc.), contra a fornicação, a favor do amor e em defesa das mulheres, tentando demonstrar-lhes os castigos divinos para a referida prática demoníaca, aparentemente a principal causa de partos difíceis e até mortais, provavelmente por ordem crescente de grau de empenho na dita.
Dado que se movimentava de forma a conseguir que as suas palavras chegassem ao maior número de pessoas possível, não consegui apanhar todo o discurso, mas aparentemente todos os males da nossa sociedade; entre os quais consegui distinguir os incêndios florestais que, dada a espiral descendente de autodestruição em que nos encontramos, vão aumentar; se devem a estas questões. Quem sabe não tem razão?...
Estava já eu plenamente satisfeito, deleitado até, com a oportunidade de ouvir os ensinamentos desta profetisa que nem me pareceu completamente lunática, quando a experiência conseguiu tornar-se mais sublime. Tendo tido o privilégio de sair na mesma estação, pude ainda testemunhar a entoação, sonante e exímia, do que me pareceu ser uma versão portuguesa de “amazing grace”. Que pessoa fascinante!

terça-feira, 13 de março de 2007

Monodiálogo

- Aaaargh, como aquela gaja me irrita!!!
- Calma, tens que te controlar, não te podes deixar afectar assim.
- Pronto, lá vem ele com a sua calma. Deixa-me lá irritar se a gaja me irrita, se até já estou no ponto de bastar ela aproximar-se para ter vontade de lhe pregar uma sonora e dolorosa chapada! Que bem que me saberia...
- Não podes ser assim, se ela te irrita, tu é que tens que saber lidar com isso. O problema é teu, não dela; ela só está a ser igual a si própria.
- Epa… és um chato de merda! Sempre com o teu racionalismo. Sabes, também me irritas profundamente.
- Lá está outra coisa que tens que saber controlar. Vou pôr-te uma música para acalmar.
- Para ti é tudo muito fácil, não é?
- Para mim pode ser simples, mas lá por não complicar as coisas não quer dizer que seja tudo fácil, antes pelo contrário, é muito difícil ter objectividade que permita manter as coisas simples, mas é o melhor a fazer.
- Tens, obviamente, consciência que é exactamente esse tipo de conversa que te torna tão irritante…
- Hum… talvez esta outra música, ou se quiseres posso mostrar-te como seria aquela gaja sem roupa…
- Deixa lá isso, se quisesses mesmo agradar-me, calavas-te, nem que fosse só por uns minutos.
- Sabes perfeitamente que isso não é possível.
- Pois sei, mas era tão bom…
- Gaita! É mesmo muito frustrante ser o teu cérebro!

quinta-feira, 8 de março de 2007

Mulheres

- Confiar nas mulheres? És maluco? As mulheres não são de confiança. Se um gajo lhes deixa as rédeas muito soltas, acaba sempre por se lixar!
- Parece-me uma opinião algo radical. Aceito que haja pessoas, não apenas mulheres, que não são de confiança, mas a generalização é habitualmente, um erro.
- Tu és muito ingénuo! Não conheces o animal mulher. Elas não são frágeis como querem que pareça, são manipuladoras!
- O teu discurso parece saído da idade das trevas! Essa conversa de as mulheres serem perversas, a verdadeira personificação do demónio já está, felizmente, ultrapassada.
- Ouve bem o que te digo, se dás muita liberdade à tua mulher, mais tarde ou mais cedo ela vai cruzar-se com um gajo que engraça com ela e que tem a energia que tu tinhas antes, que lhe dá certos mimos que tu já não tens pachorra para lhe dar e ela vai borrifar-se para ti. Todo o amor que ela apregoava por ti se esfuma. E ainda por cima são estúpidas demais para perceberem que passado algum tempo, pouco tempo, vão estar na mesma situação que estavam antes, ou pior.
- Então… mas… quer dizer então que a culpa não será, pelo menos inteiramente dela. Se não deixasses de ter pachorra para lhe dar os mimos que ela precisa, provavelmente ela já não se deixava ir na cantiga do outro.
- Elas querem sempre mais do que têm! Até podes ser o Sr. Perfeito que ela vai ter sempre alguma queixa. Nunca nada que tu faças é suficiente para satisfazer uma mulher. Além do mais, é perfeitamente natural a relação esmorecer com o tempo.
- Se esmorece, se calhar é porque o sentimento mudou. Se deixas de te sentir impelido a mimá-la, a fazê-la feliz, se calhar é porque afinal não a amas como achavas que amavas e aí, acho que se calhar mais vale enfrentar a realidade e, por muito complicado e assustador que isso possa parecer, terminar a relação.
- Eu não deixei de gostar da minha mulher. Pode ter passado aquela paixão do início, mas eu amo-a!
- Parece que estás a dizer isso a ti próprio, e até compreendo que queiras mesmo acreditar nisso, mas se quando estás com ela, já não surge em ti qualquer impulso que te puxe para ela. Quando já não tens motivação para a fazer feliz e se calhar até já tens alguma para a fazer infeliz, isso já não se pode chamar amor. Já é uma questão de conforto e habituação. Se calhar até de medo da mudança.
- Não me passa pela cabeça deixar a minha mulher, perder tudo o que construímos juntos. Não a quero perder! Também não consigo andar, falsamente e por obrigação, sempre agarrado a ela como dantes. Acho que era uma hipocrisia passar a vida a fingir, fazer-lhe um mimo só por obrigação quando isso não surge espontaneamente.
- Lá está, se não surge de forma espontânea, se calhar já não estás lá a fazer nada. Se calhar mais vale libertá-la para que ela possa procurar o que precisa. Para que possa colmatar as suas carências. Claro que isso para ti é inconcebível, mas já se está fora de questão deixá-la, assim como dar-lhe o que ela precisa, acho que a única solução seria fechar os olhos e deixá-la resolver as suas carências como achar.
- Como é que com tanta inteligência consegues ser tão estúpido? Isso era mais que meio caminho andado para ela me dar com os pés! Não inventes, o que eu tenho que fazer é controlá-la, não é tentar satisfazê-la.
- É a tua opinião, a tua visão das coisas. Não vou ter a presunção de que é obrigatoriamente a minha visão que está certa e a tua errada, mas definitivamente discordo. Mas mesmo que tenhas razão, que o caminho que apresenta melhores resultados seja o controle, face à satisfação, ou pelo menos à tentativa de satisfação, não será também o caminho mais difícil para ti? Mesmo apresentando os melhores resultados, isso implicará ser a melhor escolha? Acho que não. Para começar, só conseguirias um controle a cem por cento se a vigiasses vinte e quatro horas por dia, e isso é impossível. Assim, será sempre uma fonte de stress, de desconfiança. Acho que deve ser horrível ela ir, por exemplo, ao cabeleireiro e tu ficares a matutar se ela lá terá ido mesmo. Acho que o método do controle só te causa preocupações, enquanto que se confiasses nela e no facto das carências dela estarem minimamente satisfeitas; digo minimamente porque também não acredito que ela vá procurar outra pessoa só porque não lhe deste um abraço e um sorriso quando chegaste a casa ou porque não lhe telefonaste durante o dia, acho que para correres esse risco é porque realmente existe um padrão de comportamento que não a faz feliz; viverias muito mais tranquila e descontraidamente.
- É impossível fazê-la feliz!!! Ouviste alguma coisa do que te disse? É uma missão impossível! A única solução é proteger-me e não lhe dar abébias. Controle!
- Só tu é que podes fazer essa opção, mas pensa quão mais tranquila seria a tua vida sem esse medo? Quão mais feliz serias sem esse fantasma? Acho até que se conseguirias ser tão mais feliz que até poderia voltar o ímpeto de a mimar. Quem sabe não é esse o segredo para reatar a paixão. Tenho a certeza que pelo menos terias mais energia para colmatar as carências dela e resolver os problemas dentro da relação, se não gastasses tanta a tentar envolver a relação numa redoma para a proteger das ameaças externas. Em suma, a melhor maneira de proteger a relação é resolver os problemas internos. E quando digo resolver, não me refiro a tratamento sintomático, em que apenas consegues, pelo menos aparentemente, resolver os sintomas, a manifestação do problema, sem resolver a sua origem. O que tu tens que resolver é o cerne da questão, aquilo que te obriga a esse controle. Resolvendo a origem do problema já não precisas que despender tanta energia a controlá-la. Acho mesmo que seriam ambos muito mais felizes.
- E tu a dares-lhe… A origem do problema não tem solução! Se eu começar a dar-lhe mimos ela vai sempre achar que são poucos. Nunca vou conseguir dar-lhe atenção suficiente de forma a satisfazê-la. Não me chateies mais com esse assunto, não há volta a dar. Rédea curta! Não vou também ser presunçoso ao ponto de achar que é a minha visão das coisas que está certa, mas está! É a única maneira.
- Tudo bem, fecha-se aqui o assunto. Não te chateio mais, mas faz-me confusão como é que se consegue viver assim.
- Daqui a uns anos voltamos a falar nisto.

segunda-feira, 29 de janeiro de 2007

2º Aniversário

Por ocasião do segundo aniversário da Tertúlia dos Néscios, deixo algumas estatísticas das visitas durante o ano de 2006 e desde o princípio de 2007.








Estamos portanto com uma média de cerca de 30 visitas diárias, sendo notório um pico às quintas e sextas feiras.

Ah, e o nosso record diário é de 84 visitas e 799 page views, no dia 15 de Dezembro de 2006 :)

sexta-feira, 26 de janeiro de 2007

Radares

“Desde que a CML montou os sensores registaram-se em apenas duas horas 1372 condutores em excesso de velocidade. A velocidade média na Radial de Benfica foi de 110km/h sendo raro encontrar um veículo a circular dentro dos limites impostos.”

Poderá ser que a razão esteja do lado dos automobilistas? Não serão os limites de velocidade em algumas zonas algo restritivos demais? Eu sei como são as nossas estradas, mas dada a evolução da segurança dos automóveis, acho que faria sentido rever estes valores estabelecidos há já tanto tempo e verdadeiramente ridículos em alguns casos. Mas claro que não interessa ao estado perder uma fonte de receitas...

quinta-feira, 25 de janeiro de 2007

Cópias de CDs

Código dos Direitos de Autor e Direitos Conexos

Artigo 81º - Outras utilizações
É consentida a reprodução:
a) Em exemplar único, para fins de interesses exclusivamente científico ou humanitário, de obras ainda não disponíveis no comércio ou de obtenção impossível, pelo tempo necessário à sua utilização;
b) Para uso exclusivamente privado, desde que não atinja a exploração normal da obra e não cause prejuízo injustificado dos interesses legítimos do autor, não podendo ser utilizada para quaisquer fins de comunicação pública ou comercialização.

https://ciist.ist.utl.pt/docs_da/codigo_direito_autor_republicado.pdf


Quem é que disse que a Tertúlia dos Néscios® não é um espaço de divulgação e interesse informativo?

Se...

Se o meu amor me abraçasse
Talvez o tempo parasse
Talvez o espaço ficasse
Maior

Se o meu amor me beijasse
Talvez até o mundo brilhasse
E talvez o dia ficasse
Melhor

Se o meu amor me sorrisse
Talvez o meu peito se abrisse
E, quem sabe, de lá saísse
Fulgor

Se o meu amor me quisesse
Nem sei se isso acontece
Às vezes nem sequer parece
Amor

sexta-feira, 19 de janeiro de 2007

quinta-feira, 18 de janeiro de 2007

Monólogo

- Porque é que saber coisas inúteis é assim tão bom?

- Hã?

- Porque é que ser-se culto há-de ser o certo? Porque é que a opção de se ser deliberadamente ignorante é, de forma geral, considerada errada?

- Er...

- Acho que não devia ser menos considerado que qualquer outra pessoa só porque optei por não perder tempo com aquilo que é vulgarmente designado por cultura.

- Sabes, isso até faria sentido se não fosses tão burro!

quarta-feira, 17 de janeiro de 2007

Outra vez a merda do aborto...

Há pelo menos duas coisas que me chateiam neste assunto, e nem sequer vou falar no facto desta lei ser uma hipocrisia, que é. Uma delas é a lei em si. Se a lei considera que aquele conjunto de células é um ser humano, se há premeditação e intenção, porque é que o aborto não é tratado como um homicídio qualificado? Mas se calhar a lei não é assim tão “religiosa”. Outra coisa que me chateia, e muito, é o facto dos senhores do “não” acharem que toda a gente tem que se reger pela sua visão das coisas. Ninguém lhes vai obrigar a fazer abortos se a despenalização for avante! Porque é que hão-de querer impor a sua opinião aos outros? Eu vou votar “sim” e não tem absolutamente nada a ver com a minha posição em relação ao aborto. Vou votar assim porque acho que é uma questão na qual cada um deve agir segundo a sua consciência, quem é contra pode continuar a ser contra e quem precisa já não tem que ir a Espanha ou a um vão de escada qualquer. Será que a gente do “não” não compreende que não evita nenhum aborto? E mesmo que evitasse não estaria só a contribuir para que existissem ainda mais crianças indesejadas e desacompanhadas por este nosso país? Será que não era melhor abortar em vez de matar os filhos por anos de negligência e maus-tratos? Senhores do “não”, já vimos do que certos pais são capazes. Isto leva-me a crer que estes senhores que defendem o “não”, são pessoas que não estão preocupadas com o bem-estar dos outros, nem sequer com a defesa da vida, mas sim em impor a sua noção de certo e errado a toda a gente.