É monumental! De ambos os lados da movimentada estrada, passeios espaçosos e ricamente decorados envolvem verdadeiros jardins rodeados por plátanos de várias idades, no centro dos quais se alinham fileiras de altíssimas palmeiras de variadas espécies, cercadas por uma miríade de arbustos floridos e impecavelmente tratados. Antes de começar a caminhar ao longo da calçada, eximiamente elaborada com complexos motivos, deixei o meu olhar percorrer o percurso que ia efectuar, surpreendendo-me com a riqueza visual, cultural e até biológica daqueles passeios. Nas extremidades dos alongados jardins vêm-se monumentos, inúmeras estátuas de ilustres, desconhecidos de muitos, e algumas árvores bastante incomuns. A minha atenção deteve-se numa espécie de palmeira de aparência algo extraterrestre. O seu grosso tronco principal não mede mais que alguns palmos, a partir de onde se projectam vários ramos, ou troncos secundários, um pouco mais finos e de aspecto áspero. Todos estes troncos secundários são completamente isentos de ramificações e as únicas folhas, longas e pontiagudas como a ponta de uma espada, projectam-se da sua extremidade em todas as direcções, formando com as suas pontas uma esfera quase perfeita. Noutras, semelhantes e igualmente estranhas, os ramos brotam de uma massa no chão e as folhas nas extremidades são em forma de leque. Deliciei-me com estes originais seres vivos que pareciam saídos de um deserto e iniciei a minha caminhada ao longo daquela extraordinária avenida.
Passeava lentamente, numa tentativa de observar tudo pelo caminho, mas a paisagem é tão rica em pormenores que por vezes tinha que parar por alguns momentos para apreciar plenamente o que me rodeava. Um bom exemplo é o quiosque de aspecto secular cujos floreados e elaboração estética me fizeram dar algumas voltas em seu redor. É um hexágono formado por placas de metal grosseiramente pintadas de verde, de aspecto robusto e oxidado, que nas arestas são unidas com uma peça do mesmo metal, artisticamente elaborada com motivos complexamente retorcidos que aparentavam ter sido inspirados tanto nas plantas como no fogo. O telhado é formado por uma estrutura semelhante à base, também com os mesmos ornamentos nas extremidades, que serve de suporte a um toldo branco, coberto com as mesmas folhas secas que se espalham pelo chão e se acumulam nos cantos. Por dentro, por entre um mar de revistas e afins que não permitia ver mais que o seu busto, um homem de rosto vincado e ar enfadado, cuspia constantemente os pedaços de tabaco que o seu cigarro sem filtro lhe deixava na boca. Os seus olhos fundos observaram-me debaixo da sua boina preta, enquanto esquadrinhava o seu estabelecimento, e voltaram ao seu marasmo quando prossegui o meu caminho.
Mais abaixo detenho-me diante de um plácido lago ao longo de uma parte do passeio, em cuja extremidade se encontra uma fonte, onde sobre uma enorme rocha carcomida, está uma estátua de aspecto antigo retratando um homem seminu de longas barbas e cabelos, que segura um pote de onde jorra a água. Dir-se-ia o próprio Poseidon, ali, no centro de um passeio de uma das avenidas mais movimentadas da cidade, um deus despercebido que ninguém adorava.
Depois de observar, fascinado, todos os pormenores da estrutura, que dir-se-ia saída de um jardim grego da antiguidade; delirante com os pequenos tesouros que se podem encontrar no coração de uma atarefada cidade; voltei a minha atenção para os transeuntes. Cada um seguindo o seu caminho, a maioria em passo acelerado, de olhos no chão ou no infinito. Ninguém parecia ver nada à sua volta, ninguém desfrutava da paisagem, dos magníficos pormenores que esta avenida oferece. A própria calçada é uma verdadeira obra de arte e certamente nem os que iam de olhos no chão a iam realmente a ver. A única excepção foi aquele homem de meia-idade, que aparentava envergar apenas um comprido casaco preto, muito gasto, que, além de um fino triângulo do seu peito amarelado, apenas permitia ver os seus tornozelos e pés encardidos que preenchiam umas sandálias que certamente já tinham palmilhado muitas centenas de quilómetros. Entre as madeixas que desordenadamente lhe caíam de ambos os lados da face magra e escurecida, acabando por se dissimular numa barba de aspecto áspero e sujo, apresentava uns olhos azuis esbugalhados, praticamente a única coisa que conseguia sobressair da selva desgrenhada que era a sua cabeça. Enquanto caminhava devagar, movia a cabeça em todas as direcções, perdendo - ou será mais correcto dizer - empregando todo o tempo necessário para observar minuciosamente tudo à sua volta. Parecia, como eu, fazer questão de observar em vez de apenas olhar, querer beber tudo o que o rodeia, absorver o mundo! Ponderei se seria triste o facto de, no meio de tanta gente, a única pessoa com quem me tinha conseguido identificar minimamente, ter sido um vagabundo, visivelmente afectado mentalmente. Achei que não.
Desço mais um pouco e decido sentar-me num dos bancos de jardim que se perfilavam ao longo do passeio. De estrutura metálica, já esverdeada pelo tempo, sobre a qual se alinhavam tiras de madeira, escura, gretada e ressequida, onde, gravadas, se conseguiam ainda vislumbrar antigas promessas de amor. O banco rangeu em uníssono com o meu suspiro de prazer ao descontrair-me e sentir nas costas o calor do sol ali armazenado. Imaginei que o ranger do banco foi também um suspiro de prazer, de satisfação por uma dos milhares de pessoas que por ali passavam o ter usado, fazê-lo sentir-se útil, real, verdadeiro, sentir-se de facto um banco! Senti-me muito bem.
As minhas divagações foram interrompidas por um bando de pombos que, alvoraçadamente, apareceu, como que vindo do nada. Cerca de um minuto depois apercebi-me que o enorme bando seguia uma senhora já muito idosa, muito baixa e magra, que caminhava lentamente ao longo da avenida. A sua postura encurvada, a sua indumentária completamente preta e o enorme xaile, igualmente preto, que pendia sobre a sua cabeça e envolvia os seus ombros descaídos, escondendo grande parte do seu rosto enrugado, provavelmente mais pelas amarguras da vida do que pelo devorar do tempo, faziam a sua silhueta parecer ainda mais insignificante.
Notava-se a excitação dos pombos a aumentar enquanto seguiam a velha senhora, terminando num clímax de euforia quando esta se sentou no banco a seguir ao meu e fez aparecer, como que por magia, um enorme saco de milho e, também como que através de um qualquer sortilégio, desapareceu no meio dos pombos que a envolviam freneticamente. Com excepção de alguns indivíduos visivelmente doentes, os pombos pareciam bastante saudáveis e bem alimentados. A sua plumagem em tons cinzentos e azulados apresentava belos reflexos verdes quando lhe batia o sol. E enquanto se acotovelavam - se é que tal termo se pode aplicar a aves - presenteavam o observador com um verdadeiro espectáculo de luz e cor; uma verdadeira tela viva.
Deixei-me ficar, a observar os pombos na sua azáfama para disputar os grãos que se espalhavam pela calçada e, quando o turbilhão começou a esmorecer, diverti-me com os seus rituais de acasalamento. Os machos, inchados, incansáveis, exibindo-se para elas, e elas a fugir, de tal forma desinteressadas que admirei a perseverança deles; aquele tipo de indiferença é coisa para frustrar os mais obstinados, mas eles, impassíveis, voltavam à carga. Esperam vencer pela exaustão, suponho. Senti alguma vergonha pela minha espécie ao pensar que os humanos, nos seus jogos de acasalamento, acabam por não ser assim tão diferentes dos pombos...
11 comentários:
Porquê vergonha?
A exaustão até é capaz de compensar.È apenas um meio de atingir um fim...
Se formos exaustivos e persistentes teremos a nossa recompensa...
É isso mesmo! As gajas não têm o nosso intelecto pá, elas querem, só que ainda não sabem. Temos que ser persistentes porque só depois de muita insistência é que elas percebem!
Tanta estupidez que o Sr. diz...
Ès bastante estupido, R. Zargalheiro.
Não percebes nada...
Não consigo, de forma nenhuma, entender a razão que leva alguem, ainda por cima de forma categórica, afirmar que outro alguem é estupido, e que, neste caso concreto, não percebe nada!
Alguem afirmar que é estupido o que outra pessoa escreveu, dizer que essa pessoa não percebe nada, e depois, não dizer mais nada, não explicar os motivos que levam a dizer isso, para mim, isso é que é estupido! Criticar por criticar quaquer idiota o consegue fazer! Poderia perfeitamente fazer um comentario semelhante, podendo até iniciar uma discussão parva, dizendo que estupido és tu! E depois, o que é que acontecia, a que conclusão se chegaria com isso? O importante, penso eu, é cada um expressar a sua opinião livremente e depois então falar, discutir, debater sobre isso! E mesmo assim, nada garante que não haja duas ou mais opiniões validas sobre um mesmo assunto! Desde quando é que todas as pessoas têm as mesmas opiniões e formas de ver, fazer as coisas?! Um comentario que à partida invalida qualquer tipo de discussão, isso sim, para mim, é que é estupido!
De facto...
Eu sou estúpido por tantas razões que desta forma é impossível saber a motivação desta pessoa.
Elabore lá isso Sr. LBG!
Estúpido e...blasé...
Quanto ao resto ficará para outra oportunidade...
Eu cá gostava só de saber qual é que é a recompensa por se ser exaustivo e persistente para iniciar um acasalamento? Sempre que isso acontece não consigo deixar de sentir, tal como aqui foi dito metaforicamente, vergonha por pertencer a uma especie que se diz superior por ser dotada de inteligencia e que depois se comporta como os pombos no acto do acasalamento!...Não há nada como ir directo ao assunto. A exaustão e a persistencia só depois, quando se constatar, com razão de facto, que vale a pena investir na relação, se não, qual é que é a diferença em relaçao aos pombos?
Mas... blasé no bom ou no mau sentido?...
Se calhar então mais valia deixar também o comentário para a outra oportunidade. Terá que concordar que, sem a respectiva justificação, acaba por ser apenas poluição neste nosso (tão limpinho) blog.
... Independentemente da validade da opinião...
Continuo no estúpido, vicking dos calções floridos...
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