Então não é que o raio do homem do R/C direito queria ocupar-me a arrecadação à força? Tinha que andar sempre com trancas e com problemas por causa dele. Uma vez estava eu lá dentro e ele do lado de fora a tentar arrombar a fechadura, tive que sair de lá com um pau e ameaçá-lo e mesmo assim a saga continuou. Como a casa dele era maior que as outras, não tinha direito a arrecadação, mas a sua pequena mente começou a fantasiar em ficar com a arrecadação por baixo da casa dele para abrir um buraco de uma para outra, e eu é que fui o azarado que teve que apanhar com ele.
A coisa lá mudou quando se foi embora do R/C esquerdo o polícia que veio da terra com os cinco filhos e não se adaptou à cidade, foi para lá morar um gigantesco curandeiro africano, professor Mandonga ou qualquer coisa assim, que, com o seu tamanho e o olhar esbugalhado que fixava nas pessoas, conseguiu impor respeito no prédio. Bom, respeito não era bem, era mesmo medo, mas a verdade é que o imbecil do R/C direito amansou e quase nunca mais se ouviu. A velhota do 1º frente garantia que o curandeiro lhe tinha feito algum feitiço, que lhe tinha até roubado a virilidade e, embora mais ninguém admitisse acreditar, foi suficiente para que se iniciasse o burburinho.
Claro que tudo se tornou bastante óbvio quando veio o corrupio. Se ele feitiçava ou não, não sei, mas sei que era um entrar e sair constante de clientela. O perfil ficou completo quando se tornou óbvio que espancar a mulher, uma negra espaçosa que fazia lembrar as antigas estátuas de deusas da fertilidade, era um dos hábitos que mantinha com empenho.
Mas as coisas só começaram a tornar-se mesmo surreais quando a mulher do 2º direito, aquela que poisa as mamas em cima da barriga... Coitada, estava a atravessar um período de grande dificuldade financeira e lá tinha conseguido arranjar um dinheirinho para comprar um bacalhau, para fazer pastéis para vender e conseguir começar a ter algum rendimento, o marido chega a casa, não se sabe bem como, apanha o dinheiro e, qual génio, vai comprar outro televisor. A mulher ficou tão estarrecida com tamanha cretinice e tão desolada com o desaparecer do dinheiro que tanta falta lhe fazia, que nunca mais foi a mesma... Se meteu com o africano.
Era a mulher do 2º direito que não largava o africano, por muito que a sua mulher lhe batesse, e acreditem que não era pouco. Era o africano a bater na negra porque esta não parava de o chatear. Era o africano a bater também na mulher do 2º direito porque também ela não parava de o chatear. Só o marido da mulher do 2º direito é que, apesar de com isso se estar a assumir como corno manso, teve a sagacidade de se manter à margem de toda aquela história e mesmo assim não se livrou de sentir o peso da mão do africano quando este, já cego de ira e farto de bater na mulher dele, achou que o marido também merecia uma valente chapada por não saber controlar a sua mulher. Controle este que, de forma a evitar novas chamadas de atenção, começou a ser implementado à força de vergastada. A mulher continuava a não largar a porta do africano, mas não estava preocupado com isso, dava-se por satisfeito por, pelo menos o africano não poderia alegar ser por falta de porrada.
Seria de pensar que as coisas não se podiam complicar mais, mas não era verdade. O clímax foi atingido quando o homem do 1º esquerdo, que era pianista, começou a ficar sem condições para praticar. Ainda me lembro da maravilhosa sensação que era entrar no prédio e ouvir baixinho uma tocata de Bach ou uma valsa de Strauss. Agora apenas se ouviam gritos e ruído. Já no limite da sua paciência decidiu envolver a polícia. Foi aí que as coisas se tornaram realmente complicadas. Em vez de resolverem o problema do barulho e tentarem pôr ordem naquela gente, deram ouvidos à mulher do 2º frente, divorciada, ressabiada e revoltada com a humanidade, que lhes disse que o homem do 1º direito cultivava plantas estranhas e saia frequentemente com pacotes suspeitos debaixo do braço. Ignorado as razões que os tinham levado lá, começaram então, desconfiados, a chatear o pobre do homem do 1º direito. Quando o abordaram e ele lhes disse que era biólogo, que fazia experiências com trigo e o conteúdo do pacote era farinha, reagiram como lhes tivesse dito que era produtor de droga. Lá infernizaram a vida ao homem até se ter provado em tribunal que de facto não havia nenhuma ilegalidade nas suas actividades e, despeitados, processaram-no por dois CDs piratas que tinha em casa. Passaram então a ser verbalmente ofendidos de forma eloquente pela velhota do 1º frente, revolucionária radical, cujo ódio à autoridade apenas precisava de uma desculpa para libertar a sua afiadíssima língua. Conclusão: a confusão normal manteve-se, a única diferença era que aumentava consideravelmente quando a polícia aparecia por lá, ameaçando mesmo levar toda a gente do prédio para a esquadra.
Foi aí que percebi que tinha que me mudar.
2 comentários:
Tá o máximo :) :) :) :) :)
Havias era de ter visto o sarrabulho que houve quando o borboleta e a mulher dele, em conjunto com o cabeçudo e a cabeçudinha mais pequena, que hoje em dia dá aulas e já comprou um carro novo, foram lá abaixo à cave ver o que se tinha passado na arrecadação que havia no vão da escada, onde eram guardados os baldes e as esfregonas para limpar a mesma! Aparentemente, o careca baixinho, que morava na cave ao lado da arrecadação, partiu ao pontapé, ou à machadada, já nem sei bem, a porta da arrecadação e desapareceu com tudo o que havia lá dentro! Depois de terem andado à porrada, acabou tudo em tribunal, com o borboleta e a mulher, que gritava com cara de bolacha Maria e voz de cana rachada, enquanto o juiz lia a sentença, a ficarem com pena suspensa durante um mês!
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