quarta-feira, 1 de outubro de 2008

Tempus Fugit - Capítulo 1.2.1

Vagueava pelas ruas intrigado com a sobra que acreditava ter visto. Na sua situação corrente, era já algo difícil confiar completamente nos seus sentidos, mas tinha praticamente a certeza que algo tinha acontecido, que tinha detectado movimento. A ideia de não ser a única pessoa activa durante o momento morto causava-lhe, por um lado algum conforto pelo facto de ser possível que não estivesse sozinho, mas também algum desconforto por sentir de alguma forma que a sua privacidade estava a ser invadida. O desconforto começou a ganhar terreno quando ponderou que, o que quer que estivesse a partilhar consigo aqueles momentos não seria provavelmente humano. A sensação com que tinha ficado era de que alguma entidade etérea teria flutuado por cima dele. Enquanto se perdia nestes pensamentos, o seu coração acelerou ao aperceber-se que algo estava novamente a influenciar a luminosidade. Assim que concentrou a sua atenção no fenómeno começou mesmo a distinguir um vulto. Tornava-se cada vez mais nítido, até que começou a distinguir o contorno de alguém, alguém vestido de branco. Deitou-se enquanto sentia a consciência a fugir-lhe. A pessoa de branco aproximava-se cada vez mais e esforçou-se por manter a consciência enquanto deixava de sentir o seu corpo.

As suas pálpebras abriram-se e deixou-se permanecer imóvel, permitindo apenas movimento aos seus olhos para reunir informação sobre o que o rodeava numa tentativa de perceber onde se encontraria, aparentava ser num hospital ou algo semelhante.

Concluiu que tinha perdido os sentidos e entretanto o momento morto teria terminado. Provavelmente teria sido encontrado inconsciente e trazido para o hospital onde acordou quando começou a ver a pessoa de branco. Pessoa esta que olhava para si como que à espera de um sinal de reconhecimento da sua presença, que acabou por acontecer quando, algo incredulamente ainda, fitou o homem nos olhos.

Parece que está a acordar. Disse o homem de bata branca enquanto o observava, não aparentando no entanto estar a falar consigo. Você está a acordar de um coma prolongado. Continuou, agora dirigindo-se notoriamente a ele. Não se esforce, deixe que a consciência volte naturalmente.

Coma prolongado? Pensou. Teria toda a história do momento morto tinha sido uma mirabolante fabricação do seu cérebro? Consegue ouvir-me? Perguntou o homem de bata branca. Respondeu afirmativamente com um ligeiro aceno da cabeça. Houve alturas em que achámos que o perdíamos. Continuou. Mas você conseguiu e já está fora de perigo. Perguntou o que tinha acontecido, mas o homem de bata branca exortou-o a descansar por algum tempo prometendo que voltaria para o pôr ao corrente de tudo e, sem lhe ter dado qualquer hipótese de argumentar, esgueirou-se através da porta por onde entrou de seguida uma jovem, também vestida de branco que com uma voz extremamente meiga lhe perguntou se precisava de alguma coisa. Perguntou novamente o que lhe tinha acontecido e ela respondeu apenas que tinha tido um acidente muito grave mas que o doutor lhe explicaria tudo o que quisesse saber. Aconselhou-o também a descansar e, antes de desaparecer novamente pela porta, disse que a chamasse caso precisasse de alguma coisa.

A consciência voltava lentamente e com ela alguma ira. Uma pessoa acorda de um coma e ninguém lhe diz nada? Praguejou silenciosamente. Nem sequer a consideração de me dizerem onde estou, e a enfermeira nem sequer me deixou aqui o interruptor para a chamar. Estará à espera que eu grite caso precise dela? Continuou.

Decidido a chamar alguém e obter as respostas que achava ter direito, percorreu com os olhos a parede da sua cabeceira e lá vislumbrou o desejado interruptor. Tentou alcançá-lo e ainda demorou um ou dois segundos a perceber que o braço não estava a responder à ordem do cérebro. Demorou outro segundo ou dois até o pânico se instalar por completo. Abriu a boca para permitir a saída do grito que se formava nas profundezas do seu ser, que apenas terminou quando o homem de bata branca apareceu e, munido de uma seringa, lhe administrou qualquer coisa que o fez novamente perder a consciência.

2 comentários:

Anónimo disse...

as minhas desculpas, eu sei que este texto não é de AP...

mas não conseguindo uma indiferença assim a não deixei aqui...

não me parece que este pequeno post seja pura especulação ou imaginação...

quem já experiençou um dia estar à beira da morte sem saber mais nem porquê, percebe o meu dito anterior...

consideração e cumprimentos
Ana

Rodovalho Zargalheiro disse...

Pois que de facto não é... :) Mas não vejo porque isso justifique um pedido de desculpas.

Lamento desapontar, mas, naturalmente com excepção daquilo que inconscientemente colocamos de nós nos nossos textos, conscientemente, este pequeno post é fruto de pura especulação e imaginação. Sorry... :)

A consideração, essa é apreciada e recíproca.