terça-feira, 7 de outubro de 2008

Tempus Fugit - Capítulo 1.1.2.1

Sem a certeza que teria sido fruto de raciocínio lógico ou de divagação alienada, decidiu que não iria acreditar na pessoa. Não conseguia ter como certo que esta realidade, aquela em que estaria a ser tratado, seria a verdadeira. A verdade é que nem lhe interessava assim tanto se seria ou não a verdadeira. Optou por escolher a que lhe parecia mais confortável, e esta era sem dúvida a que envolvia o momento morto. Concluira que o momento morto era a altura em que sentia maior tranquilidade, plenitude até. Não lhe interessava que tudo existisse apenas na sua mente e que o seu corpo estivesse em catatonia numa cela de um qualquer manicómio. Viveria sozinho num mundo congelado no qual seria um deus. Deus de ninguém, era certo, mas bastar-lhe-ia seu o seu próprio deus.

Estava decidido, não assinaria o termo de responsabilidade. Não aceitaria qualquer tipo de tratamento. Apressou-se a procurar a pessoa para a informar da sua decisão.

Não quero, disse, não quero ser tratado. Nem tenho a certeza de estar de facto doente. Tenho a obrigação de o aconselhar contra essa decisão, respondeu a pessoa, se desistir do medicamento é possível que nunca mais venha a ter momentos de lucidez como este. Como lhe disse, não tenho a certeza que este seja de facto um dos meus momentos de lucidez, retorquiu, e a minha decisão é final, não autorizo que me sejam administrado mais nenhum tipo de drogas. Se essa é a sua decisão, teremos que a respeitar. Considere cancelado o tratamento. Espero que apesar disso ainda venha a ser possível mantermos outra vez um diálogo.

Imediatamente após a última palavra proferida pela pessoa, tudo congelou novamente. De forma tão instantânea que a pessoa ficou imóvel mantendo a posição dos lábios que originou a última sílaba que proferiu. Olhou para o relógio e verificou que este, ao contrário do que acontecia antes, não marcava a meia-noite e doze. Não sabia como, mas sabia que o momento morto que se tinha iniciado não acabaria. Manteve-se tranquilo ao aperceber-se que sabia que não iria mais ter qualquer contacto com outra pessoa. Sabia que o mundo em que iria existir seria só seu. Sabia que estava sozinho. Sabia tudo.

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