quinta-feira, 2 de outubro de 2008

Tempus Fugit - Capítulo 1.2.2

Embora a antecipação lhe provocasse um ligeiro nervosismo, porque nos tempos que corriam - metaforicamente falando, dadas as circunstâncias - era o sinal que marcava o início do período em que saia para o exterior, foi com perfeita naturalidade que encarou o momento em que tudo parou.

Havia também alguma excitação pelo facto de ter decidido estudar este fenómeno, conduzir uma pesquisa o mais científica possível que conseguisse pelo menos proporcionar-lhe algumas pistas sobre as suas origens e sobre o seu efeito. Queria também saber o que tinha visto da última vez, aquela variação de luminosidade era também uma fonte de grande curiosidade.

O plano, que não considerou propriamente uma obra prima saída do cérebro de um grande estratega, mas que o satisfez minimamente, consistia em percorrer a cidade de forma sistemática e atenta, de forma a detectar alguma coisa que escapasse ao congelamento e que eventualmente lhe permitisse ter alguma ideia do que tinha provocado o que tinha presenciado e que lhe permitisse recuperar a confiança na sua lucidez, já que o acontecimento tinha sido tão rerpentino e ténue que deixava alguma dúvida se teria mesmo acontecido ou se, pelo contrário, não teria passado de uma partida da sua imaginação. Complementarmente iria também observar com algum rigor o comportamento dos corpos celestes, bem como o do seu próprio corpo durante o momento morto. Obteve uma planta da cidade, traçou itinerários para cada incursão e reuniu material para registar as suas observações. Esperava que dentro de algum tempo, aquele caderno contivesse informações sobre algum outro ser ou entidade que, como ele, conseguisse escapar à acção deste estranho fenómeno.

As primeiras expedições apenas conseguiram revelar que o fenómeno se extendia aos corpos celestes. Tanto a lua como as estrelas se mentinham estáticas, não descrevendo os seus movimentos naturais. Apesar de não ser de todo uma situação expectável, achou que, dadas as circunstâncias, fazia sentido, dado que o momento morto aparentava já durar bastante mais que uma noite, sem no entanto se verificar qualquer alteração ambiental.

Quanto à observação do seu próprio corpo, achou curioso só após ter decidido efectuar esta análise de forma mais cuidada, se ter apercebido que, apesar de se sentir de perfeita saúde e do seu corpo aparentar funcionar normalmente, não sentia qualquer necessidade fisiológica. durante o momento morto nunca sentia fome, sede nem necessidade de excretar os subprodutos do seu metabolismo. No entanto, apesar da de não ingerir absolutamente nada durante o momento morto, nunca sentiu qualquer tipo de fadiga ou fraqueza, pelo contrário, sentia-se muito mais enérgico que durante a parte da sua vida que se poderá considerar mais normal.

O período que se seguiu seria certamente considerado extremamente aborrecido por muitos, no entanto a paz reinava na sua mente enquanto percorria as ruas que, apesar de pejadas de pessoas imóveis, era já como se estivessem desertas para ele.

Esta paz durou, no entanto, pouco. Numa altura em que a possível existência de algo desconhecido que se movimentasse no momento morto já não era algo sobre que ponderasse com frequência, eis que algo provoca o fenómeno que cada vez mais era categorizado como uma partida da imaginação. Pior, em vez de um acontecimento momentâneo, este teve uma duração que lhe permitiu concluír que não se tratava de algo criado pelo seu cérebro. Era notória a variação na luz ambiente, como se algo o sobrevoasse, como se um bando de gigantescas aves planasse sobre si. A curiosidade transformou-se em terror ao olhar para cima. Arrependeu-se de ter querido saber o que, além de si, se movimentaria durante o momento morto.

Enquanto tentava obrigar o corpo a reagir, combatendo a paralisia provocada pelo medo, uma frase teimava em não desaparecer do seu pensamento: "Cuidado com o que desejas".

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