Não! Você não vai me destruí! Vociferou Anísia enquanto as lágrimas lhe escorriam copiosamente. Januário encolheu os ombros. Estava já habituado às cenas que as mulheres, que tinha ao longo do percurso que fazia com a sua manada, faziam. Eu lhe amo, sua boba. Mentiu. Me deixe seu cafageste, volta para suas vaca, vai. Januário virou calmamente as costas, montou o seu cavalo e partiu. Vida de boieiro sertanejo é fogo. Pensou. Tranquilizou-se depois pensando que as planícies até perder de vista o fariam esquecer Anísia quando lhe enchessem a alma, mas isso não aconteceu. Não conseguia perceber porquê, mas nada conseguia apagar da sua memória a última lágrima que vira Anísia verter. Porquê? Questionou-se. Pruque é que as mina se liga tanto a eu? Meu coração é do Sertão, não é de mulé! Disse a si próprio noutra vã tentativa de a fazer desaparecer da mente, mas não resultou. Via Anísia em todo o lado, nas nuvens, nas longínquas montanhas, chegava até a vê-la no olhar meigo das suas vacas. Isso num pode sê não! Rematou. Tenho que chegá depressa à próxima vila, os braço de Celina me vão fazê esquecê essa bobagem. Acelerou o passo da manada e levava já o coração mirrado quando bateu à porta de Celina.
Celina era a mãe de santo da vila, conhecida pelas suas famosas leituras de búzios e por frequentemente incorporar o espírito de Ayrton Senna, embora muitos pensassem que era tudo teatro. Ao contrário do que Januário esperava, Celina não o recebeu de braços abertos mas sim com um tição na mão e um olhar nada meigo. Sabe, me disseram que você tem mulé em tudo o que é lugá por aqui. Disparou. Ô gata, num fala bobagem. Cê sabe que é só você que eu amo. Mentiu novamente. Celina vacilou, mas quando Januário terminou a frase seguinte. As outra mina num siguinifica nada para mim. Já o tição viajava através da sala numa rota de colisão certeira com a sua testa, que só não acertou graças aos reflexos felinos de Januário. Eta mina é fogo, pensou, enquanto o instinto o levava a aproximar-se e dar-lhe uma sonora chapada. Cê viu que quase me partia a cabeça, sua jararaca? Gritou enquanto lhe aplicava mais uma palmada, desta vez na nuca. Quantas vezes tenho de lhe dizer? Se quisé pode ter meu corpo, mas meu coração é do Sertão. Ao acabar a frase, colocou-lhe a mão na parte de trás do pescoço e puxou-a firmemente para ele. O calor da sua pele e o másculo cheiro de suor misturado com bosta de vaca fizeram-na perder a força nas pernas e soltar um discreto suspiro. Estava quase a render-se ao corpo musculado de Januário quando reuniu todas as suas forças e, gritando impropérios, o conseguiu pôr fora de casa ficando a arfar de costas encostadas à porta enquanto uma lágrima rebelde lhe escorria pelo rosto.
Depois de várias cachaças na taberna local, encontrou finalmente conforto no colo de Rosana, a galdéria da vila. A bondade e compaixão de Rosana eram lendárias, já que, benemérita, era o consolo dos renegados e a companhia dos solitários velhinhos. Inté mais. disse Januário ajeitando o chapéu, depois de o desejo amplificado pela cachaça o ter feito entregar-se sofregamente à paixão. Rosana ficou calada, acariciando a zona ainda quente do lençol.
Januário partiu, rumo ao horizonte. A memória de Rosana desvanescia-se à medida que a sua manada investia pelo terreno. Anísia? Celina? Não sabia quem eram. O seu coração? Esse era só do Sertão.
1 comentário:
Cê num vai me déstruirrrrrrrrrrrrrrr,Marrrrcelo!
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