quinta-feira, 4 de agosto de 2011
Fado
sexta-feira, 24 de junho de 2011
Demónios
terça-feira, 21 de junho de 2011
Fé
quinta-feira, 16 de junho de 2011
Monodiálogo #8
terça-feira, 14 de junho de 2011
Adrenalina #3
quinta-feira, 9 de junho de 2011
Adrenalina #2
sexta-feira, 3 de junho de 2011
Músicas para a minha gaja, mas que ela odeia e nunca na vida vai ouvir até ao fim, principalmente a de Camel que, por sinal, até é bem gira
quinta-feira, 2 de junho de 2011
Adrenalina #1
Fleuma
quinta-feira, 26 de maio de 2011
sexta-feira, 20 de maio de 2011
Crustáceos
quinta-feira, 12 de maio de 2011
Os vermes
quinta-feira, 5 de maio de 2011
São Paulo 666
quinta-feira, 24 de março de 2011
Escárnio
terça-feira, 22 de março de 2011
Fanal
sexta-feira, 4 de março de 2011
Dia 7 - Epílogo
Dia 7
quinta-feira, 3 de março de 2011
Dia 6
quarta-feira, 2 de março de 2011
Dia 5 - Hoje
terça-feira, 1 de março de 2011
Dia 4 - Ontem
segunda-feira, 28 de fevereiro de 2011
Dia 3
sexta-feira, 25 de fevereiro de 2011
Dia 2
quinta-feira, 24 de fevereiro de 2011
Dia 1
terça-feira, 22 de fevereiro de 2011
Estrada
sexta-feira, 18 de fevereiro de 2011
Optimismo
quarta-feira, 9 de fevereiro de 2011
Viver
O Gervásio tinha sempre muito medo de ser mal interpretado. Às vezes apetecia-lhe mandar uma daquelas bocas cáusticas, mas tinha medo que o levassem a sério.
Um dia, o Gervásio ponderou que a sua preocupação em não ser mal interpretado o estaria a impedir de ser genuíno, de ser ele próprio.
Pensou que não poderia viver sempre em função dos outros e que se condicionasse sempre as suas acções pelo impacto que teriam nos demais, não seria ele, mas sim uma imagem daquilo que achava que os outros queriam que ele fosse.
Então, o Gervásio decidiu mudar. Começou a mandar todos os amigos para o caralho sempre que lhe apetecia, mesmo aqueles que sabia mais sensíveis e viveu feliz para sempre. Quero dizer... mais ou menos feliz... Houve uns amigos que levaram algumas coisas a mal, talvez tivesse a ver com a sua insegurança, talvez não, mas houve com efeito alguns amigos que decidiram interpretar de má fé a genuinidade do Gervásio e a coisa não correu muito bem, mas, tirando isso, viveu feliz para sempre, minimamente feliz, pelo menos, porque depois há o problema das mulheres. Podemos achar que elas estão horríveis e, engolindo em seco, dizer que estão lindas. Mas achar que estão lindas e, apenas pelo impulso idiota da palhaçada, dizer que estão horríveis, não, isso é erro crasso e energúmeno.
Por coisas deste tipo, o Gervásio nunca conseguiu ter sucesso com as mulheres, mas viveu, vá, mediocremente feliz para sempre, se não contarmos a sua inata capacidade de irritar animais de estimação... Nem as outras questões sociais, mas pronto, viveu... Não foi obviamente para sempre, até porque a saúde o traiu algo cedo, mas pronto, viveu... E isso é que interessa!!
segunda-feira, 7 de fevereiro de 2011
Comida
– Ó Maria, este jantar hoje está muito fraco. O que é que se passa?
– Não se passa nada. Uns dias está melhor, outros está pior. É só comida. Come, mas é.
– Só comida? Só comida?! Tu não digas isso, por favor. A comida é só a tua matéria-prima. Tu és uma artista, cada prato é uma obra de arte digerível! Tu pegas em coisas vulgares, juntas-lhe técnica, inspiração, criatividade… Alma, juntas-lhe a tua alma e crias algo novo, algo que não existia antes. Crias uma representação comestível daquilo que tu és. Não voltes a dizer que é só comida!
– Obrigado, Manuel, sabe muito bem ouvir isso e saber que dás valor.
– Claro que dou valor!
– Queres mais banha nos teus couratos?
– Sim, se fazes favor.
sexta-feira, 4 de fevereiro de 2011
REM
Estou no corredor de um edifício familiar, a fumar um cigarro junto de um cinzeiro de chão. Noto que as pessoas que passam olham muito para mim, mas não ligo e continuo a fumar tranquilamente. Quando vou para apagar o cigarro, olho para baixo e reparo que estou nu da cintura parar baixo. Aí começa a ansiedade. Embora quem passa não pareça incomodar-se muito com a minha falta de preparos, começo a ficar extremamente desconfortável e envergonhado. Começo a vaguear pelos corredores à procura, sem sucesso e com o stress a aumentar cada vez mais, de um sítio para me esconder. Nisto, vejo-me ao longe. É uma cópia minha, mas ao contrário de mim, está nu da cintura para cima. Não estranho e instantaneamente penso que se me fundir com ele fico totalmente vestido. Corro direito ao meu clone que, assim que se apercebe de mim, como se soubesse em que é que eu estava a pensar, começa também a correr para mim. No momento do impacto fundimo-nos, mas a coisa não corre como eu esperava e, em vez de ficar todo vestido, fico é completamente nu. O stress transforma-se em pânico quando vejo um grupo de pessoas a aproximar-se. Corro para o outro lado e de repente estou num grande salão e gente aproxima-se de todos os lados. Sem rota de fuga, tenho que limitar-me a assistir, impotente, enquanto as pessoas se aproximam e formam uma roda à minha volta. Assim que a roda se fecha, as pessoas param e ficam ali a olhar para mim, rosto rígido, mas com um brilho no olhos divertido e maquiavélico. Sem saber o que fazer, grito a plenos pulmões para que me deixem passar. Pergunto o que querem de mim, mas ninguém responde. Neste momento olho para cima e apercebo-me que o tecto desapareceu. Consigo ver o céu de dentro do edifício e está a relampejar violentamente. Instantes depois, um olho titânico, com gigantescas pestanas aparece onde antes estava o tecto. Quando enormes lágrimas corrosivas começam a jorrar do olho gigante, abrindo buracos no chão, perigosamente perto de mim, já não estou muito preocupado por estar nu, quero é sair dali. A necessidade de fuga torna-se premente. Reúno todas as minhas forças e, correndo tão depressa quanto consigo, vou direito à roda de pessoas que me cerca. Quando estou prestes a abalroar quem está entre mim e a liberdade, ainda tenho um segundo de satisfação achando que vou conseguir e depois acordo, suado e com o coração aos pulos.
Tem sido assim todas as noites há já quase uma semana. O que é que acha que significa, doutor? Doutor?...
terça-feira, 1 de fevereiro de 2011
A pedido de diversas famílias...
quinta-feira, 27 de janeiro de 2011
Odisseia
É muito, muito ténue, a linha que separa a paixão da obsessão. Tão imperceptível que pode fazer, por exemplo dois velhos marinheiros, eternamente apaixonados pelo mar, acabar as suas vidas de formas bem diferentes. Um, por exemplo, a contar aos netos antigas histórias de viagens e aventuras e outro a dar ordens a um contramestre que, se não é imaginário, é estranhamente parecido com um cabide de pé.
Apesar de parecer que, para este último, as coisas não terão corrido tão bem, isto não é um facto provado já que não há indício que seja infeliz com a sua condição. Há também que reconhecer que representa uma história muito mais interessante. Por isso, vamos esquecer a enfadonha história do velho marinheiro que trocou a sua paixão pelo mar pela paixão por uma mulher e que se entretém hoje a contar aos netinhos as suas aventuras, aumentadas num ponto… ou dois, e vou contar-vos a curiosa e rigorosamente verídica história do segundo marinheiro, que ainda hoje e com os pés em terra firme, sente a brisa marítima na face, enquanto navega ao sabor das ondas.
O nome que os pais lhe tinham dado era Maximiliano Salgueiro, mas esse nome foi há muito esquecido. Depois de ter escolhido dedicar ao mar a sua vida, por altura do seu segundo ano sem pisar terra, alguém começou a chamar-lhe Rabil, que é o nome de uma espécie de atum conhecida por percorrer distâncias titânicas ao longo da sua vida. A alcunha caiu como uma luva e pegou quase instantaneamente. Parecia, de facto, que tinha sido inventada para ele, mas a verdade é que quem lha pôs, o Pichelim, só estava à espera que aparecesse alguém novo para lhe chamar Rabil, numa tentativa de arranjar um outro alvo para a jocosidade da tripulação em relação a alcunhas com uma sonoridade semelhante a partes do corpo. Não resultou. Diria mais, não só não resultou, como, não sei se por uma das conhecidas ironias do destino, passou a ser mais gozado que o Sarda. O Rabil ficou tão satisfeito por finalmente ter um nome que tinha alguma coisa a ver com ele que renunciou completamente o seu nome de baptismo de água benta e fez questão que toda a gente passasse a conhecê-lo apenas pelo seu nome de baptismo de água salgada, o momento do seu renascimento.
A história da sua troca da vida terrestre pelo chamamento do mar será semelhante a qualquer outra: um rapaz quer sair do marasmo, implora ao comandante de um navio para ser contratado por alguma comida e inicia uma estranha e paradoxal aventura, que consegue conjugar a liberdade do vasto mar com a prisão e a semi-escravidão de um navio. Mas, só pode ter sido o destino que o fez calhar naquela embarcação em particular, a Tétis, referida por todos sempre no feminino não só por ter o nome de uma Nereida, mas também porque era unânime na tripulação que a embarcação tinha definitivamente uma alma feminina. Oficialmente era um navio mercante, mas o seu comandante não gostava de ter rotas demasiado rígidas, pelo que no fundo existiam a vaguear pelos mares, pagando o rum e as conservas com a pilhagem do ocasional navio que encontravam à deriva por a tripulação ter toda morrido de alguma epidemia ou de algum incauto barco que tivesse o infortúnio de passar por perto e não desse muito trabalho nem fizesse muito alarido atacar.
Era o navio perfeito para o Rabil e ele sentiu-o. Não sei se já tinha esse plano ou se foi algo que aconteceu naturalmente, a verdade é que, desde que embarcou na Tétis mais ninguém o viu em terra. Ficava sempre na embarcação quando esta aportava. Dizia que lhe causava enjoos estar em terra firme, que não havia lá nada que lhe interessasse, que se despachassem porque estavam a perder os bons ventos ou as boas correntes ou o que fosse. O que ele queria era navegar. Esta particularidade começou a torná-lo conhecido e rapidamente captou a atenção do comandante, também ele um apaixonado/obcecado pelo mar, e começaram a conversar cada vez mais. O jovem Rabil, de olhos arregalados, sorvia as histórias do comandante como se fossem mel e este, satisfeito por ter alguém com quem as partilhar, enfatizava-as com entusiasmo. Havia, no entanto, outro motivo. Um motivo oculto mas inofensivo que aproximava o comandante do Rabil: curiosidade. Intrigava-o que o rapaz não quisesse ir a terra. Até a ele próprio, que era provavelmente a pessoa mais ligada ao mar que conhecia, lhe sabia bem pisar terra firme depois de meses no mar. Mais não fosse para visitar um bordel, onde entre outras coisas aliciantes, podia pousar tranquilamente a caneca na mesa sem receio que aquela deslizasse. Passado pouco tempo, o comandante admitiu para si próprio que a única explicação seria que o Rabil tinha uma alma feita de mar. Que era algo como a encarnação do espírito de uma qualquer divindade marítima. Era pelo menos indiscutível que tinha nascido para aquilo, para navegar. Era, sem dúvida, mais apaixonado pelo mar que qualquer outra pessoa e passou a respeitá-lo ainda mais por isso.
Com o passar dos anos, a sua relação tornou-se muito próxima da de pai e filho e o Rabil começou a ser declaradamente o protegido do comandante. Tirando algumas excepções que, por serem excepções não conseguiram influenciar o ambiente geral da tripulação, todos aprovaram e compreenderam o favoritismo. Era notório que aqueles dois tinham mais em comum do que quaisquer outras duas pessoas naquele navio. Além disso, o carisma e sentido de humor naturais do Rabil faziam com que fosse difícil não gostar dele e toda a gente percebia o bem que fazia à moral geral do grupo que, naturalmente, é um ponto de extrema importância quando se está preso numa embarcação e se tem forçosamente que trabalhar em equipa.
Os anos foram passando e a vida do mar, que começava a marcar com suaves linhas os cantos dos olhos do jovem Rabil, foi ficando cada vez mais profundamente gravada nos sulcos do rosto do velho comandante.
– Sabes? – Disse-lhe o comandante uma noite, depois de uma generosa quantidade de rum ingerida. – Tenho andado a ouvir uma sereia a chamar-me. Ando a pensar que se calhar está na altura de ir ter com ela.
– Uma sereia? Também quero! – Respondeu o Rabil ebriamente divertido. Ainda não aguentava o rum como o velho.
Quando no fim da frase, ao olhar para o seu mentor, se apercebeu do seu ar sério, endireitou-se muito depressa na cadeira, como se num instante lhe tivesse passado a bebedeira.
– O que quer dizer com isso? – Perguntou o Rabil com a expressão mais grave que alguém alguma vez viu no seu rosto.
– Sabes como esta vida estraga. Estou a desmanchar-me por dentro. – Disse o comandante com um suspiro. – Tive a vida que quis ter e estou satisfeito com isso, mas não quero ir morrer a terra. E de que serve a um navio um comandante que já não consegue comandar?
Era verdade que qualquer pessoa que visse o comandante se questionaria como estaria ainda vivo, já que tinha a aparência do cadáver de um afogado, deixado ficar à deriva nas marés, inchado e purulento. A sua boca, se pudesse ter sido preservada até aos nossos dias, proporcionaria anos de estudo a um departamento de investigação do escorbuto. No entanto, para o Rabil e para o resto da tripulação era o seu comandante, simplesmente o seu comandante. Todos assistiram à sua lenta decadência de forma gradual. As suas mentes tiveram a possibilidade de se adaptar à mudança de forma natural sem que isso causasse o choque normal que qualquer pessoa teria ao ver o velho pela primeira vez naquele estado.
– Não estou a gostar nada desta conversa… – Disse, apreensivo, o Rabil.
– Tu serás o novo comandante da Tétis! – Exclamou, tentando dar alguma solenidade à frase.
– A Tétis tem um comandante e vai tê-lo por muito tempo.
– Compreende, meu rapaz, isto não é uma escolha minha. Não tenho outra opção.
O Rabil limitou-se a fitar o velho, a encaixar a dura realidade.
– E não é tarde nem é cedo! – Disse o velho comandante antes de emborcar de uma vez o restante conteúdo da garrafa.
Levantou-se sofridamente e, cambaleante, dirigiu-se à porta do camarote levando o Rabil por um braço.
– Animais, a partir deste momento, este é o vosso novo comandante! – Disse com a voz arrastada da bebedeira. Se alguém tem alguma coisa contra, que se chegue à frente para que eu o possa enforcar na retranca com uma malagueta enfiada no cu.
Ninguém se chegou à frente. Era mais que óbvio que o monte de pústulas com fedor a álcool e fluidos corporais em que o comandante se tinha tornado não era capaz de enforcar um rato, muito menos tão bêbedo como estava que, se não estivesse ainda agarrado ao braço do Rabil, já teria certamente caído. Além disso, toda a gente sabia, desde o comandante até ao corcunda coxo e imbecil que conseguiu convencer o comandante a “salvá-lo” de uma vida de mendigagem alegando que dava jeito ter alguém que limpasse o vómito do convés, originando a criação do posto de limpador de vómito até aí inexistente na tripulação (parecia estúpido, mas a verdade é que já ninguém tinha que se dar ao trabalho de ir a correr vomitar borda fora e podia apenas deixar-se tranquilamente adormecer na poça da sua imundice que o Corcoxo, alcunha que ganhou nos primeiros segundos na embarcação, até se dava ao requinte de limpar os pedaços que ficassem na barba com uma espinha de badejo que tinha adaptado para o efeito) que seria impossível impor à tripulação da Tétis um comandante que não fosse respeitado para tal, por muitos enforcamentos e inserções de objectos em orifícios que ocorressem (e as malaguetas, além de não chegarem para todos, eram precisas para amarrar os cabos). Apesar de todo o teatro, era claro para todos que a única razão pela qual ninguém se chegou à frente era porque toda a tripulação sabia que o Rabil era a única pessoa que poderia substituir o seu velho comandante.
- Foi uma honra navegar com todos vocês, menos contigo Corcoxo, obviamente. Não deixam de ser um punhado de vermes, mas são o punhado de vermes com mais espírito que conheci em toda a minha vida. Amanhã podes ocupar o meu camarote. – Terminou, dirigindo-se ao Rabil e voltou para o seu camarote agarrado aos barris e ao que mais o conseguisse ajudar a manter-se de pé.
No dia seguinte, quando o Rabil entrou no seu novo camarote ficou literalmente de queixo caído. Tudo estava limpo e arrumado e não havia vestígios do comandante. Nunca mais seria visto. O seu misterioso desaparecimento criou uma espécie de mito de que o comandante teria feito um pacto com Nereu e dedicado a sua alma ao mar. Curiosamente, de uma forma natural, isto deu à tripulação a sensação de que o seu navio estava protegido por uma qualquer força divina. O mito ficou tão enraizado que, para se entreter ao serão com algo mais que o rum, a tripulação inventava histórias sobre a nova vida do seu antigo comandante como uma excitada semidivindade a perseguir lascivamente as oceânides. As suas aventuras imaginárias, particularmente as que envolviam Admete e Clítia, ficaram gravadas na atmosfera daquela embarcação e foram contadas por muitos, muitos anos.
Foi assim que o Rabil herdou o comando da Tétis, muito perto do seu décimo sétimo ano sem pisar terra. Embora bastante menos agressivo que o seu antecessor, era também um comandante justo e empático com a sua tripulação, mas não se enganem, não era uma pessoa com quem, como diria a minha avó, se fizesse farinha. Ainda hoje se deve contar a história da viagem em que um infeliz não gostou de ter sido repreendido e tentou aliciar a tripulação a amotinar-se. Os seus testículos estiveram meses pregados no mastro até terem sido comidos pelas gaivotas quando a embarcação se aproximou de terra.
O espírito a bordo da Tétis manteve-se por muitos anos e o Rabil nunca se sentiu infeliz por ter trocado a sua família por um punhado de biltres fedorentos e mal-educados nem por ter trocado os seus amigos pelas ondas. Nunca se arrependeu de conhecer mais correntes que pessoas nem de se ter deitado com mais ventos que mulheres. A única diferença é que passavam cada vez menos tempo aportados e, quando chegou ao ponto deste tempo se resumir ao apenas necessário para recarregar o navio com mantimentos e rum, a tripulação começou a ficar descontente com a situação. Conforme os anos se transformavam em décadas, a cada aportada da Tétis a tripulação diminuía um pouco e foi com o coração apertado que, na última vez que a Tétis foi vista num porto, os últimos resistentes, impotentes para convencer o Rabil a ir a terra algum tempo e tentar refazer a tripulação, ficaram a vê-la afastar-se lentamente, tripulada apenas pelo seu comandante.
Diz-se que passaram mais de trinta anos até um navio militar encontrar a Tétis em alto mar, aparentemente à deriva e descobrir nela um velho tresloucado e esquálido a dar ordens a fantasmas. À força e não sem alguma insensibilidade, lá conseguiram separar o desgastado Rabil da sua velha Tétis, apenas para o fechar em terra à espera do fim. Sim, conseguiram tirar o Rabil do mar, mas o meu consolo é saber que nunca conseguirão tirar o mar do Rabil. E, em verdade vos digo que, além do da perda do seu mentor, não há relato de mais nenhum momento de infelicidade seu desde que pisou o convés do navio/mulher que viria a amar. A pobre Tétis certamente já só existe na mente distorcida do seu eterno comandante, mas isso não me causa qualquer espécie de comiseração. Tenho cá para mim que vão ser felizes para sempre.