quinta-feira, 5 de março de 2009

Presenças #7

Passaram vários dias sem que nada de estranho tenha acontecido. Tive momentos em que desejei que o espectro tivesse aparecido, já que aliado ao medo estava também uma espécie de curiosidade mórbida, queria saber porque tudo aquilo me estava a acontecer. Pensei que o medo é sempre provocado pelo desconhecimento, que assim que o enfrentasse, assim que passasse a conhecer aquilo que temia, todo o medo desapareceria naturalmente. Mas ao fim de algum tempo comecei a achar que talvez tudo tivesse já terminado, ou até que poderia ter sido uma manifestação da minha mente, uma qualquer espécie de demência leve e temporária.
Todas estas ideias se dissiparam quando uma noite, não sei se por acaso ou por outra razão, acordei. Ao aperceber-me que o dia ainda não tinha nascido, fiquei satisfeito por poder continuar a dormir e virei-me para o outro lado. Enquanto me aninhava para continuar o meu sono, que já começava a conseguir ser novamente sossegado, uma sensação estranha fez-me abrir outra vez os olhos. Senti o meu coração parar por alguns instantes para depois disparar num ritmo desenfreado. A entidade estava lá, aos pés da minha cama. Só conseguia vislumbrar um vulto mas sabia que era ela. Respirei fundo e tentei acalmar-me. Estava a conseguir controlar o medo, mas quando a cabeça da aparição rodou e sua face, quase desprovida de feições, ficou virada para mim, quando os seus enormes olhos brilhantes encontraram os meus, todos os meus esforços ruíram e só consegui cobrir-me completamente com o cobertor e enroscar-me em posição fetal. Durante algum tempo ouvi o que só poderia ser a sua voz. Murmurada, parecia não vir de dentro do meu quarto, mas de um qualquer sítio longínquo, chegando já transtornada aos meus ouvidos. Lembrei-me do que a crioula me tinha dito sobre outras realidades e tive a certeza que era verdade. Não sabia ao certo porquê, mas tinha a certeza que aquela voz não podia vir deste mundo. Não conseguia perceber o que dizia, mas pareceu-me ter distinguido as palavras "aqui" e "sempre", mas pode muito bem ter sido imaginação minha, já que encolhido debaixo do cobertor apenas me chegava um sussurro imperceptível.
Pensei na africana e ouvi a sua voz na minha cabeça, suave e reconfortante. Nem tudo é o que parece, ouvi nitidamente na minha cabeça pela voz da negra e isso conseguiu transmitir-me alguma fleuma. Ponderei se pela sua voz melodiosa, estaria a minha mente a reviver o diálogo, como acontece com músicas que gostamos e que estão tão indelevelmente impressas nos nossos cérebros que conseguimos mesmo ouvi-las dentro da nossa cabeça, ou se não seria mesmo a africana a enviar-me uma mensagem telepática. Pensei que não lhe tinha dito absolutamente nada acerca do meu problema e que ela parecia saber de tudo. Talvez soubesse também o que me estava a acontecer no momento. Ocorreu-me depois que a minha tia lhe teria contado tudo pelo telefone, que seria apenas por isso que eu não tinha precisado de dizer nada e que provavelmente a pessoa não teria poderes tão especiais. Independentemente da origem da sua voz na minha cabeça, a verdade é que teve um efeito extremamente calmante e quando me apercebi, já a luz de um dia de sol atravessava, inexorável, a barreira têxtil que a separava dos meus olhos.
Sem saber se tinha adormecido ou apenas ficado absorto e imerso nos meus pensamentos, puxei devagar o cobertor até ao nariz e espreitei para fora. Estava sozinho. A luz inundava todos os cantos e ao sentir o calor no rosto senti-me cheio de energia, alegre até. Achei que tinha vencido o temor, que não tinha qualquer razão para o pânico que tinha sentido durante a noite. Acreditei que não iria mais fugir ou esconder-me. Se a entidade voltasse, iria enfrentá-la como quem deve enfrentar o seu destino, de olhos nos olhos, sem medo. Iria tentar saber o que queria de mim, tinha que saber. Uma ponta de melancolia tentou contrariar a minha boa disposição ao ocorrer-me que a entidade poderia nunca mais aparecer, que poderia nunca vir a saber.