terça-feira, 17 de março de 2009

Presenças #9

Algumas noites depois, tempo durante o qual me senti cada vez mais frágil e debilitado, presenciei a entidade a materializar-se perante os meus olhos. Sem que eu dissesse nada, uma voz na minha cabeça começou finalmente a explicar-me alguma coisa sobre o que me estava a acontecer. Preciso de um elo de ligação a este mundo, disse, a minha realidade é insuportável para mim, só existe mágoa e miséria lá e eu preciso de sair. Existem entidades na vossa realidade que têm uma sensibilidade especial que lhes permite aperceberem-se de nós, mas é muito difícil encontrar alguém que consiga realmente comunicar com um de nós, como estamos a fazer neste momento. Por isso te escolhi. Mas, escolheste-me para quê? Perguntei já algo impaciente. Essa tua característica permite-me ligar-me a ti de forma permanente. Ficar aqui indefinidamente. Permite-me afastar-me do sofrimento que é viver na minha dimensão. Serás a minha âncora nesta realidade. Respondeu a entidade, mantendo a boca imóvel, mas colocando uma expressão que me inspirou comiseração. O que é que eu tenho que fazer? Perguntei com uma ponta de desconfiança. Nada, respondeu prontamente a entidade, só tens que querer.
Pareceu-me que as últimas palavras se mantiveram no ar por alguns momentos juntamente com o brilho que já considerava normal, quando a figura desapareceu, mas desta vez ficou também uma sensação de vazio em mim que não consegui compreender. Segundos depois de tudo se ter desvanecido, ouvi um ganido que se transformou num longo uivo. Pareceu entrar-me pelo diafragma e espalhar-se por todo o meu corpo fazendo os meus pelos eriçarem-se. Olhei para o canto e vi os olhos tristes que esperava ver. Vi-os descrever uma circunferência e desaparecer, como se o velho cão se tivesse enroscado no chão e fechado os olhos. Tive vontade de sair da cama e aproximar-me dele, mas não consegui encontrar coragem suficiente.
Deitado, pensei sobre o que a entidade me tinha dito. Ponderei se quereria ajudá-la, porque teria ficado com aquela sensação quando se foi embora. Comecei a aperceber-me que não tinha propriamente controle sobre a questão. Percebi que apesar de reconhecer que corria um risco e que talvez não tivesse muito a ganhar com isso, não conseguia deixar de querer. Não conseguia fazer desaparecer a vontade de estabelecer aquela ligação com uma realidade alternativa. Escolhe o teu caminho sem nunca deixares que o teu discernimento seja toldado pelas entidades. A frase soou na minha cabeça na voz da africana. O meu discernimento não está toldado, apenas não acho que esteja em perigo, respondi a mim próprio, além do mais, acho também que não tenho nada a perder.

1 comentário:

Funny Analana disse...

Escolher o caminho certo...tem muito que se lhe diga