terça-feira, 3 de março de 2009

Presenças #4

Fizeste muito bem em procurar ajuda, corres um grande perigo. A surpresa fez-me endireitar as costas e colocou-me uma expressão de estupefacção. Apesar da envergadura da mulher, a sua voz era suave e doce, quase melodiosa. Falava com uma pronúncia perfeita, certamente estaria cá há muito tempo, talvez até tivesse mesmo nascido cá e por uma fracção de segundo ponderei, algo envergonhado, sobre o facto de eu desconhecer uma cultura tão diferente da minha, que existe tão perto e há tanto tempo. Senti que a sua elocução me percorria todo o corpo. Apesar do aviso que continha, provocou-me uma quase inebriante sensação de paz. Tive a certeza que podia confiar nela e absorvi as suas palavras como se me alimentassem a alma. Meu querido, continuou, há pessoas que são mais sensíveis às entidades do outro lado. Isso pode ser um grande poder, se o souberes controlar, mas traz também uma enorme ameaça. Se deixares que se apoderem de ti, podem fazer-te cometer actos terríveis! Para já, não há muito que eu possa fazer para te ajudar, senão alertar-te para o teu dom, ajudar-te-á a manter o controle. Mas, que entidades são essas, do outro lado? Perguntei, depois de ter a certeza que não a interromperia. Fantasmas? Pessoas que já morreram? Acrescentei. Depois de inspirar fundo, a mulher continuou. A maioria das pessoas pensa, ou faz mesmo questão de pensar, que esta é a única realidade que existe, mas não é. Existem outras. Há quem lhes chame planos de existência, mas o que lhes chamamos não é o importante, o importante é que elas existem e nós temos que reconhecer a sua existência para nos podermos proteger. Assim como nesta realidade existem pessoas boas e más, nas outras também é assim. Existem entidades tão plenas de vileza que são capazes de tudo para cumprir qualquer objectivo sombrio que tenham.

Fiquei alguns momentos em silêncio, a assimilar o que tinha ouvido e algo surpreendido com a eloquência da mulher. Apesar de ser muito céptico em relação a coisas não reconhecidas pela ciência, não consegui imaginar nenhuma explicação lógica que me permitisse refutar a existência de outros planos de existência. O que devo então saber? Perguntei. Além de saberes e reconheceres que existem coisas que não conseguimos explicar, apenas tens que te manter sempre consciente das tuas decisões, escolhe o teu caminho sem nunca deixares que o teu discernimento seja toldado pelas entidades, respondeu a mulher, dando especial ênfase às palavras sempre e nunca. Parece-me fácil, e até pode ser que seja uma entidade boa, disse eu com leveza. Pois parece, mas nem tudo é o que parece, retorquiu algo bruscamente e abriu um pouco mais os seus olhos negros, fazendo-me perceber que, apesar das suas palavras parecerem uma frase feita, falava muito a sério. A porta da minha casa estará sempre aberta para ti, mas eu não conseguirei ajudar-te se tu próprio não te ajudares também, acrescentou em jeito de conclusão enquanto cruzava as mãos em cima da barriga.

Segundo percebi pela reacção da minha tia, que se levantou prontamente, tudo estaria dito e era o momento de sairmos. A minha tia despediu-se com uma subtil vénia com a cabeça. Só depois me apercebi que não tinha trocado uma única palavra com a africana. Eu fi-lo com um agradecimento algo hesitante e saímos.

1 comentário:

Anónimo disse...

Estou bastante curiosa para...what's next