Mantivemo-nos em silêncio até que a minha atenção foi atraída por um cão deitado no passeio, não muito grande, mas bastante robusto. O focinho era curto o pelo malhado de castanho sobre branco. Estava deitado a roer qualquer coisa. Conforme me aproximei, a desconcertação fez o meu queixo e os meus braços caírem enquanto instintivamente inclinava o corpo para a frente. O cão tinha amputada a pata anterior direita e estava a roer o seu próprio osso! A minha reacção fez o cão levantar a cabeça e consternei-me ao ver uma profunda tristeza no seu olhar. A minha tia puxou-me pelo braço dizendo-me para não me distrair, enquanto acelerava o passo e depressa chegámos de volta a casa dela.
Espero que leves esta história muito a sério e que não te esqueças do que ela te disse, proferiu apenas, circunspecta, antes de se despedir de mim. Obrigado tia, foi a única coisa que lhe consegui dizer enquanto lhe dava um leve beijo na face enrugada.
No caminho de volta para casa debati-me comigo próprio. Por um lado, sabia que o que me estava a acontecer era real, mas apesar disso tinha uma grande dificuldade em acreditar na conversa da africana sobre entidades e realidades paralelas. No entanto, se era verdade o que a crioula tinha dito sobre a forma de me proteger, bastava que não fizesse nada estúpido e não teria problemas.
Já sentado no sofá, pensei que afinal a minha visita à estranha mulher não tinha contribuído em nada para que deixassem de me acontecer o que eu vou apenas chamar episódios. Respirei fundo e, enquanto me deixava afundar, revi a minha situação. Apercebi-me que enquanto estive em casa da crioula, parecia que a minha razão tinha entrado num estado latente. Na altura, tudo o que ela me dizia soava perfeitamente certo. Como se estivesse a absorver algo real e incontestável a um nível elementar da minha consciência. As suas palavras tinham entrado em mim sem qualquer influência do meu raciocínio. Mas enquanto as minhas pálpebras se fechavam achei que, apesar de interessante, a minha visita à africana não tinha sido uma grande ajuda.
Senti a consciência a regressar pelo olfacto. Ainda de olhos fechados, senti o meu corpo arrefecer ao reconhecer o odor. O pânico começou a apoderar-se de mim e impediu-me de abrir os olhos. Não sei quanto tempo passou, mas pareceu uma eternidade. Não há nenhuma razão para teres medo, disse uma voz sussurrada. O susto pôs-me de pé numa fracção de segundo, agora com os olhos bem abertos. Nada. A noite de lua cheia entrava pela janela iluminando fracamente a casa, que permanecia tranquila e vazia como sempre. Já não sentia o cheiro. Deixei-me cair de volta no sofá e decidi assumir que tinha sido só um pesadelo.
3 comentários:
Gostei bastante,mas não há mais?
Sim, há mais. Escrito e por escrever.
Que venha o resto...
Enviar um comentário