sexta-feira, 27 de março de 2009

O Jogo

E é assim que termina a minha história, disse o velho enquanto unia as pontas dos dedos de uma mão às dos da outra, fitando silenciosamente o rapaz à espera de um comentário. O rapaz recostou-se na cadeira, acariciando o queixo enquanto olhava pensativo para a estatueta representando Tangaroa, que repousava numa pequena mesa encostada à parede por trás do velho. Depois de uma inspiração mais profunda que ofereceu às suas narinas o agradável odor do papel envelhecido, encontrou o olhar do seu velho amigo e quebrou o silêncio que se tinha instalado. Nem sei o que dizer, é de facto uma história impressionante, inspiradora até. Como sei que tem bagagem para que eu possa ser perfeitamente sincero e directo consigo, continuou, vou sê-lo: tenho reservas sobre a veracidade de certas partes. Não que ache que me está a mentir, mas estou inclinado para acreditar que o passar dos anos já tenha distorcido um pouco os acontecimentos na sua memória. Sou levado a crer que a história está, digamos, fantasiada. Consigo compreender que tenhas essa opinião, respondeu o velho sem alterar a sua postura nem o seu semblante calmo e seguro de si, é de facto difícil de acreditar, mas garanto-te que estás enganado, tudo aconteceu exactamente como te contei. Mesmo a parte da sereia? Perguntou o rapaz com ar desconfiado. Sim, mesmo essa parte, retorquiu o velho, mas até pensava que houvesse outras partes mais inacreditáveis para ti. Há outras igualmente inacreditáveis, respondeu prontamente o rapaz, mas essa em particular pareceu-me demasiado mitológica para ser mesmo verdade. Muita gente viveu episódios como esse, continuou o velho, mas a grande maioria não se recorda. O canto delas inebria e impede-nos de guardar memórias sobre o que acontece enquanto estamos sob o seu efeito, e por isso é que ninguém acredita que existem. Eu, apesar do feitiço, consegui vê-la como ela realmente era e lembrar-me depois. E porque é que consigo foi diferente? Perguntou o rapaz, levantando uma sobrancelha. A isso não posso responder-te porque não faço a menor ideia, retorquiu o velho, projectando o queixo para a frente, dou-me apenas por satisfeito por poder recordar o momento. Outra parte que me deixa pouco crédulo é a do navio fantasma, continuou o rapaz, parece tão saído daquelas lendas marítimas. Antes de responder, o velho, como que procurando orientação, ou talvez apenas reunindo vagar, passou os olhos pela tela na parede à sua direita, que representava Calypso, serenamente repousando sobre as águas. Como é que achas que surgiram as lendas? Perguntou. Eu aceito que as lendas possam ter algum fundamento real, mas não consigo acreditar que sejam completamente verídicas. Apesar de poderem ser baseadas em acontecimentos autênticos, acabaram por transformar-se em alegorias, retorquiu rapidamente o rapaz, é por isso que lhes chamam lendas. Eu sei o que vi, respondeu rispidamente o velho, vi e senti. Quando avistámos o barco à deriva, sem ninguém, pensámos que era o nosso dia de sorte, mas depressa percebemos que assim não era. Como te contei, eu e muitos de nós começámos a receber pancadas vindas de trás e nunca víamos ninguém quando nos virávamos, e houve mesmo alguns que viram estranhas aparições. E como te disse também, quando, ao percebermos que algo de muito errado se passava e que não seria boa ideia tentar salvar o barco, decidimos voltar, faltavam dois dos nossos companheiros e nunca mais os vimos. Dois bons marinheiros desapareceram sem deixar rasto, e não me parece que tenham tido um destino agradável. Nem sequer pudemos entregar os seus corpos ao mar! Achas que eu ia inventar isto?? Apesar da aparente calma, uma ponta de ira brilhou nos olhos do velho. Não sei se mais algum de nós ainda está vivo, mas não fui o único a testemunhar isto. Todos vimos o barco, e todos o deixámos misteriosamente de ver ao afastarmo-nos apenas algumas dezenas de metros. Depois de ambos perderem alguns momentos perscrutando o intrincado motivo floral que percorria os limites do tecto, o velho baixou a cabeça e, arqueando as sobrancelhas, continuou. Também não acreditas no monstro, não é? Perguntou, mostrando já algum agastamento. Pois… Respondeu, hesitante, o rapaz. Olha, disparou o velho já visivelmente irritado, eu tenho estofo para que sejas sincero comigo, mesmo quando não acreditas em mim, mas pelo menos devias encarar a minha história com a mente aberta, e pelo que vejo, a tua mente é uma caixinha minúscula. É como se tivesses umas palas nos olhos que só te deixam olhar em frente. Espero que a idade te consiga trazer alguma abertura, concluiu o velho recostando-se na cadeira enquanto desviava o olhar do rapaz e o passeava pelas centenas de livros que se alinhavam nas estantes à sua esquerda. Não o queria ofender, desculpou-se o rapaz. E não ofendeste, respondeu prontamente o velho em tom de enfado, apenas me exauriste a paciência, portanto cala-te e joga!

terça-feira, 24 de março de 2009

Are we there yet?

- Já estamos perto?

- Não.

- Já estamos perto?

- Não.

- Já estamos perto?

- Não.

- Já estamos perto?

- Não.

- Já estamos perto?

- Não.

- Já estamos perto?

- Não.

- Já estamos perto?

- Não.

- Já estamos perto?

- Não.

- Já estamos perto?

- Não.

- Já estamos perto?

- Não.

- Já estamos perto?

- Não.

- Já estamos perto?

- Não.

- Já estamos perto?

- Não.

- Já estamos perto?

- Não.

- Já estamos perto?

- Não.

- Já estamos perto?

- Não.

- Já estamos perto?

- Não.

- Já estamos perto?

- Não.

- Já estamos perto?

- Não.

- Já estamos perto?

- Não.

- Já estamos perto?

- Não.

- Já estamos perto?

- Não.

- Já estamos perto?

- Não.

- Já estamos perto?

- Não.

- Já estamos perto?

- Não.

- Já estamos perto?

- Não.

- Já estamos perto?

- Não.

- Já estamos perto?

- Não.

- Já estamos perto?

- Não.

- Já estamos perto?

- Não.

- Já estamos perto?

- Não.

- Já estamos perto?

- Não.

- Olha, não achas que já chega?

- Não.

- Mas eu acho, portanto não perguntas mais isso. Está bem?

- Sim.

- Obrigado.

- Ainda estamos longe?

Curtas

E quando ela o viu sussurrou…
e não nos deixeis cair em tentação e livrai-nos do mal

sexta-feira, 20 de março de 2009

Monodiálogo #7

- Foda-se!! Finalmente te encontro! O que é que estás a fazer aí sentado no canto?...

- Nada...

- Então anda daí, caralho, o pessoal já anda um bocado à nora e a perguntar por ti.

- Não me apetece, deixa-me estar.

- Mas... O que é que se passa contigo?

- Nada. Tudo... Estou cansado. Só quero estar um bocado sozinho.

- Mas, porque é que vieste para aqui? Este sítio está sujo e estragado, já ninguém cá vem. E sabe-se lá o que andará por aí escondido nas sombras... Além do mais, o pessoal anda à mesmo à rasquinha para fazer uma festa. Anda tudo a precisar de se divertir. E tu sabes que sem ti não dá.

- Vocês não precisam de mim. Podem divertir-se na mesma.

- Sabes perfeitamente que isso não é verdade. Se não estiveres lá acaba por ser tudo uma farsa, estaríamos todos a enganar-nos. Sempre foste a alma da festa e ficamos todos um bocado perdidos sem ti.

- Vocês conseguem, eu sei que sim.

- Mas, mas... Tu não nos podes fazer isto! Nem sequer te faz bem ficar aqui. As coisas não vão correr nada bem. E o que é que eu digo ao pessoal?

- Diz-lhes que não se preocupem, que eu apareço mais tarde ou mais cedo. Mas agora deixa-me só deitar aqui um bocado, estou tão cansado...

- OK, pronto, fica para aí, se é o que queres, mas tenho que ser sincero contigo e mencionar que me enojas.

quarta-feira, 18 de março de 2009

Unha volta e un poema

Vai unha volta, unha volta e un poema
unha cantiga, a cantiga dunha nena
vai un xantar, un xantar, unha conversa
un pensamento, pensamento con talento

Vai o teu beixo, o teu beixo nun silencio
unha palabra, a palabra desexada

E agora que sae o sol
o teu nome xa se ve
agora que sae o sol
ti tamén es

Vai a esquecida, a esquecida e nomeada
unha sentenza, a sentenza que ti fagas
vai o teu dito, o teu dito cun sorriso
unha quimera, a quimera dunha espera.

Foi unha volta, unha volta e un poema
unha cantiga, a cantiga dunha nena,vou despedirme, despedirme cunha flor
vou despedirme, cunha flor de cor de ron


BERROGÜETTO

terça-feira, 17 de março de 2009

Presenças #10

Noite após noite esperei pela aparição. Não conseguia dormir mais que dez ou quinze minutos sem acordar sobressaltado, com a sensação de que não estava sozinho, mas nunca passava de uma malévola partida da minha imaginação.
A espera foi-se tornando cada vez mais atroz. Deixei de conseguir ficar deitado e passava as noites frenético, a andar de um lado para o outro no quarto. Vamos a isso! Estou disposto a fazer o que quiseres! Gritei uma noite à escuridão, rendido, no apogeu do meu desespero. Senti um longo arrepio ao ouvir a voz. Não sinto em ti uma verdadeira vontade de te tornares algo mais do que és, algo superior, disse a voz, não me serves assim. Mas eu quero, quero mesmo, sinto que é o meu propósito, supliquei, estou aqui à tua mercê. Não, retorquiu a voz, enganei-me, não és tu quem eu procurava. Não, não! Gritei, mas só o vazio do meu quarto lá estava.
Fiquei desolado, destroçado. Tinha sido tudo em vão. Perguntei-me se não seria mesmo este o objectivo da entidade, destruir-me. Pensei que devia ter dado mais atenção às palavras da crioula, mas já não tinha qualquer controle sobre mim. Morri por dentro. Arrastava-me de um lado para o outro e deixei completamente de conseguir dormir.
Passado muito tempo, numa das noites que passava sentado na cama a olhar para o infinito, senti o odor acre que tinha deixado de acompanhar a entidade. Arregalei os olhos e com um violento golpe de rins fiquei de joelhos na cama. A um palmo da minha cara estava o rosto do espectro. Sim, ouvi numa voz sibilante, agora estás pronto, chegou o momento de sermos um, disse a entidade com um faiscar nos olhos. Não compreendi o que quereria dizer com aquilo, mas estava já num ponto em que não tinha qualquer poder sobre mim. Era já algo de sub-humano, uma mera casca vazia, um simples corpo antropomórfico que por dentro não abrigava nada, não existia já em mim qualquer sentimento, qualquer vontade. Limitei-me a fixar os brilhantes olhos da entidade e acenar com a cabeça em consentimento. O corpo disforme da aparição começou a expandir-se à minha volta, como um abraço fatal. Abri os braços e entreguei-me, mas, quando esperava que tudo acabasse, eis que algo embate em mim e me projecta alguns metros para trás. Atónito, olhei para a entidade e consegui apenas ver um par de olhos tristes a desaparecer no que seria o seu corpo. Numa questão de segundos, com um grito indescritível que nunca poderia ser deste mundo a entidade retorceu-se e desapareceu numa ténue nuvem de fumo negro. Sentado no chão compreendi. O velho cão tinha-me salvado. Não sabia de quê, mas naquele momento acreditei que se tinha sacrificado para me proteger de um destino inimaginavelmente cruel.
Nunca mais tive qualquer experiência ou contacto com outras realidades, mas nunca mais fui o mesmo. Nunca mais consegui recuperar qualquer tipo de emoção, nem preencher o vazio que me tornei.
Este é o meu testemunho, o que deixo para a posteridade. A única marca que ficará de mim neste plano de existência. Nunca saberei o que realmente teria acontecido se o velho cão não tivesse intervindo. Custa-me acreditar nisso, mas não sei se teria tido um destino ainda mais miserável. Não sei nada. É tarde demais para mim, mas para dar algum propósito a este meu legado, deixo uma lição que não é minha: Nunca percas o controlo do teu fado.

Presenças #9

Algumas noites depois, tempo durante o qual me senti cada vez mais frágil e debilitado, presenciei a entidade a materializar-se perante os meus olhos. Sem que eu dissesse nada, uma voz na minha cabeça começou finalmente a explicar-me alguma coisa sobre o que me estava a acontecer. Preciso de um elo de ligação a este mundo, disse, a minha realidade é insuportável para mim, só existe mágoa e miséria lá e eu preciso de sair. Existem entidades na vossa realidade que têm uma sensibilidade especial que lhes permite aperceberem-se de nós, mas é muito difícil encontrar alguém que consiga realmente comunicar com um de nós, como estamos a fazer neste momento. Por isso te escolhi. Mas, escolheste-me para quê? Perguntei já algo impaciente. Essa tua característica permite-me ligar-me a ti de forma permanente. Ficar aqui indefinidamente. Permite-me afastar-me do sofrimento que é viver na minha dimensão. Serás a minha âncora nesta realidade. Respondeu a entidade, mantendo a boca imóvel, mas colocando uma expressão que me inspirou comiseração. O que é que eu tenho que fazer? Perguntei com uma ponta de desconfiança. Nada, respondeu prontamente a entidade, só tens que querer.
Pareceu-me que as últimas palavras se mantiveram no ar por alguns momentos juntamente com o brilho que já considerava normal, quando a figura desapareceu, mas desta vez ficou também uma sensação de vazio em mim que não consegui compreender. Segundos depois de tudo se ter desvanecido, ouvi um ganido que se transformou num longo uivo. Pareceu entrar-me pelo diafragma e espalhar-se por todo o meu corpo fazendo os meus pelos eriçarem-se. Olhei para o canto e vi os olhos tristes que esperava ver. Vi-os descrever uma circunferência e desaparecer, como se o velho cão se tivesse enroscado no chão e fechado os olhos. Tive vontade de sair da cama e aproximar-me dele, mas não consegui encontrar coragem suficiente.
Deitado, pensei sobre o que a entidade me tinha dito. Ponderei se quereria ajudá-la, porque teria ficado com aquela sensação quando se foi embora. Comecei a aperceber-me que não tinha propriamente controle sobre a questão. Percebi que apesar de reconhecer que corria um risco e que talvez não tivesse muito a ganhar com isso, não conseguia deixar de querer. Não conseguia fazer desaparecer a vontade de estabelecer aquela ligação com uma realidade alternativa. Escolhe o teu caminho sem nunca deixares que o teu discernimento seja toldado pelas entidades. A frase soou na minha cabeça na voz da africana. O meu discernimento não está toldado, apenas não acho que esteja em perigo, respondi a mim próprio, além do mais, acho também que não tenho nada a perder.

segunda-feira, 16 de março de 2009

Curtas

Quando anoitecer, esperarei por ti
Encontrar nos – emos e irei te abraçar e sentir o teu cheiro que tanta falta me faz
Não vou prometer que não vou chorar e que as minhas lágrimas não te inundarão
Se calhar vamos ficar abraçados num abraço eterno e profundo e depois
Irei aninhar-me junto a ti e sentir o teu corpo quente, que sempre me aqueceu nas noites frias

Curtas

Agarro – me ao que me sai de dentro
Tudo o resto leva o vento

sexta-feira, 13 de março de 2009

Curtas

Quero que sintas e que deixes sentir
Quero que sofras e que deixes sofrer
Quero que te descubras e que te deixes descobrir
Quero que queiras…

Curtas

As lágrimas que escorrem da tua face
Sinto-as tão fúteis e falsas
Aquilo que sai em catadupa da tua boca
É um discurso ensaiado até ao mais ínfimo pormenor
(o espelho já o deve saber de cor)
Sabes, um dia alguém me disse que as árvores morrem de pé...

quinta-feira, 12 de março de 2009

Curtas

Deixa que eu beba o teu sangue e as tuas lágrimas
Lamber as tuas feridas, do teu corpo em sangue
Enrosco-me em ti e deixo que me descubras
Sinto que estás dentro de mim
De corpo e alma

Curtas

E gritou, gritou até os pulmões explodirem
Como que para expulsar o veneno que tinha deixado entrar dentro da sua alma…

Monodiálogo #6

- Estás a ouvir isto?
- Claro. O Stop dos Plasmatics. Grande Wendy! Que o deus dos degenerados a tenha.
- Não percebes?? É o universo a querer dizer-nos alguma coisa!
- Não... Isso é só aquela cena de interpretarmos sempre as coisas de forma pessoal.
- Pois... Deve ser... Hum... E agora Marillion, The web... Que dizes?
- Same shit.
- Ok, pronto...
- ...
- Acho que esta acabou de lixar a tua teoria. Prisioners of the damned, Plasmatics outra vez! Quais são as probabilidades?
- Realmente... No meio de quase mil músicas só temos umas sete ou oito de Plasmatics... As probabilidades de ter saído outra eram mínimas...
- Pois é, pá! É o que eu te digo, não há nada que seja realmente aleatório. O universo aproveita tudo para comunicar connosco, nós só temos que estar atentos. Nada disto é à toa.
- Mas... Prisioners of the damned? Não estou a ver onde é que isto se encaixa...
- As mensagens do universo nem sempre são claras, mas de certeza que há significado.
- O que virá a seguir?...
- Olha... Tornados...
- Bom... Que o universo se foda. Vou desligar esta merda.

quarta-feira, 11 de março de 2009

Curtas

O sangue que escorre da tua boca
Purifica a minha alma

Freaks

Have you ever met a lady, screaming angst potential?
Have you ever dreamed of romance, no matter how experimental?
Have you ever felt an alien drifting back into your hometown?
Did you think you were buying safety when you bought that piece of ground?

She said all the best freaks are here
She said all the best freaks are here, please stop staring at me
So I said all the best freaks are here
All the best freaks are here, please stop staring at me

Have you ever woke up, sweating in the middle of the night?
You search the darkness and youre scrambling for the light
Have you ever walked down the street, heard bootsteps following you?
Dont worry my son, youve got the spook squad looking after you

He said all the best freaks are here
He said all the best freaks are here, please stop staring at me
So I said all the best freaks are here
All the best freaks are here, please stop staring at me, stop staring at me

Airport terminal, patiently waiting on the last call
You feel the eyes burn the back of your head
Sign the autograph, get out of the picture, gonna have the last laugh
Feel the whispers as you head for the plane
Stop staring at me

Love and linen sheets seem so very far away
You save your pennies and you buy another day
But after all its only hide and seek, just another game
Theres so much fun to be had when youre living with a name

All the best freaks are here, all the best freaks are here
Please stop staring at me, all the best freaks are here
All the best freaks are here, please stop staring at me
Oh, stop staring at me, oh, stop staring at me

They said all the best freaks are here
All the best freaks are here, please stop staring at me
All the best freaks are hereAll the best freaks are here, please stop staring at me

http://www.youtube.com/watch?v=AdbxK9-ygfQ&feature=related



Marillion - Freaks

Presenças #8

Durante as noites seguintes acordei várias vezes e olhava esperançado para os pés da cama, apenas para não encontrar nada. Ficava depois algum tempo acordado a questionar-me porque razão tinha passado a desejar que acontecesse aquilo que até há pouco tempo atrás só queria que acabasse. Porque seria que, apesar do temor, queria agora que a entidade aparecesse. Começava a achar que não era apenas uma questão de curiosidade, que algo em mim acreditava que aquele ser tinha algo de extrema importância para me transmitir, uma informação de carácter vital que eu tinha mesmo que obter. Dava por mim a acordar de noite e instintivamente perguntar à escuridão se lá estaria alguém e cheguei mesmo a temer pelo meu equilíbrio psíquico, se é que ele existia. Durante muito tempo, tanto o meu olhar como as minhas palavras esbarraram no vazio.

Mas uma noite, ao abrir os olhos, deparei-me com aquele rosto mesmo em frente ao meu, como se a entidade estivesse ajoelhada junto à minha cama a observar o meu sopor. Sem controlo, dei um salto e fiquei sentado no fundo da cama olhando, atónito, a figura, na qual pensei ter conseguido distinguir uma expressão de desilusão. No segundo seguinte já me enchia de vergonha por verificar que ainda não conseguia controlar o meu medo. Espera! Gritei ainda, mas a entidade já se desvanecia, deixando aquele brilho no sítio onde estavam os seus olhos, que me provocava longos arrepios na coluna vertebral. A desmoralização atingiu-me como um raio, com tal violência que pareceu disparado pela própria Fulgora. Estava revoltado comigo próprio, tinha tido a minha oportunidade e perdi-a por causa do meu medo inconsciente. Agora, voltava ao ponto de não saber se teria outra, agravado pelo ressentimento.

Deixei de conseguir dormir. Passava as noites a pensar no que a entidade quereria de mim, se a voltaria a ver. Por vezes parecia-me ver um vulto a atravessar a escuridão, mas quando olhava melhor, não estava lá nada. Falava com a penumbra na esperança que a minha voz conseguisse atravessar a barreira da minha realidade. Sentia-me enegrecer por dentro, que uma parte de mim definhava de dia para dia e que acabaria inevitavelmente por morrer.

Passado algum tempo, quando já não tentava nada e me limitava a passar as noites imóvel na cama, deitado de costas a olhar fixamente para um ponto no tecto, na esperança que a fadiga me fizesse perder a consciência, vejo o rosto, estranho mas já familiar, materializar-se perante os meus olhos. O medo voltou, a pulsação acelerou, mas consegui controlar-me o suficiente para falar. Não te vás embora, consegui dizer com a voz trémula e quase a falhar-me. A face sorriu, um sorriso entre o infantil e o cruel. A mancha negra e disforme que completava a entidade apareceu também e tornou-se quase palpável. Desceu suavemente até ficar como que de pé ao fundo da cama, limitando-se a olhar para mim mantendo aquele sorriso que me fazia temer que destruísse tudo o que tinha conseguido para afastar o terror.

O que queres de mim? Perguntei depois de alguns momentos a ganhar coragem. O sorriso do espectro tornou-se paternalista. Foste escolhido, ouvi, mas a sua boca manteve o sorriso e não se mexeu. Escolhido para quê? Questionei, algo na dúvida se a voz que ouvia seria mesmo a entidade a falar comigo ou se, pelo contrário, seria apenas a minha imaginação. Tudo a seu tempo, ouvi, enquanto o sorriso da figura se abria grotescamente provocando-me verdadeiro pavor. Mantém-te sereno, que tudo se revelará, ouvi ainda antes da aparição se começar a esfumar. Como é que posso manter-me sereno? O que queres de mim? E porque é que me aterrorizas assim??? Diz-me! Perguntei à atmosfera, já que era óbvio que a entidade já não estava lá.

Ainda com a pulsação extremamente acelerada, perguntei-me porque quereria saber o que a entidade queria de mim. Porque seria que apesar do horror que me provocava, eu alinhava na história. O medo é uma ferramenta de auto-preservação, disse a mim próprio, devia talvez dar-lhe mais crédito, talvez seja o meu subconsciente a tentar avisar-me. Foi então que algo me distraiu.

Ao fundo, no canto do quarto, vi dois círculos de luz ténue. A minha pele arrepiou-se e senti um formigueiro na parte de trás da cabeça. Perscrutei a escuridão e percebi que era um par de olhos que reflectiam a quase inexistente luz que um diminuto quarto minguante proporcionava. Não sei se por, apesar de tudo, ainda manter alguma crença nas explicações normais ou se por mera negação, o meu primeiro pensamento foi que um gato vadio me teria entrado pela janela, mas algo atingiu o meu cérebro e me fez divisar que havia algo de familiar naqueles olhos. Após alguns segundos identifiquei-os sem qualquer dúvida. Eram os olhos do cão que tinha visto no caminho de regresso da casa da crioula! O mesmo olhar desolado que tinha visto nesse dia. Tentei em vão encontrar uma explicação para a presença do cão no meu quarto e o pavor que eu pensava estar já controlado voltou. Mais uma vez, o pânico me fez cobrir completamente com o cobertor, mas desta vez sei que não fechei os olhos até vislumbrar a luz solar. Quando percorri o quarto já iluminado pelo dia, não vi nada de anormal.

terça-feira, 10 de março de 2009

Prefácio do livro "O Homem que plantava árvores"

“Para que um carácter de um ser humano revele qualidades verdadeiramente excepcionais, é preciso ter a sorte de o poder observar em acção durante longos anos. Se essa acção for despojada de todo o egoísmo, se o princípio que a orienta for de uma generosidade sem exemplo, se se estiver absolutamente certo de que a pessoa não procurou recompensa e alguma forma, e que, ainda por cima, deixou neste mundo marcas visíveis, podemos então dizer, sem receio de nos enganarmos, que estamos perante um carácter inesquecível.”



Jean Giono
O Homem que plantava árvores

segunda-feira, 9 de março de 2009

Curtas

Apareces vindo do nada
E pergunto-te onde estiveste
Nada me dizes, sorris
E abraças-me para sempre

sexta-feira, 6 de março de 2009

Curtas

Triste é o dia em que nós nos abandonamos e
deixamos de ser quem somos para nos transformarmos em monstros
Nos deixamos ludibriar por assombrações, perversas e cruéis
Do nosso gémeo mau
Aquele que é louco, e repugnante e
Que quando nos apercebemos que não somos este
Queremos arrancar pele e alma
E de tanto nos rasgarmos e magoarmos
Percebemos que a demência é passageira e que a serenidade irá ocupar o seu lugar
Para dar lugar ao Homem

Curtas

Quero escrever nas páginas do teu corpo uma história sem fim
E percorrer com os meus dedos as páginas de ti

quinta-feira, 5 de março de 2009

Presenças #7

Passaram vários dias sem que nada de estranho tenha acontecido. Tive momentos em que desejei que o espectro tivesse aparecido, já que aliado ao medo estava também uma espécie de curiosidade mórbida, queria saber porque tudo aquilo me estava a acontecer. Pensei que o medo é sempre provocado pelo desconhecimento, que assim que o enfrentasse, assim que passasse a conhecer aquilo que temia, todo o medo desapareceria naturalmente. Mas ao fim de algum tempo comecei a achar que talvez tudo tivesse já terminado, ou até que poderia ter sido uma manifestação da minha mente, uma qualquer espécie de demência leve e temporária.
Todas estas ideias se dissiparam quando uma noite, não sei se por acaso ou por outra razão, acordei. Ao aperceber-me que o dia ainda não tinha nascido, fiquei satisfeito por poder continuar a dormir e virei-me para o outro lado. Enquanto me aninhava para continuar o meu sono, que já começava a conseguir ser novamente sossegado, uma sensação estranha fez-me abrir outra vez os olhos. Senti o meu coração parar por alguns instantes para depois disparar num ritmo desenfreado. A entidade estava lá, aos pés da minha cama. Só conseguia vislumbrar um vulto mas sabia que era ela. Respirei fundo e tentei acalmar-me. Estava a conseguir controlar o medo, mas quando a cabeça da aparição rodou e sua face, quase desprovida de feições, ficou virada para mim, quando os seus enormes olhos brilhantes encontraram os meus, todos os meus esforços ruíram e só consegui cobrir-me completamente com o cobertor e enroscar-me em posição fetal. Durante algum tempo ouvi o que só poderia ser a sua voz. Murmurada, parecia não vir de dentro do meu quarto, mas de um qualquer sítio longínquo, chegando já transtornada aos meus ouvidos. Lembrei-me do que a crioula me tinha dito sobre outras realidades e tive a certeza que era verdade. Não sabia ao certo porquê, mas tinha a certeza que aquela voz não podia vir deste mundo. Não conseguia perceber o que dizia, mas pareceu-me ter distinguido as palavras "aqui" e "sempre", mas pode muito bem ter sido imaginação minha, já que encolhido debaixo do cobertor apenas me chegava um sussurro imperceptível.
Pensei na africana e ouvi a sua voz na minha cabeça, suave e reconfortante. Nem tudo é o que parece, ouvi nitidamente na minha cabeça pela voz da negra e isso conseguiu transmitir-me alguma fleuma. Ponderei se pela sua voz melodiosa, estaria a minha mente a reviver o diálogo, como acontece com músicas que gostamos e que estão tão indelevelmente impressas nos nossos cérebros que conseguimos mesmo ouvi-las dentro da nossa cabeça, ou se não seria mesmo a africana a enviar-me uma mensagem telepática. Pensei que não lhe tinha dito absolutamente nada acerca do meu problema e que ela parecia saber de tudo. Talvez soubesse também o que me estava a acontecer no momento. Ocorreu-me depois que a minha tia lhe teria contado tudo pelo telefone, que seria apenas por isso que eu não tinha precisado de dizer nada e que provavelmente a pessoa não teria poderes tão especiais. Independentemente da origem da sua voz na minha cabeça, a verdade é que teve um efeito extremamente calmante e quando me apercebi, já a luz de um dia de sol atravessava, inexorável, a barreira têxtil que a separava dos meus olhos.
Sem saber se tinha adormecido ou apenas ficado absorto e imerso nos meus pensamentos, puxei devagar o cobertor até ao nariz e espreitei para fora. Estava sozinho. A luz inundava todos os cantos e ao sentir o calor no rosto senti-me cheio de energia, alegre até. Achei que tinha vencido o temor, que não tinha qualquer razão para o pânico que tinha sentido durante a noite. Acreditei que não iria mais fugir ou esconder-me. Se a entidade voltasse, iria enfrentá-la como quem deve enfrentar o seu destino, de olhos nos olhos, sem medo. Iria tentar saber o que queria de mim, tinha que saber. Uma ponta de melancolia tentou contrariar a minha boa disposição ao ocorrer-me que a entidade poderia nunca mais aparecer, que poderia nunca vir a saber.

Curtas

E com um movimento rápido
Rasguei-lhe a garganta…

Surprise! you're dead!

Ha ha! open your eyes
See the world as it used to be when you used to be in it
When you were alive and when you were in love
And when I took it from you!
It's not over yet You don't remember?
I won't let you forget
The hatred I bestowed
Upon your neck with a fatal blow
From my teeth and my tongue
I've drank and swallowed, but it's just begun
Now you are mine
I'll keep killing you until the end of time
Surprise! you're dead!
Guess what? It never ends... The pain, the torment and torture, profanity Nausea, suffering, perversion, calamity
You can't get away


Surprise! you're dead!
Faith No More

quarta-feira, 4 de março de 2009

Presenças #6

O canto dos pássaros, logo pela primeira luz da madrugada, acordou-me. Calmamente abri os olhos e gelei instantaneamente ao vislumbrar uma figura que pairava à minha frente a cerca de um metro do chão. Conseguia distinguir um rosto de feições simples, mas o corpo não passava de uma massa disforme e ondulante. Além dos seus grandes olhos, pouco mais se distinguia que uma pequena fenda que identifiquei como sendo uma boca. No entanto, apesar de atemorizante, a figura tinha uma estranha beleza. Uma beleza que conseguiu transmitir-me tranquilidade e aos poucos consegui recuperar a calma e controlar o medo. Deixei-me ficar deitado no sofá, a observar a estranha aparição, sem saber se se teria já apercebido que eu tinha acordado. Depois de terem passado o que me pareceu cerca de dez ou quinze minutos, estremeci ao ver o rosto da figura esboçar o que me pareceu um sorriso. Levantei a cabeça para ver melhor mas no segundo seguinte a figura já não estava lá. Pareceu-me que, no entanto, ainda se manteve durante perto de um minuto, um brilho arrepiante no local onde estavam os olhos da aparição, que me destruiu toda a tranquilidade que tinha conseguido adquirir.
Tentei recuperar a compostura. Desta vez não iria conseguir fazer-me acreditar que tinha sido apenas um sonho, tinha a certeza que estava perfeitamente acordado. Ponderei que, na realidade, não me tinha ainda acontecido nada que me tivesse feito pensar que estaria realmente em perigo. O medo que sentia era pelo desconhecimento do que me estava a acontecer, pela estranheza dos fenómenos, e pensei que talvez não tivesse razões muito válidas para o ter. Se a entidade, para usar o termo da crioula, me quisesse fazer mal, já tinha tido varias oportunidades. Lembrando-me das palavras da enorme africana, disse a mim próprio que o facto de ainda não me ter prejudicado, não implicava que tivesse boas intenções, mas achei que o terror que os fenómenos me inspiravam não teria muita razão de ser e decidi tentar controlá-lo. E talvez nem fosse difícil, porque por muito estranho que pareça, a verdade é que, começava a ficar algo habituado. Ponderei se teria coragem para tentar comunicar.

Curtas

Fecha os olhos
Deixa que eu entre
Sentes, o sabor?
Doce
Vou percorrer cada pedaço de ti
Suave
Vais deixar que eu me entranhe, no labirinto dos teus desejos
Rasgo-te a pele devagar
Um fio de sangue escorre
Não acordes
Deixa que a escuridão se alimente de ti
E plante na tua alma , o ódio

Curtas

Acossada,
Soltei toda a minha frustração em ti
Rasguei-te com as minhas garras
Odiei-te com todas as minhas forças
Bebi todo o teu sangue
Suguei todas as tuas forças e a tua alma
Para depois morrer em ti saciada...

terça-feira, 3 de março de 2009

Presenças #5

Mantivemo-nos em silêncio até que a minha atenção foi atraída por um cão deitado no passeio, não muito grande, mas bastante robusto. O focinho era curto o pelo malhado de castanho sobre branco. Estava deitado a roer qualquer coisa. Conforme me aproximei, a desconcertação fez o meu queixo e os meus braços caírem enquanto instintivamente inclinava o corpo para a frente. O cão tinha amputada a pata anterior direita e estava a roer o seu próprio osso! A minha reacção fez o cão levantar a cabeça e consternei-me ao ver uma profunda tristeza no seu olhar. A minha tia puxou-me pelo braço dizendo-me para não me distrair, enquanto acelerava o passo e depressa chegámos de volta a casa dela.

Espero que leves esta história muito a sério e que não te esqueças do que ela te disse, proferiu apenas, circunspecta, antes de se despedir de mim. Obrigado tia, foi a única coisa que lhe consegui dizer enquanto lhe dava um leve beijo na face enrugada.

No caminho de volta para casa debati-me comigo próprio. Por um lado, sabia que o que me estava a acontecer era real, mas apesar disso tinha uma grande dificuldade em acreditar na conversa da africana sobre entidades e realidades paralelas. No entanto, se era verdade o que a crioula tinha dito sobre a forma de me proteger, bastava que não fizesse nada estúpido e não teria problemas.

Já sentado no sofá, pensei que afinal a minha visita à estranha mulher não tinha contribuído em nada para que deixassem de me acontecer o que eu vou apenas chamar episódios. Respirei fundo e, enquanto me deixava afundar, revi a minha situação. Apercebi-me que enquanto estive em casa da crioula, parecia que a minha razão tinha entrado num estado latente. Na altura, tudo o que ela me dizia soava perfeitamente certo. Como se estivesse a absorver algo real e incontestável a um nível elementar da minha consciência. As suas palavras tinham entrado em mim sem qualquer influência do meu raciocínio. Mas enquanto as minhas pálpebras se fechavam achei que, apesar de interessante, a minha visita à africana não tinha sido uma grande ajuda.

Senti a consciência a regressar pelo olfacto. Ainda de olhos fechados, senti o meu corpo arrefecer ao reconhecer o odor. O pânico começou a apoderar-se de mim e impediu-me de abrir os olhos. Não sei quanto tempo passou, mas pareceu uma eternidade. Não há nenhuma razão para teres medo, disse uma voz sussurrada. O susto pôs-me de pé numa fracção de segundo, agora com os olhos bem abertos. Nada. A noite de lua cheia entrava pela janela iluminando fracamente a casa, que permanecia tranquila e vazia como sempre. Já não sentia o cheiro. Deixei-me cair de volta no sofá e decidi assumir que tinha sido só um pesadelo.

Curtas

Este frio constante que me assola a alma e o corpo
Este Inverno permanente, que vêm de dentro
E me congela os sentidos
Preciso do nosso fogo, para me ajudar a despertar

Presenças #4

Fizeste muito bem em procurar ajuda, corres um grande perigo. A surpresa fez-me endireitar as costas e colocou-me uma expressão de estupefacção. Apesar da envergadura da mulher, a sua voz era suave e doce, quase melodiosa. Falava com uma pronúncia perfeita, certamente estaria cá há muito tempo, talvez até tivesse mesmo nascido cá e por uma fracção de segundo ponderei, algo envergonhado, sobre o facto de eu desconhecer uma cultura tão diferente da minha, que existe tão perto e há tanto tempo. Senti que a sua elocução me percorria todo o corpo. Apesar do aviso que continha, provocou-me uma quase inebriante sensação de paz. Tive a certeza que podia confiar nela e absorvi as suas palavras como se me alimentassem a alma. Meu querido, continuou, há pessoas que são mais sensíveis às entidades do outro lado. Isso pode ser um grande poder, se o souberes controlar, mas traz também uma enorme ameaça. Se deixares que se apoderem de ti, podem fazer-te cometer actos terríveis! Para já, não há muito que eu possa fazer para te ajudar, senão alertar-te para o teu dom, ajudar-te-á a manter o controle. Mas, que entidades são essas, do outro lado? Perguntei, depois de ter a certeza que não a interromperia. Fantasmas? Pessoas que já morreram? Acrescentei. Depois de inspirar fundo, a mulher continuou. A maioria das pessoas pensa, ou faz mesmo questão de pensar, que esta é a única realidade que existe, mas não é. Existem outras. Há quem lhes chame planos de existência, mas o que lhes chamamos não é o importante, o importante é que elas existem e nós temos que reconhecer a sua existência para nos podermos proteger. Assim como nesta realidade existem pessoas boas e más, nas outras também é assim. Existem entidades tão plenas de vileza que são capazes de tudo para cumprir qualquer objectivo sombrio que tenham.

Fiquei alguns momentos em silêncio, a assimilar o que tinha ouvido e algo surpreendido com a eloquência da mulher. Apesar de ser muito céptico em relação a coisas não reconhecidas pela ciência, não consegui imaginar nenhuma explicação lógica que me permitisse refutar a existência de outros planos de existência. O que devo então saber? Perguntei. Além de saberes e reconheceres que existem coisas que não conseguimos explicar, apenas tens que te manter sempre consciente das tuas decisões, escolhe o teu caminho sem nunca deixares que o teu discernimento seja toldado pelas entidades, respondeu a mulher, dando especial ênfase às palavras sempre e nunca. Parece-me fácil, e até pode ser que seja uma entidade boa, disse eu com leveza. Pois parece, mas nem tudo é o que parece, retorquiu algo bruscamente e abriu um pouco mais os seus olhos negros, fazendo-me perceber que, apesar das suas palavras parecerem uma frase feita, falava muito a sério. A porta da minha casa estará sempre aberta para ti, mas eu não conseguirei ajudar-te se tu próprio não te ajudares também, acrescentou em jeito de conclusão enquanto cruzava as mãos em cima da barriga.

Segundo percebi pela reacção da minha tia, que se levantou prontamente, tudo estaria dito e era o momento de sairmos. A minha tia despediu-se com uma subtil vénia com a cabeça. Só depois me apercebi que não tinha trocado uma única palavra com a africana. Eu fi-lo com um agradecimento algo hesitante e saímos.

segunda-feira, 2 de março de 2009

Curtas

Apetece-me partir tudo
Apetece-me escavacar-te todo, e engolir os teus cacos para serem meus
Vão rasgar-me por dentro, e vou sangrar
Estou dormente, não sinto
Esta calma aparente assusta-me
È agora
Há sangue pelo chão, bocados de ti
Dou uma gargalhada e banho-me no teu sangue e na tua alma