Lembrei-me de uma velha tia, entendida nestas questões mais obscuras e decidi procurá-la. Mesmo que não me pudesse ajudar, pelo menos sentiria o alívio de partilhar o meu problema com alguém, que sabia que me levaria a sério sem colocar logo a hipótese da demência.
Depois de uma genuína manifestação de júbilo por me ver passado tanto tempo, a velhinha rapidamente se apercebeu que algo estranho se passava e a sua expressão rapidamente mudou para revelar consternação. Pegou na minha mão direita com a sua mão esquerda e, apoiada com a outra mão numa tosca bengala, conduziu-me para a sala e convidou-me a sentar. Durante alguns momentos limitámo-nos a permanecer em silêncio, ordenando as memórias que a visão um do outro fizeram reviver. A minha tia era já bastante idosa na última vez que a tinha visto e não estava muito diferente do que eu me lembrava. Muito magra, com a roupa tão branca como o seu cabelo, arranjado num imaculado carrapito, como sempre a conheci. Pareceu-me apenas mais pequena, mas suponho que seria eu que estava maior. Conta-me tudo, disse quebrando o silêncio. Contei. Ela ouviu tudo atentamente sem proferir uma palavra, limitando-se a, com um ar grave, acenar lentamente com a cabeça. Quando terminei a minha história, depois de uma pausa, consegui sentir algum alívio quando a velhota disse que conhecia alguém que talvez fosse capaz de me ajudar. Depois de um telefonema em que parecia tentar que eu não percebesse o que dizia, durante o qual me olhava austeramente, inclinou a cabeça na direcção da porta.
Depois de percorrer sítios onde nunca antes tinha estado, entrámos por um bairro, provavelmente clandestino, de ruelas estreitas e quase labirínticas. Apenas numa ocasião, passámos por um pequeno grupo de pessoas, de ar sombrio, que conversavam num recanto. Quando nos viram, pararam de falar e limitaram-se a seguir-nos com os olhos. Quando já estávamos de costas para eles, um arrepio na coluna vertebral dizia-me que os seus olhos ainda estavam fixos em mim e cheguei mesmo a ter algum receio que nos pudessem fazer mal, mas ao verificar a atitude decidida mas tranquila da minha tia, percebi que nenhum mal nos aconteceria. Era quase desconcertante a força que aquela velha e pequena senhora emanava.
Por fim, chegámos a uma porta que se destacava de todas as outras. Estava quase completamente coberta com estranhos símbolos gravados na madeira e senti um calafrio ao ver presa no centro uma fita negra que prendia a pata mumificada de um pequeno animal, que não consegui identificar. Com um ritmo lento, a minha tia bateu quatro vezes com o nó do seu encurvado dedo médio da mão esquerda. A porta abriu-se mas ninguém apareceu. Apesar de estar quase certo de que foi apenas uma somatização provocada pela minha imaginação, senti de facto, assim que a porta se abriu, algo que apenas consigo descrever como uma onda de energia emanando do local . O meu coração palpitava num misto de nervosismo e curiosidade.
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