segunda-feira, 28 de julho de 2008

Tempus fugit - Capítulo 1

Tinha acabado de cair o minuto doze da primeira hora do dia quando, por um período que não durou mais que um segundo, sentiu que tudo tinha parado à sua volta. Rapidamente tudo voltou ao normal, mas ficou com uma sensação que algo de muito estranho tinha acontecido. O intervalo de tempo tinha sido demasiado curto para permitir que se tivesse apercebido durante o decorrer do fenómeno e quando deu por si a questionar o que teria acontecido já tudo tinha regressado à monótona normalidade.

Não lhe dando qualquer importância, talvez por genuíno desinteresse, talvez por medo de concluir que se tratava do sintoma de um qualquer problema mental, rapidamente se esqueceu do acontecimento e prosseguiu com a sua rotina. No entanto, no dia seguinte, exactamente à mesma hora, quando os onze minutos e cinquenta e nove segundos se transformaram nos doze minutos, o estranho fenómeno voltou a acontecer. Extremamente breve também; no entanto jurava a si mesmo que tinha durado um pouco mais que no dia anterior. Seria talvez quase imperceptível, mas tinha como certo que, enquanto no dia anterior o fenómeno tinha durado certamente menos de um segundo, desta vez aparentava ter durado pelo menos um segundo e meio.

Desta vez não conseguiu calar a voz dentro da sua cabeça que indagava se ele não estaria a desenvolver alguma espécie de demência. No entanto, algo provavelmente comum entre os loucos, descartou incondicionalmente essa hipótese. O que estaria a acontecer, seria perceptível para mais alguém, ponderou. Não era nada que provocasse qualquer tipo de problema ou prejuízo, o único impacto era devido apenas à estranheza que provocava. Parecia apenas que o tempo parava por um instante, mas que o fenómeno não o afectava directamente. Se de facto o tempo parasse e conseguia ter a percepção de que estava a acontecer, era porque para ele o tempo continuava a decorrer, supunha. Supunha também que era extremamente improvável que fosse o único a detectar esta situação pelo que decidiu, caso esta se continuasse a observar, relegando a hipótese de ser algo que apenas acontecia dentro do seu cérebro, debater a questão com alguém para indagar se outros se estaria a aperceber e eventualmente conseguir, pelo menos, teorizar uma explicação.

Embora estivesse curioso e expectante para saber se o fenómeno se iria continuar a repetir, conseguiu não pensar muito mais nisso até se aproximar a hora. No entanto, à meia-noite e onze estava a olhar para o relógio a ver os segundos a passar e a surpresa já nem foi muito grande quando, ao atingir os doze minutos, o relógio parou por um instante antes de prosseguir para o segundo um. Não era já surpresa, mas ficou curioso ao reparar que desta vez o fenómeno, para o qual começava já a pensar num nome, tinha seguramente durado mais de dois segundos.

A curiosidade começava mesmo a ser estimulada, mas a demência também começava a ser uma hipótese mais realista. Começou investigar disfarçadamente se haveria mais gente a ter noção do que estava a acontecer, mas nada apontou para que mais alguém estivesse a experimentar algo de anormal. Durante cerca de uma semana o fenómeno foi continuando a aumentar de duração. Era impossível de saber ao certo, porque durante a ocorrência não havia maneira de medir o tempo. Neste momento parecia já qualquer coisa entre um ou dois minutos, em que tudo à sua volta simplesmente congelava. Nos últimos dias tentava sempre estar na rua, onde houvesse pessoas, e não tinha ainda encontrado ninguém que não ficasse congelado durante o fenómeno que começou a chamar "momento morto".

Não aparentava haver uma relação directa, mas mesmo fora do momento morto começava a sentir-se cada vez mais desligado de tudo o que o rodeava. Passava grandes períodos imerso nos seus pensamentos, em que perdia completamente a noção de tudo. Ficava mesmo abismado quando voltava a si e se apercebia que não conseguia lembrar-se de nada do que tinha acontecido à sua volta, inconsciente do tempo que teria passado desde que começara a dissecar uma ideia dentro do seu cérebro. Mais ou menos directamente, os pensamentos estavam sempre relacionados com o momento morto. Intrigavam-no coisas como o paradoxo de o tempo aparentemente parar. Era algo que não fazia qualquer sentido, o tempo não podia parar, o seu coração continuava a bater, o seu relógio biológico continuava a funcionar, tinha a percepção do que estava a acontecer, portanto o tempo não podia estar parado. Como era possível? O que significaria? Passava horas a ponderar numa explicação para o facto de ser aparentemente a única pessoa a aperceber-se, mas, mesmo por muito absurda que fosse, não conseguia encontrar nenhuma. Sem saber muito bem se seria uma consequência directa ou indirecta do fenómeno, talvez não fosse o fenómeno mas sim o facto de se mostrar cada vez mais meditabundo, sentia-se progressivamente a afastar-se dos outros. Cada vez falava menos com os amigos e se sentia mais desprendido das coisas que normalmente o interessavam. No entanto não era algo que o deixasse triste ou que provocasse qualquer tipo de medo. Sentia-se mesmo desprovido de interesse por todas as coisas e pessoas que existiam no seu mundo e isso fazia com que sentisse o afastamento como uma coisa natural. Este facto, à parte de lhe proporcionar mais tempo de reflexão sobre o seu significado, contribuindo assim também para o afastamento, não lhe causava qualquer outro efeito.

Os meses foram passando e o fenómeno continuava a aparentar estender-se sem que surgisse nada que conseguisse lançar alguma luz sobre a sua causa. Ainda teve um período em que andou intrigado pelo facto de não ter qualquer impulso para usufruir do momento morto, calculava que numa situação destas aproveitaria para apalpar umas raparigas ou para roubar coisas, mas a verdade é que não tinha qualquer vontade de o fazer. Isto fê-lo pensar que o seu desligamento do mundo material e emocional estaria perto do seu clímax. Não se sentia triste nem alegre, simplesmente tranquilo.

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