terça-feira, 5 de janeiro de 2010

Frontalidade

- Então, pronto, está combinado. Podes convidar os amigos que quiseres.

- Pois… Sabes… Não tenho assim muitos amigos…

- Não?? Porquê?

- Eu acho que está relacionado com a minha forma de ser. Tenho uma tendência para ser sincero que não consigo evitar.

- Mas… Isso é óptimo!

- Pode parecer, mas não é, de todo. As pessoas não apreciam realmente a sinceridade. Tenho-me apercebido que as pessoas preferem viver num mundinho próprio onde são perfeitas. E, embora toda a gente apregoe que valoriza muito a frontalidade, a verdade é que a grande maioria das pessoas abomina quem lhes mostre um defeito seu. Não só praticamente ninguém está preparado para admitir que tem defeitos, como toda a gente assume sempre que alguém que os aponte é um inimigo e só quer fazer-lhes mal.

- Se calhar tens razão…

- Pois. Comecei a perceber que afastava as pessoas, mas custa-me tanto não dizer o que penso. Vou aguentando, vou aguentando, mas, mais tarde ou mais cedo, sai-me tudo e pronto, lá se vai mais um relacionamento. E parece não haver grande relação entre a reacção e o tempo de relacionamento. Mesmo que já me conheçam há vários anos, há sempre a tendência para achar que, se lhes aponto algo feio, é para os prejudicar e rebaixar. E é particularmente triste porque, se eu me disponho a apontar alguma coisa é porque tenho consideração pela pessoa. É na perspectiva de que é normalíssimo ter defeitos e facetas sombrias na nossa personalidade e nunca tentando transmitir que, por isso, são piores que a pessoa do lado. Além do mais, as pessoas mudam, evoluem. Como é que podemos evoluir e atenuar um defeito se não admitirmos que o temos?

- Compreendo… Se calhar não estás a conhecer as pessoas certas, pessoas que dêem valor a isso.

- Deve haver tão poucas, que as probabilidades de as conhecer são ínfimas.

- Ah, eu não, eu aprecio mesmo muito a sinceridade e a frontalidade, é até das qualidades que mais valorizo numa pessoa.

- A sério?

- A sério.

- Mesmo?

- Mesmo!

- Ufa… Ainda bem. Estava aqui num esforço titânico para não te dizer que acho que esse corte de cabelo te fica horrivelmente. E essa camisola… Epa, por favor. Não tinhas nada mais feio no armário?

- Hum… Pois… Olha, recebi agora uma sms a dizer que a festa foi adiada. Eu depois digo-te a nova data. E… lembrei-me agora tenho um compromisso importantíssimo, tenho que ir andando.

- OK, tudo bem. Até à próxima, então.

- Sim, pois, até à próxima…

- Então não te esqueças de me dizer quando é a festa, afinal. OK?

- Claro, claro, fica descansado.

6 comentários:

Nawita disse...

muito bom.

sabes o que penso da "sinceridade" não é?
então e um pouco de delicadeza? nada?







já te disse que adoro ver-te com esses borbotos vestidos?

ãh?... é uma camisola de pura lã virgem da patagónia?... ah... muito gira, pelo cheiro nota-se que é de origem ;)

Anónimo disse...

Ah...a delicadeza, não combina com frontalidade. Até a própria palavra é bruta. Analana

Rodovalho Zargalheiro disse...

Deve ser por este tipo de dilemas que se fazem votos de silêncio... :)

Anónimo disse...

Pois...ou então ainda dizem é tão antipáticozinho, esteve para ali e nem sequer abriu a boca. Analana

Tindergirl disse...

Isso de apontar os defeitos dos outros não é muito fixe :)
E imaginei com quem poderia ser esse diálogo :P

Rodovalho Zargalheiro disse...

Eu acho que apontar os defeitos dos outros, só por si, é neutro. A motivação que leva a isso é que faz com que seja, ou não, fixe.

(seja muito bem aparecida, menina Tinder :)