- Faz-me confusão que, tendo tu já mais de trinta anos, os teus pais não saibam que fumas.
- Já reparaste que, quando passas muito tempo com uma pessoa, é como se ela deixasse de ter corpo? Deixa de ser bonita ou feia, gorda ou magra; passa a ser apenas aquela pessoa. Deixamos até de perceber diferenças físicas.
- Porque é que fazes isso? Decorre um momento de silêncio em que estamos com os nossos pensamentos e, quando eu digo alguma coisa, tu ages como se eu não tivesse falado e dizes outra coisa qualquer. Eu sei que deve ser na sequência do que estavas a pensar, mas não é simpático ignorares totalmente o que eu disse.
- Desculpa, é completamente instintivo. Mas eu ouvi o que disseste, sobre os meus pais não saberem que eu fumo. Acho que já passei a idade de lhes dizer.
- É verdade, quando te habituas a ver uma pessoa, ela deve passar para outra região qualquer da memória. Mesmo que inicialmente aches seja bonita ou feia, acabas por deixar de perceber isso bem. É aquela pessoa e pronto, o aspecto físico deixa de ter significado.
- Outra coisa é o toque. Não sei se sentes isso, mas a sensação das primeiras vezes que cumprimentas uma pessoa com contacto físico, um aperto de mão ou um beijinho, muda com a frequência do contacto. Acho que no limite, será como se fosses tu próprio a tocar-te. A minha teoria é que para um casal que já esteja junto há várias décadas, a sensação do toque do outro será a mesma do próprio.
- Acho que nunca passa a idade de se ser sincero. E a verdade é que eles são bem capazes de já saber, ou pelo menos desconfiar.
- Pois, isso é capaz de ser tudo verdade, mas tu nunca mais vais ter a sensação de fumar um cigarro às escondidas.
- Eu acho que cada pessoa tem algo como uma assinatura energética única que é minimamente perceptível ao toque. E sim, acho que é um fenómeno semelhante. Quando te habituas à assinatura energética de uma pessoa começas a senti-la menos.
- Acho que faz bastante sentido.
- Pois é... Nunca mais...
- ...
- ...
Sem comentários:
Enviar um comentário