Já todos tivemos a sensação de estarmos a ser observados, certo?Até aí nada de novo, não é nada de transcendental.
Todos os dias observa-mos e somos observados por centenas de pessoas, sem nos apercebermos.
Mas há alturas em que temos a nítida sensação de, não só de estarmos a ser observados, como também de que não estamos sozinhos.
Armando é uma pessoa normal, como qualquer pessoa normal. Gosta de ler, ir ao cinema, de estar com os amigos. Enfim, faz coisas normais de pessoas normais. No entanto, Armando, tem uma particularidade, que embora não o afastando de ser uma pessoa normal, dá-lhe uma certa individualidade. Armando tem uma predilecção quase mórbida pelo sobrenatural, pelo terror, pelo suspense, com a particularidade de realmente acreditar que não andamos sozinhos neste mundo.
Armando é casado. E embora não exista nenhuma discrepância de conjugação de horários, com a mulher, dias há, em que essas discrepâncias acontecem.
Foi o caso de um dia destes, em que a esposa ficou de fazer um horário que implicaria entrar ao serviço ás 8:30. Como tal teria de se levantar ás 6:30, para cumprir tal exigência.
O horário de Armando, bastante mais flexível, permite-lhe levantar-se apenas ás 8:00, de modo que quando as esposa se levantou Armando continuou deitado na cama, embora já não estivesse completamente adormecido. Armando apercebia-se, muito ao longe, de todos os os passos da mulher.
O estremecer do colchão quando esta se levantou, os passos até à porta do quarto, o abrir da e fechar da porta, o caminhar até à cozinha, o acender do esquentador, o abrir o roupeiro do corredor, o caminhar de volta para a casa de banho. Armando, lá muito ao longe, conseguia ver todo percurso realizado pela esposa.
Antes de saírem de casa, Armando e a mulher têm por hábito despedirem-se um do outro com um beijo, quer o outro esteja a dormir ou não, e esse dia não foi excepção. Armando, mais uma vez ouviu a porta do quarto abrir-se, e o aproximar da mulher da cama. Sentiu a pressão no colchão quando esta pousou o joelho sobre o mesmo de modo a poder-se esticar e beijar Armando. Armando, sentiu o aproximar da esposa seguido do calor dos seus lábios no rosto.
Exprimiu um breve sorriso de satisfação, e mais uma vez sentiu-a afastar-se e fechar a porta do quarto. Ouviu as chaves a rodarem na fechadura da porta da rua, e o fechar da mesma.
Armando, moveu-se, virou-se de barriga para cima, esticou os braços, e assim ficou esperando a sua hora de levantar.
Aos poucos Armando começou a sentir aquele entorpecer que sentimos adormecemos, e deixou-se levar pelo mesmo. Afinal ainda faltava uma meia hora para se levantar.
Lá longe ouvia os passos da esposa pela casa na sua azáfama matinal. Ouvia-a na cozinha, o caminhar para a casa de banho, o abrir do roupeiro do corredor. Armando lá muito ao longe apercebia-se de todos os movimentos da esposa. Todos os movimentos da esposa? Como, se esta já tinha saído? Armando fez um esforço e conseguiu sair do torpor em que se encontrava, embora tivesse a estranha sensação de não se puder mover e tão pouco abrir os olhos. Deixou-se estar quieto e aprofundou os sentidos. Continuava a sentir a presença da esposa em casa, mas tal não podia ser, pois esta já tinha saído. Ter-se ia esquecido de algo? Armando fez um esforço enorme para tentar perceber o que se estava a passar, mas sem êxito. Continuava a não se conseguir mover, nem abrir os olhos. Quando tentou chamar pela mulher, nada saiu da sua boca. Nem o mais pequeno som. De repente sentiu que a porta do quarto se abria. Armando ficou um pouco apreensivo, mas estranhamente mantinha-se calmo, embora o seu coração tivesse disparado violentamente. Armando sentiu uma aproximação da cama, sentiu a pressão no colchão, sentiu um aproximar de si, e mesmo antes de sentir o calor do beijo, que não podia ser da sua esposa, Armando, num esforço imenso, conseguiu que um som gutural sai-se da sua boca, simultaneamente que esticava os braços no sentido de evitar o contacto com o que quer ali se encontrasse.
A sensação da presença desapareceu, Armando manteve-se imóvel por alguns segundos até que abriu os olhos. Lentamente virou a cabeça para os dois lados, pois a cama encontrava-se a meio do quarto, mas nada viu de invulgar. A porta estava fechada, e o quarto encontrava-se sob a penumbra habitual da manhã. Lentamente, Armando, levantou-se, abriu as cortinas, levantou os estores, e imediatamente o quarto foi invadido por uma luz imensa. O dia estava limpo, e o sol brilhava com força. Armando deixou-se ficar ali alguns segundos, sentindo o calor do sol no rosto.
Alguns dias mais tarde, Armando, deitado na cama, depois de a esposa ter sido, apercebeu-se que o percurso matinal do seu vizinho, era em tudo idêntico ao da sua esposa. Sorriu.
Satisfeito por ter encontrado uma explicação, Armando, virou-se de barriga para cima, esticou os braços e assim ficou esperando a sua hora de levantar.
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