Fez um gesto com uma mão para que me aproximasse, enquanto me estendia, com a outra, uma caneca de chá, ao qual tinha já previamente adicionado uma generosa dose do bagaço que guardava com reverência dentro do saco, que, no fundo, continha a sua casa. O xarope para a tosse, chamou-lhe. Aproximei-me e, recolhendo a caneca que me era dirigida, sentei-me no chão à sua frente, como uma criança que espera uma história. Vagarosamente levou a caneca à boca e, sorvendo ruidosamente um trago, respirou fundo com um suspiro, como se tomasse fôlego para a revelação que iria partilhar.
Sabes, começou com um ar grave, nem todas as pessoas são realmente pessoas. Não são realmente pessoas, perguntei com falso espanto, sei que muitas pessoas não são realmente humanas, mas sempre pensei que fossem todas pessoas. Pois não são, retorquiu, muitas delas já deixaram de o ser e são agora um deles, tu também serias se eu não te tivesse salvado, acrescentou arregalando os olhos. E não penses que a pessoa fica lá presa e que pode voltar, continuou, não, a pessoa perde-se para sempre, fica apenas o seu corpo, a casca. A alma, ou consciência ou aquilo que lhe quiseres chamar, que era a pessoa, morre, e de lá ninguém volta. Pois, disse eu pausadamente, isso é muito curioso, mas continuo sem saber quem é que eles são afinal. Para ser sincero, respondeu, não sei exactamente o que eles são, nem de onde vêm, se de outro planeta, de outro tempo ou até mesmo de outro plano de existência, mas posso garantir-te que existem, e são cada vez mais, exclamou. Mas como é que sabes isso, e falaste há bocado de um "lapso", de que é que estavas a falar, perguntei rapidamente. Há já muito tempo que os ando a observar, recomeçou depois de outra inspiração mais profunda, tudo começou quando, por acaso, assisti a um lapso, como eu lhe chamo, que é quando eles se reúnem para arranjar mais corpos. Pelo que já vi, continuou após uma pausa para um gole de chá, eles precisam de reunir-se em grande número para criar condições para que outros deles possam invadir os corpos dos coitados que lá estiverem que ainda não sejam deles. Eu assisti a um desses lapsos e sobrevivi, não sei como nem porquê, mas a verdade é que sobrevivi e fiquei a saber que eles existiam. Então... mas como é que foi, perguntei já com alguma curiosidade genuína. Eles vão-se juntando, ficam muito imóveis e com os olhos muito abertos; quando são suficientes algo acontece que automaticamente mata toda a gente à volta, respondeu elevando a voz, imaginas o meu pavor quando vejo toda a gente, excepto os que estavam feitos estátuas, a cair no chão ao mesmo tempo. E quando os vi todos novamente a levantar-se, perguntou retoricamente já visivelmente empolgado, claro que fiquei completamente petrificado, deixei-me estar quietinho que nem um rato, daqueles que ficam muito quietos, porque também os há bastante irrequietos, pensando bem... acho que até é a grande maioria... porque é que se dirá que se fica quieto que nem um rato... os ratos não são assim tão parados... acho que fica melhor é dizer que fiquei quieto que nem um caracol. Não consegui evitar abrir um sorriso ao ouvir a divagação, obviamente também achava que o termo se adaptava muito mais. Fiquei ali, quietinho como um caracol, disse retomando o discurso sem aparentar ter reparado no aumento da minha boa disposição, e vi-os todos levantar-se, acenar com a cabeça aos outros e saíram todos juntos. Isso é uma história e peras, respondi, à espera que continuasse. Desde aí tenho tentado salvar algumas pessoas, mas foste a primeira que consegui, todas as outras resistiram e acabaram mortas, disse com ar triste. Quem as pode censurar, se calhar não te vês ao espelho há muito tempo, pensei, mas, então e eles nunca te apanharam, foi o que da minha boca apenas se ouviu. Já tentaram, uma vez vieram atrás de mim até quase aqui, mas assim que chegaram perto da nespereira, era vê-los a correr como o diabo da cruz, exclamou com uma ponta de alegria. Também não sei ao certo porquê, mas há algo nas nespereiras que eles não suportam. Não sei se é o cheiro, ou algum químico que elas emanam, mas foi o que me salvou naquele dia e me tem mantido a salvo até hoje. Parece estúpido, não é, perguntou, a nossa única arma conhecida contra eles ser uma nespereira. Limitei-me a responder com um encolher de ombros, não achava que a questão da nespereira fosse tão mais absurda que o resto da história, achei até que se enquadrava. Absurdo mas verdade, continuou acariciando carinhosamente o tronco da nespereira, esta árvore salvou-me a vida, e desde esse dia tenho vivido aqui. Sem saber bem o que dizer, permiti-me alguns momentos de silêncio para saborear a extraordinária história do Caracol.
sexta-feira, 29 de junho de 2007
Chop Suey!
Wake up,
Grab a brush and put a little (makeup),
Grab a brush and put a little,
Hide the scars to fade away the (shakeup)
Hide the scars to fade away the,
Why'd you leave the keys upon the table?
Here you go create another fable
You wanted to,
Grab a brush and put a little makeup,
You wanted to,
Hide the scars to fade away the shakeup,
You wanted to,
Why'd you leave the keys upon the table,
You wanted to,
I don't think you trust,
In, my, self righteous suicide,
I, cry, when angels deserve to die, Die,
Wake up,
Grab a brush and put a little (makeup),
Grab a brush and put a little,
Hide the scars to fade away the (shakeup)
Hide the scars to fade away the,
Why'd you leave the keys upon the table?
Here you go create another fable
You wanted to,
Grab a brush and put a little makeup,
You wanted to,
Hide the scars to fade away the shakeup,
You wanted to,
Why'd you leave the keys upon the table,
You wanted to,
I don't think you trust,
In, my, self righteous suicide,
I, cry, when angels deserve to die
In my, self righteous suicide,
I, cry, when angels deserve to die
Father, Father, Father, Father,
Father/ Into your hands/I/commend my spirit,
Father, into your hands,
Why have you forsaken me,
In your eyes forsaken me,
In your thoughts forsaken me,
In your heart forsaken, me oh,
Trust in my self righteous suicide,
I, cry, when angels deserve to die,
In my self righteous suicide,
I, cry, when angels deserve to die.
SYSTEM OF A DOWN
Chop Suey!
Grab a brush and put a little (makeup),
Grab a brush and put a little,
Hide the scars to fade away the (shakeup)
Hide the scars to fade away the,
Why'd you leave the keys upon the table?
Here you go create another fable
You wanted to,
Grab a brush and put a little makeup,
You wanted to,
Hide the scars to fade away the shakeup,
You wanted to,
Why'd you leave the keys upon the table,
You wanted to,
I don't think you trust,
In, my, self righteous suicide,
I, cry, when angels deserve to die, Die,
Wake up,
Grab a brush and put a little (makeup),
Grab a brush and put a little,
Hide the scars to fade away the (shakeup)
Hide the scars to fade away the,
Why'd you leave the keys upon the table?
Here you go create another fable
You wanted to,
Grab a brush and put a little makeup,
You wanted to,
Hide the scars to fade away the shakeup,
You wanted to,
Why'd you leave the keys upon the table,
You wanted to,
I don't think you trust,
In, my, self righteous suicide,
I, cry, when angels deserve to die
In my, self righteous suicide,
I, cry, when angels deserve to die
Father, Father, Father, Father,
Father/ Into your hands/I/commend my spirit,
Father, into your hands,
Why have you forsaken me,
In your eyes forsaken me,
In your thoughts forsaken me,
In your heart forsaken, me oh,
Trust in my self righteous suicide,
I, cry, when angels deserve to die,
In my self righteous suicide,
I, cry, when angels deserve to die.
SYSTEM OF A DOWN
Chop Suey!
quarta-feira, 27 de junho de 2007
O Caracol - Capítulo 1
A velha ébria cambaleava pelo passeio. A cada cinco ou seis passos parava, encostava-se ao muro e dava um gole na sagres de litro que trazia envolta num saco de plástico. Creio que o saco servia para disfarçar, e quem sabe não resultaria caso ela não fosse a praguejar sonoramente com o mundo, atraindo a atenção de toda a gente.
Distraí-me a olhar para o velhote, seguramente já bem acima dos sessenta, que, com o seu boné da moda, deslizava descontraidamente na paisagem sobre um par de patins em linha e quando dei por mim estava envolto num mar de gente que se deslocava no sentido inverso. Já quase a sufocar, acelero o passo, abrindo caminho pelo magote e quando me vi livre, encostei-me ao pilar a recuperar o fôlego. Levantando lentamente os olhos do chão, comecei a ver uma bengala de cego, continuando a levantar a cabeça, senti um nó na garganta ao fixar o olhar nos olhos do cego, abertos, completamente brancos! No meio daquele vazio, pareciam olhar para mim, para dentro de mim! Enquanto o arrepio descia pela coluna vertebral já eu corria em direcção à escada como quem foge do demo. Aliviante, uma visão fez-me deixar de sentir que teria, sem querer, atravessado um qualquer portal mágico e aterrado no meio de um filme surrealista.
Era o Caracol. Foi a alcunha que lhe coloquei por andar sempre com aquele saco enorme às costas, que deveria provavelmente conter todas as suas posses materiais. Via-o todos os dias, depois do almoço, quando dava uma volta para fumar um cigarro. Sempre com a casa às costas, como eu gostava de dizer a mim próprio, e com o seu ar pensativo, que de estúpido não tinha nada! Entretinha-me a pensar o que levaria no saco, imagino que pelo menos não tivesse lá uma tesoura, dado o tamanho da barba, que já com o cabelo misturado, lhe chega a meio do peito. Tinha adquirido uma simpatia por ele, que foi consolidada na única vez que se dirigiu a mim, com extrema educação para que, encarecidamente, lhe facultasse um cigarro. O que faria ali a esta hora, pensei.
Perante o meu ar aturdido ao perceber que se dirigia a mim, limitou-se a murmurar que tínhamos que sair dali enquanto me puxava pelo braço. Perplexo, deixei-me levar e só ao fim de algum tempo é que percebi que ainda murmurava. Qualquer coisa relacionada com o facto de ter tido que me salvar. Só abrandou quando chegámos a um beco, onde finalmente me olhou fixamente nos olhos. Não podia deixar-te ali, disse, estava mesmo quase a haver um lapso. Alguém que lá estivesse que não fosse deles, já deve estar morto. Quando disse "deles" a sua voz ficou trémula e, num acto instintivo encolheu a cabeça para dentro dos ombros enquanto olhava para ambos os lados. Quem são eles, perguntei. Shhhhh, ainda não estamos seguros, eles podem ouvir-nos.
Não sabia se seria pelo meu fascínio por aqueles a quem a sociedade apelida de loucos, por terem uma forma de pensar diferente do que é comum, mas a verdade é que me sentia impelido a alinhar na história. Mais até que impelido, parecia que nem o conseguiria evitar. Sei de um sítio seguro, disse o Caracol, enquanto me pegava novamente pelo braço e me levava a passo acelerado para uma qualquer parte incerta.
Visivelmente mais tranquilo, apontou-me um monte de tijolos quando chegámos. Era um beco entre três prédios muito antigos, com uma entrada estreita e um espaço relativamente amplo onde havia uma nespereira de tamanho considerável. Sentei-me nos tijolos enquanto olhava à volta, surpreendido pelo asseio do local.
Bom, disse, trago aqui jantar, hoje já não saio. E pousando o saco no chão, sem dizer mais nenhuma palavra, ante o meu olhar intrigado, começou por retirar um toldo. Preso a duas cavilhas estrategicamente colocadas nas paredes e com outra ponta amarrada na nespereira, rapidamente o toldo se transformou numa tenda. Não é que o Caracol trazia mesmo a casa às costas, pensei sorrindo. Continuou o seu afazer, retirando também um saco-cama, um daqueles pequenos fogões de campismo e um saco mais pequeno, que continha alguns víveres e pequenos utensílios de cozinha. Estendeu o saco-cama, colocou o fogão onde, pela marca no chão era notório ser o seu sítio e, retirando um pequeno púcaro, colocou ao lume uma porção de água obtida de um garrafão habilmente escondido a um canto. Efectuou todo o processo com bastante calma, nem parecia o mesmo de há momentos atrás e, como se se tivesse esquecido que eu ali estava, sem proferir uma palavra. Limitei-me também a observá-lo até que, por fim, retirando uma saqueta de chá, quebrou o silêncio dizendo: Vou fazer-nos um chazinho para ajudar a descontrair. Aqui estamos a salvo, é como se estivéssemos invisíveis para eles. E vai dizer-me quem são eles agora, perguntei. Sim, sim, respondeu, é preciso é ter calma, conto-te tudo durante o chá, e podes tratar-me por tu. Já agora, acrescentou, queres com ou sem cheirinho? Pode ser com, respondi com um sorriso cúmplice. O seu rosto contorceu-se num esgar que interpretei como um sorriso, o primeiro e único que o vi esboçar.
Distraí-me a olhar para o velhote, seguramente já bem acima dos sessenta, que, com o seu boné da moda, deslizava descontraidamente na paisagem sobre um par de patins em linha e quando dei por mim estava envolto num mar de gente que se deslocava no sentido inverso. Já quase a sufocar, acelero o passo, abrindo caminho pelo magote e quando me vi livre, encostei-me ao pilar a recuperar o fôlego. Levantando lentamente os olhos do chão, comecei a ver uma bengala de cego, continuando a levantar a cabeça, senti um nó na garganta ao fixar o olhar nos olhos do cego, abertos, completamente brancos! No meio daquele vazio, pareciam olhar para mim, para dentro de mim! Enquanto o arrepio descia pela coluna vertebral já eu corria em direcção à escada como quem foge do demo. Aliviante, uma visão fez-me deixar de sentir que teria, sem querer, atravessado um qualquer portal mágico e aterrado no meio de um filme surrealista.
Era o Caracol. Foi a alcunha que lhe coloquei por andar sempre com aquele saco enorme às costas, que deveria provavelmente conter todas as suas posses materiais. Via-o todos os dias, depois do almoço, quando dava uma volta para fumar um cigarro. Sempre com a casa às costas, como eu gostava de dizer a mim próprio, e com o seu ar pensativo, que de estúpido não tinha nada! Entretinha-me a pensar o que levaria no saco, imagino que pelo menos não tivesse lá uma tesoura, dado o tamanho da barba, que já com o cabelo misturado, lhe chega a meio do peito. Tinha adquirido uma simpatia por ele, que foi consolidada na única vez que se dirigiu a mim, com extrema educação para que, encarecidamente, lhe facultasse um cigarro. O que faria ali a esta hora, pensei.
Perante o meu ar aturdido ao perceber que se dirigia a mim, limitou-se a murmurar que tínhamos que sair dali enquanto me puxava pelo braço. Perplexo, deixei-me levar e só ao fim de algum tempo é que percebi que ainda murmurava. Qualquer coisa relacionada com o facto de ter tido que me salvar. Só abrandou quando chegámos a um beco, onde finalmente me olhou fixamente nos olhos. Não podia deixar-te ali, disse, estava mesmo quase a haver um lapso. Alguém que lá estivesse que não fosse deles, já deve estar morto. Quando disse "deles" a sua voz ficou trémula e, num acto instintivo encolheu a cabeça para dentro dos ombros enquanto olhava para ambos os lados. Quem são eles, perguntei. Shhhhh, ainda não estamos seguros, eles podem ouvir-nos.
Não sabia se seria pelo meu fascínio por aqueles a quem a sociedade apelida de loucos, por terem uma forma de pensar diferente do que é comum, mas a verdade é que me sentia impelido a alinhar na história. Mais até que impelido, parecia que nem o conseguiria evitar. Sei de um sítio seguro, disse o Caracol, enquanto me pegava novamente pelo braço e me levava a passo acelerado para uma qualquer parte incerta.
Visivelmente mais tranquilo, apontou-me um monte de tijolos quando chegámos. Era um beco entre três prédios muito antigos, com uma entrada estreita e um espaço relativamente amplo onde havia uma nespereira de tamanho considerável. Sentei-me nos tijolos enquanto olhava à volta, surpreendido pelo asseio do local.
Bom, disse, trago aqui jantar, hoje já não saio. E pousando o saco no chão, sem dizer mais nenhuma palavra, ante o meu olhar intrigado, começou por retirar um toldo. Preso a duas cavilhas estrategicamente colocadas nas paredes e com outra ponta amarrada na nespereira, rapidamente o toldo se transformou numa tenda. Não é que o Caracol trazia mesmo a casa às costas, pensei sorrindo. Continuou o seu afazer, retirando também um saco-cama, um daqueles pequenos fogões de campismo e um saco mais pequeno, que continha alguns víveres e pequenos utensílios de cozinha. Estendeu o saco-cama, colocou o fogão onde, pela marca no chão era notório ser o seu sítio e, retirando um pequeno púcaro, colocou ao lume uma porção de água obtida de um garrafão habilmente escondido a um canto. Efectuou todo o processo com bastante calma, nem parecia o mesmo de há momentos atrás e, como se se tivesse esquecido que eu ali estava, sem proferir uma palavra. Limitei-me também a observá-lo até que, por fim, retirando uma saqueta de chá, quebrou o silêncio dizendo: Vou fazer-nos um chazinho para ajudar a descontrair. Aqui estamos a salvo, é como se estivéssemos invisíveis para eles. E vai dizer-me quem são eles agora, perguntei. Sim, sim, respondeu, é preciso é ter calma, conto-te tudo durante o chá, e podes tratar-me por tu. Já agora, acrescentou, queres com ou sem cheirinho? Pode ser com, respondi com um sorriso cúmplice. O seu rosto contorceu-se num esgar que interpretei como um sorriso, o primeiro e único que o vi esboçar.
sexta-feira, 22 de junho de 2007
Paleta
- Não percebo porque sentes a necessidade de me vires com essas tangas.
- Que tangas? Porque é que dizes que são tangas?
- Não é preciso levar à letra. Não quer dizer que seja mentira no seu sentido mais estrito, mas essa é a história que se contaria a qualquer um. Devo referir que é comigo que estás a falar?
- Se fosse outro nem sequer haveria história.
- Acredito. Mas já que há história, podes aproveitar para abrir a guarda e contar a história como ela é. Revelares realmente o que estás a sentir.
- Mas é o que eu estou a fazer. Não tenho culpa que não acredites.
- Não é uma questão de acreditar ou não. Volto a dizer que não estou a falar de mentira, estou a falar de genuinidade.
- Genuinidade?
- Sim. Percebe-se facilmente quando uma pessoa não está a ser genuína, e às vezes nem é preciso conhecê-la bem. Então, quando se conhece a pessoa, percebe-se facilmente quando é que ela está a “dar a paleta”, como se costuma dizer. Há pessoas que são genuínas por natureza, outras são-no apenas com aqueles com quem se sentem mesmo à vontade, mas acho que tu não o és com ninguém. E a questão é que não percebo a necessidade de “dares a paleta” comigo, sabes perfeitamente que eu não te vou julgar.
- Mas como é que sabes que não estou a ser genuíno? Se achas que nunca o fui contigo não podes saber a diferença.
- É daquelas coisas que se percebe. Percebe-se quando as pessoas tiram a máscara. Nota-se.
- Mas nota-se como?
- Bom… esquece lá isso…
- Ok, tudo bem. Vou mas é pedir mais duas.
- Que tangas? Porque é que dizes que são tangas?
- Não é preciso levar à letra. Não quer dizer que seja mentira no seu sentido mais estrito, mas essa é a história que se contaria a qualquer um. Devo referir que é comigo que estás a falar?
- Se fosse outro nem sequer haveria história.
- Acredito. Mas já que há história, podes aproveitar para abrir a guarda e contar a história como ela é. Revelares realmente o que estás a sentir.
- Mas é o que eu estou a fazer. Não tenho culpa que não acredites.
- Não é uma questão de acreditar ou não. Volto a dizer que não estou a falar de mentira, estou a falar de genuinidade.
- Genuinidade?
- Sim. Percebe-se facilmente quando uma pessoa não está a ser genuína, e às vezes nem é preciso conhecê-la bem. Então, quando se conhece a pessoa, percebe-se facilmente quando é que ela está a “dar a paleta”, como se costuma dizer. Há pessoas que são genuínas por natureza, outras são-no apenas com aqueles com quem se sentem mesmo à vontade, mas acho que tu não o és com ninguém. E a questão é que não percebo a necessidade de “dares a paleta” comigo, sabes perfeitamente que eu não te vou julgar.
- Mas como é que sabes que não estou a ser genuíno? Se achas que nunca o fui contigo não podes saber a diferença.
- É daquelas coisas que se percebe. Percebe-se quando as pessoas tiram a máscara. Nota-se.
- Mas nota-se como?
- Bom… esquece lá isso…
- Ok, tudo bem. Vou mas é pedir mais duas.
terça-feira, 19 de junho de 2007
O Livro
O zumbido era quase inaudível, mas estava lá. Bastava que parasse por apenas um segundo para imediatamente se aperceber. Já nem sequer conseguia dormir, e quem sabe até talvez viver, sem a companhia daquele zumbido.
Além dele, apenas o mar estava lá para confortar a sua solidão, solidão que amava e odiava, como se de um ser vivente se tratasse.
O mar… velho e fiel companheiro, repleto dos fantasmas de velhos marinheiros que apenas ali conheceram um lar e que, por vezes, também o visitavam.
Nunca tinha tido jeito para as pessoas, nunca tinha conseguido conversar com ninguém como o fazia com as ondas, que incansáveis insistiam em entregar-se às rochas lá em baixo. Apesar de só, sentia-se seguro ali. Mais que seguro, sentia-se pleno, estava no seu mundo, pequeno, mas seu...
O livro já me estava a chatear, portanto mandei-o para um canto e fui jogar playstation!
Além dele, apenas o mar estava lá para confortar a sua solidão, solidão que amava e odiava, como se de um ser vivente se tratasse.
O mar… velho e fiel companheiro, repleto dos fantasmas de velhos marinheiros que apenas ali conheceram um lar e que, por vezes, também o visitavam.
Nunca tinha tido jeito para as pessoas, nunca tinha conseguido conversar com ninguém como o fazia com as ondas, que incansáveis insistiam em entregar-se às rochas lá em baixo. Apesar de só, sentia-se seguro ali. Mais que seguro, sentia-se pleno, estava no seu mundo, pequeno, mas seu...
O livro já me estava a chatear, portanto mandei-o para um canto e fui jogar playstation!
terça-feira, 5 de junho de 2007
Como a mulher do 2º frente lixou a vida a toda a gente
Então não é que o raio do homem do R/C direito queria ocupar-me a arrecadação à força? Tinha que andar sempre com trancas e com problemas por causa dele. Uma vez estava eu lá dentro e ele do lado de fora a tentar arrombar a fechadura, tive que sair de lá com um pau e ameaçá-lo e mesmo assim a saga continuou. Como a casa dele era maior que as outras, não tinha direito a arrecadação, mas a sua pequena mente começou a fantasiar em ficar com a arrecadação por baixo da casa dele para abrir um buraco de uma para outra, e eu é que fui o azarado que teve que apanhar com ele.
A coisa lá mudou quando se foi embora do R/C esquerdo o polícia que veio da terra com os cinco filhos e não se adaptou à cidade, foi para lá morar um gigantesco curandeiro africano, professor Mandonga ou qualquer coisa assim, que, com o seu tamanho e o olhar esbugalhado que fixava nas pessoas, conseguiu impor respeito no prédio. Bom, respeito não era bem, era mesmo medo, mas a verdade é que o imbecil do R/C direito amansou e quase nunca mais se ouviu. A velhota do 1º frente garantia que o curandeiro lhe tinha feito algum feitiço, que lhe tinha até roubado a virilidade e, embora mais ninguém admitisse acreditar, foi suficiente para que se iniciasse o burburinho.
Claro que tudo se tornou bastante óbvio quando veio o corrupio. Se ele feitiçava ou não, não sei, mas sei que era um entrar e sair constante de clientela. O perfil ficou completo quando se tornou óbvio que espancar a mulher, uma negra espaçosa que fazia lembrar as antigas estátuas de deusas da fertilidade, era um dos hábitos que mantinha com empenho.
Mas as coisas só começaram a tornar-se mesmo surreais quando a mulher do 2º direito, aquela que poisa as mamas em cima da barriga... Coitada, estava a atravessar um período de grande dificuldade financeira e lá tinha conseguido arranjar um dinheirinho para comprar um bacalhau, para fazer pastéis para vender e conseguir começar a ter algum rendimento, o marido chega a casa, não se sabe bem como, apanha o dinheiro e, qual génio, vai comprar outro televisor. A mulher ficou tão estarrecida com tamanha cretinice e tão desolada com o desaparecer do dinheiro que tanta falta lhe fazia, que nunca mais foi a mesma... Se meteu com o africano.
Era a mulher do 2º direito que não largava o africano, por muito que a sua mulher lhe batesse, e acreditem que não era pouco. Era o africano a bater na negra porque esta não parava de o chatear. Era o africano a bater também na mulher do 2º direito porque também ela não parava de o chatear. Só o marido da mulher do 2º direito é que, apesar de com isso se estar a assumir como corno manso, teve a sagacidade de se manter à margem de toda aquela história e mesmo assim não se livrou de sentir o peso da mão do africano quando este, já cego de ira e farto de bater na mulher dele, achou que o marido também merecia uma valente chapada por não saber controlar a sua mulher. Controle este que, de forma a evitar novas chamadas de atenção, começou a ser implementado à força de vergastada. A mulher continuava a não largar a porta do africano, mas não estava preocupado com isso, dava-se por satisfeito por, pelo menos o africano não poderia alegar ser por falta de porrada.
Seria de pensar que as coisas não se podiam complicar mais, mas não era verdade. O clímax foi atingido quando o homem do 1º esquerdo, que era pianista, começou a ficar sem condições para praticar. Ainda me lembro da maravilhosa sensação que era entrar no prédio e ouvir baixinho uma tocata de Bach ou uma valsa de Strauss. Agora apenas se ouviam gritos e ruído. Já no limite da sua paciência decidiu envolver a polícia. Foi aí que as coisas se tornaram realmente complicadas. Em vez de resolverem o problema do barulho e tentarem pôr ordem naquela gente, deram ouvidos à mulher do 2º frente, divorciada, ressabiada e revoltada com a humanidade, que lhes disse que o homem do 1º direito cultivava plantas estranhas e saia frequentemente com pacotes suspeitos debaixo do braço. Ignorado as razões que os tinham levado lá, começaram então, desconfiados, a chatear o pobre do homem do 1º direito. Quando o abordaram e ele lhes disse que era biólogo, que fazia experiências com trigo e o conteúdo do pacote era farinha, reagiram como lhes tivesse dito que era produtor de droga. Lá infernizaram a vida ao homem até se ter provado em tribunal que de facto não havia nenhuma ilegalidade nas suas actividades e, despeitados, processaram-no por dois CDs piratas que tinha em casa. Passaram então a ser verbalmente ofendidos de forma eloquente pela velhota do 1º frente, revolucionária radical, cujo ódio à autoridade apenas precisava de uma desculpa para libertar a sua afiadíssima língua. Conclusão: a confusão normal manteve-se, a única diferença era que aumentava consideravelmente quando a polícia aparecia por lá, ameaçando mesmo levar toda a gente do prédio para a esquadra.
Foi aí que percebi que tinha que me mudar.
A coisa lá mudou quando se foi embora do R/C esquerdo o polícia que veio da terra com os cinco filhos e não se adaptou à cidade, foi para lá morar um gigantesco curandeiro africano, professor Mandonga ou qualquer coisa assim, que, com o seu tamanho e o olhar esbugalhado que fixava nas pessoas, conseguiu impor respeito no prédio. Bom, respeito não era bem, era mesmo medo, mas a verdade é que o imbecil do R/C direito amansou e quase nunca mais se ouviu. A velhota do 1º frente garantia que o curandeiro lhe tinha feito algum feitiço, que lhe tinha até roubado a virilidade e, embora mais ninguém admitisse acreditar, foi suficiente para que se iniciasse o burburinho.
Claro que tudo se tornou bastante óbvio quando veio o corrupio. Se ele feitiçava ou não, não sei, mas sei que era um entrar e sair constante de clientela. O perfil ficou completo quando se tornou óbvio que espancar a mulher, uma negra espaçosa que fazia lembrar as antigas estátuas de deusas da fertilidade, era um dos hábitos que mantinha com empenho.
Mas as coisas só começaram a tornar-se mesmo surreais quando a mulher do 2º direito, aquela que poisa as mamas em cima da barriga... Coitada, estava a atravessar um período de grande dificuldade financeira e lá tinha conseguido arranjar um dinheirinho para comprar um bacalhau, para fazer pastéis para vender e conseguir começar a ter algum rendimento, o marido chega a casa, não se sabe bem como, apanha o dinheiro e, qual génio, vai comprar outro televisor. A mulher ficou tão estarrecida com tamanha cretinice e tão desolada com o desaparecer do dinheiro que tanta falta lhe fazia, que nunca mais foi a mesma... Se meteu com o africano.
Era a mulher do 2º direito que não largava o africano, por muito que a sua mulher lhe batesse, e acreditem que não era pouco. Era o africano a bater na negra porque esta não parava de o chatear. Era o africano a bater também na mulher do 2º direito porque também ela não parava de o chatear. Só o marido da mulher do 2º direito é que, apesar de com isso se estar a assumir como corno manso, teve a sagacidade de se manter à margem de toda aquela história e mesmo assim não se livrou de sentir o peso da mão do africano quando este, já cego de ira e farto de bater na mulher dele, achou que o marido também merecia uma valente chapada por não saber controlar a sua mulher. Controle este que, de forma a evitar novas chamadas de atenção, começou a ser implementado à força de vergastada. A mulher continuava a não largar a porta do africano, mas não estava preocupado com isso, dava-se por satisfeito por, pelo menos o africano não poderia alegar ser por falta de porrada.
Seria de pensar que as coisas não se podiam complicar mais, mas não era verdade. O clímax foi atingido quando o homem do 1º esquerdo, que era pianista, começou a ficar sem condições para praticar. Ainda me lembro da maravilhosa sensação que era entrar no prédio e ouvir baixinho uma tocata de Bach ou uma valsa de Strauss. Agora apenas se ouviam gritos e ruído. Já no limite da sua paciência decidiu envolver a polícia. Foi aí que as coisas se tornaram realmente complicadas. Em vez de resolverem o problema do barulho e tentarem pôr ordem naquela gente, deram ouvidos à mulher do 2º frente, divorciada, ressabiada e revoltada com a humanidade, que lhes disse que o homem do 1º direito cultivava plantas estranhas e saia frequentemente com pacotes suspeitos debaixo do braço. Ignorado as razões que os tinham levado lá, começaram então, desconfiados, a chatear o pobre do homem do 1º direito. Quando o abordaram e ele lhes disse que era biólogo, que fazia experiências com trigo e o conteúdo do pacote era farinha, reagiram como lhes tivesse dito que era produtor de droga. Lá infernizaram a vida ao homem até se ter provado em tribunal que de facto não havia nenhuma ilegalidade nas suas actividades e, despeitados, processaram-no por dois CDs piratas que tinha em casa. Passaram então a ser verbalmente ofendidos de forma eloquente pela velhota do 1º frente, revolucionária radical, cujo ódio à autoridade apenas precisava de uma desculpa para libertar a sua afiadíssima língua. Conclusão: a confusão normal manteve-se, a única diferença era que aumentava consideravelmente quando a polícia aparecia por lá, ameaçando mesmo levar toda a gente do prédio para a esquadra.
Foi aí que percebi que tinha que me mudar.
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