A Gabriela era artista plástica, havia quem a achasse excêntrica, esquisita e até mesmo anormal, mas na realidade havia basicamente uma coisa que a distinguia da maioria das demais pessoas. Esta coisa era o seu imensurável ódio pelo conceito geral de posse material, e pelo dinheiro em particular. Já desde tenra idade tinha decidido nunca mais tocar em dinheiro. De facto, a Gabriela era artista plástica, mas era uma coisa difícil de provar, visto que quando terminava uma obra, apercebia-se que a partir desse momento a obra tinha deixado de ser meramente arte, tinha passado a ser um bem material, ainda por cima passível de ser comprado, vendido, avaliado. Claro que isso era uma coisa que só poderia eventualmente acontecer após a sua morte, mas a ideia afectava-a de tal forma que, apesar de poder ter trabalhado durante meses naquela peça, numa questão de minutos após ser concluída, a peça era completamente destruída! Desta forma, a única possibilidade existente de ver um trabalho da Gabriela era ir a casa da D. Felisberta, onde a Gabriela tinha um dia pintado um mural, conseguiu convencer-se que dado que não tinha mobilidade poderia considerar que a obra não existia materialmente, certamente ninguém iria arrancar uma parede e vendê-la, e foi uma forma de agradecer à vizinha todas as vezes que lhe levava comida. Dadas as suas convicções levava a vida mais simples que se pode imaginar, além de trabalhar nas suas esculturas feitas com materiais que trazia da rua, gastava o resto do seu tempo a ler livros emprestados e a fazer favores e tarefas domésticas às vizinhas como forma de pagar a comida que lhe davam, não que elas o exigissem, era a Gabriela que impunha esta retribuição que nem achava suficiente. Um dia, não sabemos bem se sentiu que já estava a abusar da bondade das vizinhas ou se simplesmente decidiu migrar, desapareceu. Na arrecadação onde vivia ficaram apenas os livros emprestados e os restos irreconhecíveis da sua última obra. É impossível saber ao certo, mas algo me faz acreditar que seguiu para Leste.
O Orlando era um rapaz normal, embora, naturalmente, não seja completamente verdade, pode até dizer-se que a sua vida não teve nada digno de nota até àquela manhã de Março em que se apercebeu do aparecimento de uma pequena verruga na testa. Sem poder adivinhar que aquela verruga era o início de uma mudança radical na sua vida, nem sequer lhe deu importância. Começou, no entanto a ficar alarmado quando na manhã seguinte, não só a verruga do dia anterior estava maior, como uma nova verruga tinha aparecido, desta vez por baixo do lábio inferior. Os meses seguintes foram divididos entre correrias de um médico para outro e o aparecimento ou crescimento das verrugas que cobriam já quase completamente o seu rosto.
Foram tempos terríveis para o Orlando, a ver a sua face desaparecer gradualmente dando lugar ao monstro que o atormentava do outro lado do espelho, mas o que ele não sabia é que pior ainda estava para vir. Depois de tentados todos os tratamentos e verificando que, apesar de tudo, a sua saúde estava óptima e o problema era puramente estético, o Orlando voltou para casa. Foi pior porque o apoio e a força que estava confiante que iria encontrar nos amigos não estava lá. Parecia que tinha mudado de identidade, as pessoas ficavam claramente pouco à vontade perto dele, os sentimentos pouco passavam de pena ou discriminação, nunca mais foi convidado para nada e, desiludido com o ser humano, aos poucos acabou por deixar de falar com os outros e passava os seus dias no café, a ler ou a escrevinhar qualquer coisa.
A gota de água foi quando, no café que frequentava há anos, já nem sabia quantos, no café onde se sentia tão à vontade como se estivesse em casa, onde tratava os empregados pelo nome e eles faziam o mesmo com ele, nesse café onde sentia que se podia refugiar dos olhares constantes, lhe pediram cordialmente para evitar lá ir porque afastava a clientela. Foi como uma estocada certeira no coração, boquiaberto a olhar para o dono do café com um ar incrédulo sentiu que não aguentaria mais, sentiu que o golpe tinha sido fatal, não conseguia compreender porque faziam isto, porque tinha a sua vida mudado tanto. Ele continuava a ser a mesma pessoa! Não compreendia como é que uma alteração física podia destruir completamente a sua vida, como é que as pessoas não conseguiam relacionar-se com ele da mesma forma que antes. Ainda com os olhos fixos no dono do café sentiu que ia irromper em lágrimas, mas reuniu todas as suas forças e saiu porta fora. Foi a última vez que o Orlando foi visto por aquelas bandas. Dizem as histórias passadas de boca em boca sobre o selvagem rapaz-verruga que lá morava, que um dia começou a cheirar o ar e assim, de nariz levantado como quem persegue um aroma, foi andando no sentido do sol poente e nunca mais foi visto, mas a verdade é que ninguém sabe ao certo.
O Octávio era daqueles gajos que parece um íman de mulheres, sempre me impressionou o efeito que ele tinha nelas, era impressionante como mudavam assim que o viam, ficavam indefesas, incapazes de controlar os seus impulsos. Claro que havia as que pareciam imunes, mas a maioria delas ficava totalmente parva. É que, ainda por cima, além da sua a figura de Apolo, o Octávio era a boa-disposição personificada, isto fazia dele uma pessoa muito popular entre ambos os sexos, os amigos conseguiam passar horas a ouvi-lo contar histórias das figuras ridículas que as mulheres faziam para o tentar seduzir e normalmente acabavam cheios de dores na barriga e nas bochechas de tanto rir. Mas a verdade é que elas ficavam completamente fora de si e observar este comportamento era já um passatempo dos amigos do Octávio.
O engraçado é que o Octávio não era para aí virado, não me interpretem mal, ele gostava de mulheres, mas procurava algo diferente, provavelmente procurava uma mulher que não se prostrasse aos seus pés, que não perdesse a compostura, uma mulher que visse além do seu aspecto físico. Acreditando plenamente que a sua alma gémea existia, pensou que sendo o mundo tão grande, não poderia perder tempo, estava convicto que o sítio onde estava já tinha nada para lhe oferecer e, com a roupa que tinha no corpo e algum dinheiro no bolso, partiu. Decidiu apanhar o comboio que saísse primeiro quando chegasse à estação e assim fez. E foi assim que o destino o levou para Norte.
A Gisela era afinadora de pianos, provavelmente uma das melhores, nunca usou nada electrónico e ao fim de pouco mais de um ano abdicou completamente do diapasão e passou a afinar unicamente de ouvido. Nunca houve um cliente descontente e muitos deles acabaram por se tornar bons amigos, inclusivamente, podia dizer-se que eram os seus únicos amigos. No entanto, havia clientes mais desinteressados e que ainda nem tinham reparado que a Gisela era cega. O som era a sua vida, não só a sua profissão e os seus tempos livres, já que quando não estava a trabalhar estava a tocar ou ouvir música, mas era o som que a guiava escuridão adentro. Contudo, com o passar dos anos começou a sensação de necessidade de algo mais, algo maior, mais elevado, o Som! Um som tão sublime que uma nota apenas seria capaz de despoletar as mais latentes e majestosas emoções. Não sabia como poderia designar tal som, pelo que chamava-lhe apenas o Som. Ao princípio, quando idealizou que o Som poderia existir pensava que era só uma ideia maluca, mas agora sentia um vazio interior que acreditava poder ser unicamente preenchido pelo Som, e desta forma a sua existência teria que ser real, caso contrário seria como haver um puzzle com uma peça inexistente e isso não tinha sentido, teria que existir algures a peça que a completava.
Certo dia, tinha a Gisela acabado de afinar o fá da terceira oitava quando o cliente, pressionando insistente e repetidamente a respectiva tecla, garantia que tinha um exímio ouvido e constatava claramente que a afinação não estava perfeita. A Gisela, com a máxima calma, levantou-se, guardou as suas poucas ferramentas de trabalho, que não incluíam mais do que duas cunhas uma chave, na pequena bolsa para o efeito, colocou-a no bolso de trás das calças e saiu sem dizer uma palavra. Sem qualquer hesitação foi para casa, preparou uma mochila com alguma roupa e produtos de primeira necessidade e partiu para Sul.
Não sei onde era, mas certamente não havia civilização num raio de muitos quilómetros. Embora bela, a paisagem seria bastante banal não fosse a enorme árvore que se destacava de tudo o resto. Era um cedro, um grande cedro que, embora não fosse muito alto, tinha uma envergadura imponente. Duas pessoas de mãos dadas não conseguiam abraçá-lo e o diâmetro da circunferência formada pelas pontas dos seus ramos atingia vários metros, o seu peso fazia com que as pontas mais longínquas quase tocassem o chão, o que tornava quem estivesse debaixo da sua copa praticamente invisível e bastante abrigado das intempéries. A cerca de um quilómetro do cedro havia um riacho, do outro lado do qual estava uma mata povoada principalmente por pinheiros baixos.
Nesta paisagem, à primeira vista deserta, aparecem quatro pessoas. Quatro pessoas desconhecidas entre si, vindas de quatro direcções distintas, todas dirigindo-se na direcção do grande cedro. Quatro pessoas que, ainda sem o saberem estavam prestes a terminar a sua jornada. A maioria começa, com alguma estranheza, a algumas dezenas de metros a aperceber-se dos outros, mas a Gisela, avançando devagar mas confiante, já sabia há algum tempo que mais três pessoas caminhavam nas redondezas. Tinha até a noção, pelo que conseguia inferir através da variação da amplitude do som dos seus passos, que todos se dirigiam para um ponto comum, onde se encontrariam. Ao chegar à orla da copa do grande cedro foram abrandando, cumprimentando-se entre si com alguma desconfiança, excepto a Gisela, que emitiu um sonoro “Muito boa tarde a todos” e tacteando a ponta dos ramos gatinhou por baixo deles para se sentar encostada ao velho tronco desfrutando a sombra. Não sei se terá sido pela improbabilidade daquelas quatro pessoas desconhecidas se encontrarem naquela sítio recôndito, ou se terão eles sentido algo de inexplicável, mas a verdade é que nenhum deles conseguia fazer-se acreditar que estavam juntos por acaso. E no caso de estarem a conseguir, estava ali aquela rapariga com uma bengala de cego, sentada com um ar confiante, como se soubesse alguma coisa que os outros não sabiam. Não, nada daquilo podia ser obra do acaso!
Acabaram por se sentar todos debaixo da copa do grande cedro, e, embora o Octávio ainda estivesse nitidamente a tentar controlar o choque que a aparência do Orlando tinha provocado em si, a Gabriela olhava-o com uma expressão de fascínio e, passando as mãos pelo seu rosto, coisa que desde que a doença tinha começado ninguém ainda tinha feito sem usar luvas de borracha, exclamou calmamente:
- És tão diferente! Como é que te chamas?
O Orlando, ainda afectado pelo choque, há já bastante tempo que não sentia alguém tratá-lo com tanta naturalidade, respondeu trémulo.
– Orlando. E tu?
– Gabriela. E vocês?
Perguntou virando-se para os outros, que responderam com os seus nomes.
– Não sei se alguém acredita que nos encontrámos aqui por pura coincidência.
Continuou.
– Mas eu acho que viemos todos à procura de algo, e por alguma razão a nossa busca trouxe-nos aqui.
Terminou passando as costas da mão na face do Orlando, que sem tirar os olhos da Gabriela retorquiu:
– Eu só procurava alguém que me tratasse como uma pessoa, alguém que não deixasse a minha aparência fazer esquecer o facto de que por dentro sou um ser humano como os outros. E quer-me parecer que posso ter encontrado.
Terminou distendendo a boca no esgar que era o seu sorriso.
– Como é que conseguiste vir aqui ter sozinha? Perguntou o Octávio à Gisela.
– E de que é que vens à procura?
– Quando de é cego de nascença aprende-se a ver com os outros sentidos e, quando tudo falha a minha bengala não me deixa esbarrar nas coisas. Respondeu.
– E se vos disser do que venho à procura, vão achar que sou maluca.
– Só dizes se quiseres, naturalmente ninguém te vai obrigar, mas parece-me a melhor situação para partilhares a tua maluqueira, com o dia que estamos a ter hoje acho que está toda a gente com a mente aberta.
Respondeu a Gabriela em tom bem-disposto.
– Se querem mesmo saber, vim à procura de um som.
Continuou Gisela, e como se pudesse ver as expressões de interrogação nas faces dos seus companheiros, passou a tentar explicar.
– As pessoas que vêm têm o vício de pôr toda a confiança na visão. Ver é tudo, se não há algo que não conseguem ver, têm tendência para duvidar da sua existência. A audição também nos permite conhecer as coisas, sentir o mundo, e até mesmo construir imagens mentais dele. Não pensem na minha cegueira como um impedimento, mas como uma diferença, uma diferença que, como a tua Orlando, não nos torna menos humanos. E no meu caso, embora possa parecer incapacitante, a verdade é que me faz ter capacidades que vocês não têm, permite-me também ver as coisas e até algumas que vocês não vêm. Por exemplo…
Continuou adivinhando a pergunta que se materializava nas mentes dos outros.
– Há um riacho a cerca de um quilómetro nesta direcção, mais adiante há árvores, há um ninho com uma cria no topo desta árvore, e tu Octávio, tens 55 cêntimos no bolso! E sei isto tudo apenas pelo som. Toda a minha vida gira à volta do som e eu procuro um som em particular, um som que nunca ouvi antes mas que tenho a certeza que vou reconhecer!
Confirmando a precisão da informação sobre as moedas no seu bolso, o Octávio quebrou os segundos de silêncio que aconteceram depois da Gisela se calar.
– Espero sinceramente que o encontres!
E a Gisela sentiu a sinceridade nas suas palavras.
– E tu? Retorquiu.
– O que procuras tu?
– Eu só procuro o amor verdadeiro. Respondeu.
– Procuro, no fundo, algo não muito diferente do que o Orlando procura, procuro uma mulher que me ame pelo que sou e não pelo que eu aparento. De uma mulher que consiga dar mais importância à minha personalidade que ao meu físico. Olhando para a Gisela enquanto terminava a frase, pensou se não teria também já encontrado a pessoa que procurava, mas não partilhou este pensamento com os demais.
– Mas tu és todo bom, e tal, é?
Perguntou desinteressada a Gabriela perante o olhar incrédulo do Octávio.
– Bom… as mulheres têm uma forte tendência para achar que sim. Tu não achas?
– Para ser sincera não fazes bem o meu estilo. Sem querer ofender, acho-te demasiado banal
– Tudo bem! Respondeu o Octávio com um sorriso.
– Já é um começo!
Mas a verdade é que sentiu uma ponta de mágoa que foi afastada com sucesso pela carícia da Gisela, que passou a mão pela sua nuca parecendo que, como sempre, tinha a habilidade de sentir as emoções das pessoas mesmo sem conseguir ver as suas expressões faciais.
– Só faltas tu.
Disse o Octávio à Gabriela, tentando disfarçar o despeito que ainda perdurava.
– Eu lamento desapontá-los, mas a verdade é que eu, apesar de saber que vim à procura de algo, não sei o que é esse algo, só sei que sinto a sua falta na minha vida.
– Bom, o que é que fazemos agora? Perguntou o Orlando. – Já está a ficar de noite e a única coisa que eu tenho para comermos são estas maçãs que roubei num pomar lá atrás.
– Acho que vamos ter que passar a noite aqui, eu tenho aqui um pacote de bolachas e uma garrafa de água, dá para nos remediarmos até amanhã. Depois logo vemos o que fazemos. Respondeu a Gisela, colocando os seus mantimentos junto das cerca de dez maçãs. Todos concordaram e, após fazerem desaparecer os parcos mantimentos em amena conversa, vencidos pela exaustão da caminhada que todos tinham dado até ali, deixaram-se adormecer por lá, abrigados pela copa do grande cedro e ninguém se sentiu desabrigado ou desprotegido, aliás, sentiam-se mais em casa do que alguma vez já tinham sentido.
Na manhã seguinte, aos primeiros raios de sol, foram acordados pelos pássaros que num bando cada vez maior percorriam o céu matinal, formando figuras no ar como se de uma obra de arte viva se tratassem. A Gisela foi a primeira a sair de debaixo da copa do grande cedro e sentar-se a sentir o sol na cara movendo a cabeça no sentido do chilrear uníssono do bando que já somava milhares de indivíduos. Até onde ia a impressionante capacidade auditiva da Gisela, é impossível saber ao certo, mas podemos acreditar que ela conseguia, através do chilrear individual da cada pássaro formar uma imagem mental das formas que o bando ia tomando. Minutos depois estavam os quatro sentados lado a lado, de olhos fechados, sem ninguém dizer uma palavra, a sentir na face o calor do dia que começava. Passou certamente mais de meia hora até que o Octávio, provavelmente impelido pelo seu estômago, disse que precisavam de arranjar comida. Dado o insuficiente jantar do dia anterior, todos concordaram sem reservas e decidiram separar-se em dois grupos, um dos quais iria no sentido de onde o Orlando veio, onde era certo poderem pelo menos subtrair alguma fruta dos pomares espalhados, enquanto o outro iria no sentido do riacho para verificar se a água parecia potável, e tentar também explorar a mata em busca de alimento, onde certamente encontrariam, pelo menos, amoras e pinhões.
Não haveria naturalmente nenhum problema na definição dos grupos e a Gabriela tomou a iniciativa dizendo que ia com o Orlando aos pomares, e assim se separaram, cada casal com o seu destino.
Ao chegar ao riacho, a Gisela ajoelhou-se e debruçou-se cheirando a água. – Parece-me boa. Disse. – A mim também! Respondeu o Octávio já com os pés dentro de água. – E fresquinha! Ambos beberam e, depois de atravessarem o riacho, cuja água apenas lhes chegava à cintura na zona mais profunda, tomaram um débil pequeno-almoço de amoras da silva que pendia do outro lado. Avançaram pela mata e regressaram pouco mais de uma hora depois com a camisola do Octávio cheia com um sortido de amoras, medronhos, cerejas silvestres e pinhões. Ao regressarem ao riacho sentaram-se junto à água para descansar antes de voltarem ao grande cedro que, na situação em que estavam era o mesmo que voltar para casa. Sentaram-se ao lado um do outro, na margem do riacho à sombra de uma árvore que crescia quase na horizontal, invadidos pela tranquilidade do lugar. Depois de olhar para a Gisela durante algum tempo numa tentativa de discernir os seus sentimentos, colocou o braço à volta dos seus ombros, ao que ela respondeu aproximando-se dele e deitando a sua cabeça no seu peito. Foi aí que a sua vida mudou para sempre! Era o Som! Tinha a certeza que era! O batimento compassado do coração do Octávio percorria todo o seu corpo deixando uma sensação de plenitude. Não podia estar enganada, tinha encontrado o Som, a sua busca tinha terminado e sentia-se completa, feliz, mais feliz que nunca. Era aquele som que a preenchia, a peça que faltava no puzzle que era a sua vida. E ficaram ali, não sabem quanto tempo, sem dizer uma palavra, prolongando o momento em que se completaram.
Quando chegaram ao primeiro pomar, a Gabriela e o Orlando iam já de mão dada, o que para o Orlando era ainda uma sensação muito estranha.
Casualmente, quase como se estivesse a falar sozinho, disse:
– Acho que posso considerar que tive sorte. Viemos os quatro à procura de alguma coisa e parece que até agora fui o único a encontrá-la.
A Gabriela, virando-se de frente para ele e olhando bem fundo nos seus olhos e com tal intensidade que ambos deixaram escorrer uma lágrima, respondeu:
– Eu também já encontrei! E uniram-se num abraço que, por qualquer um deles, podia ter durado para sempre.
Não se sabe bem o que aconteceu depois, mas eu gosto de acreditar que eles ainda lá estão, a viver debaixo do grande cedro, e esse, esse está lá de certeza, e tem escrita no seu tronco e nos seus ramos a história de quatro pessoas que, fazendo dele a sua casa, encontraram o propósito das suas vidas. E consigo até imaginá-lo, daqui a muitos séculos, no centro de uma cidade cujos habitantes são fruto do mais puro amor.
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