terça-feira, 21 de junho de 2005

A voz

A voz gritava. Tão alto gritava que me fez olhar em volta para ver se mais alguém estaria a ouvir, mas não, toda a gente agia como se nada estivesse a acontecer, mas a verdade é que a voz gritava. Era um lamento de profunda angústia, pleno de solidão que me provocou um arrepio na espinha e me fez eriçar os pelos dos braços. Demorei alguns instantes a perceber que a voz que gritava vinha de dentro de mim. No instante em que me apercebi disto os gritos esmoreceram, como se fosse esse o seu objectivo, o de me fazer perceber que dentro de mim habitava uma entidade quase alheia. - Quem és? Pensei. E imediatamente soube. Era a voz que existe dentro de mim e que me conhece até ao mais ínfimo pormenor. Comecei por sentir-me vulnerável, aquela voz conhecia-me como nem eu próprio conhecia, senti-me frágil, exposto. Mas de seguida o sentimento transformou-se em culpa. A voz tinha sempre estado dentro de mim, abandonada e emudecida. Mas ela conseguiu libertar-se da minha indiferença e isso é que era o importante, ia poder aproveitar tudo o que ela tinha para me dar e nunca mais a iria ignorar. Senti um misto de vitória e derrota. Sabia que a voz me iria dizer coisas que eu não ia gostar de ouvir, sabia que ia discordar das opiniões da voz, no entanto, sabia que era ela que ia ter razão, sempre. Acima de tudo sabia que ela me ia ajudar a tornar-me, a cada dia, uma pessoa melhor; porque eu não me conheço, mas a voz sim, até ao mais ínfimo pormenor.

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