quinta-feira, 4 de agosto de 2011

Fado

Talvez o problema tenha começado muito antes de eu me aperceber, mas foi há coisa de uns meses que comecei a reparar que ela andava a olhar para mim de uma forma diferente. Comecei a apanhá-la a mirar-me com um ar desconfiado, que depois disfarçava, cada vez pior. Tentei por várias vezes saber o que se passava, mas nem por uma delas ela disse algo que pudesse lançar alguma luz sobre o que estaria a acontecer dentro da sua cabeça. Se ela tivesse falado comigo, talvez ainda tivesse sido a tempo de fazermos alguma coisa, de resolver a questão sem recorrer a medidas extremas. Mas isso não aconteceu. Quando consegui ter um vislumbre do real problema, já ele assumia proporções devastadoras.
Se me disserem que, mesmo não compreendendo o problema, devia ter tentado fazer alguma coisa, eu concordo, mas ingenuamente fiquei à espera que ela finalmente procurasse a minha ajuda. Sim, quando começou a manter uma distância mínima de dois palmos entre ela e eu, a nunca adormecer antes de mim, a deixar de falar comigo com excepção do estritamente essencial, eu devia ter percebido que tinha que intervir. Quando comecei a apanhá-la a dormir no sofá quando me levantava de noite, deviam ter soado alarmes.
Agora, sentado a ver o sangue a escorrer das minhas mãos, penso se teria sido isto que ela previu. Se calhar, por muito que tentemos abafar a nossa verdadeira forma, não conseguimos escapar ao nosso destino.