quarta-feira, 25 de novembro de 2009

Arte #3

A tua calma, apesar de conseguir contagiar um bocado, não deixa de ser desconcertante, disse o recém-chegado, sentando-se ao lado da mulher, como é que consegues estar sempre tão tranquila? Por acaso ganho alguma coisa em enervar-me, em andar em constante amargura? Perguntou pacatamente a mulher, inclinando a cabeça na direcção do velho ao proferir a última frase. Não, de facto não, respondeu o recém-chegado. Pois, continuou a mulher, não ganho nada e, como a forma como lido com a nossa situação não tem qualquer influência na realidade, acho que mais vale manter a calma e aceitar o destino. O que é que ele ganhou com a inconformidade? Concluiu olhando directamente para o velho. Nada, não ganhei nada, gritou o velho lá do fundo no seu quase constante tom agressivo, mas eu não escolho reagir assim, vocês falam como se fosse uma opção e não é. Achas que me faz sentir bem ter este turbilhão dentro de mim que só me deixa pensar nas atrocidades que faria ao filho da puta se o apanhasse? Perguntou amargamente o velho. Não faz, mas é o que me mantém vivo. E cada vez acredito mais que isso não é uma vantagem. Cada vez acredito mais que não ganho nada em manter-me vivo, mas não consigo controlar esta revolta. Se quiseres ter a amabilidade de partilhar o teu segredo, sou todo ouvidos, concluiu sarcasticamente. Não tenho um segredo, nenhuma fórmula mágica, respondeu a mulher com amabilidade, apenas racionalizo a situação e, ao perceber que não há nada que eu possa fazer para mudar a minha situação, conformo-me. É a forma como funciono, apenas isso. Não achas que esse conformismo está num patamar próximo da abjecta cobardia? Perguntou o velho no mesmo tom sarcástico. Não achas que isso é aquilo a que as pessoas chamam sangue de barata? O recém-chegado desviou rapidamente o olhar para o rosto da mulher na esperança de apanhar algum esgar repentino que lhe provasse que conseguia ter emoções. Desejou ver alguma expressão de desagrado face às palavras do velho, fá-lo-iam respeitá-la mais, já que também não concordava com tal apatia, mas isso não aconteceu. A mulher manteve-se impávida e esboçou até um sorriso ao responder. Se houvesse algo que eu pudesse fazer e eu tivesse esta atitude, sim, seria cobardia, sangue de barata ou aquilo que lhe quiseres chamar, disse, mas não havendo, parece-me mais uma postura inteligente do que cobarde. Tens alguma ideia? Perguntou, intrépida, a mulher. Se achas que há alguma coisa que eu possa fazer para nos ajudar, partilha, por favor. O velho grunhiu e virou-se de costas. Foi o que eu pensei, continuou, nesse caso acho que não tens argumentos para criticar a minha postura. Já que vou morrer, ao menos não vou viver todo o tempo que me resta até lá aterrorizada por isso. Acho até que já nada me aterroriza. Achas mesmo que não há absolutamente nada que possamos fazer? Perguntou, desalentado, o recém-chegado. Olha à tua volta, respondeu a mulher, e conta-me qualquer ideia que tenhas.

Após alguns minutos a percorrer a cela com o olhar, o recém-chegado compreendeu a mulher. Não havia nada. Nada que pudesse ser usado como arma, nada que permitisse a alguém acabar com a própria vida, nada. Invadido por uma tristeza avassaladora, deitou-se em posição fetal e ali ficou até finalmente adormecer.

2 comentários:

Anónimo disse...

Fight !!! Funnyanalana

Anónimo disse...

Fight !!! Funnyanalana