sexta-feira, 13 de fevereiro de 2009

Presenças #3

A porta dava directamente para uma sala tenuemente iluminada à luz de velas, aleatoriamente espalhadas. As paredes, inicialmente brancas, apresentavam uma gradação de tom cinzento acastanhado que se propagava até ao tecto, provavelmente devida à utilização continuada de velas e incensos. Um aroma de especiarias preenchia a divisão e tive a sensação que teve em mim um efeito calmante. A única decoração visível consistia em três grandes máscaras africanas, esculpidas em madeira, suspensas no que parecia ser o centro geométrico exacto de cada uma das restantes paredes. Junto à parede do fundo, entre dois armários de vidro, encostados aos cantos, que permitiam vislumbrar dezenas de frascos e caixas de várias formas e tamanhos no seu interior, perto de uma dezena de almofadas formava um círculo no chão. Sentada sobre a maior de todas, virada na nossa direcção, estava uma enorme crioula. O seu cabelo, constituído por centenas, talvez até milhares, de finas tranças, caía-lhe sobre os ombros e amontoava-se à sua volta, tornando a sua silhueta algo disforme. Um enorme pano, de padrão abstracto em tons de preto e verde vivo, enrolava-se à volta do seu volumoso corpo, deixando-lhe os ombros nus mas cobrindo-a quase até aos pés. Estava sentada de pernas abertas, com os pés descalços, gretados e de aspecto áspero, assentes no chão. Os antebraços estavam poisados nos joelhos e a cabeça inclinada para a frente. Olhava fixamente para um quadrado de tecido, repleto de símbolos semelhantes aos que tinha visto na porta, esticado no chão à sua frente, onde se espalhavam variados objectos que não consegui distinguir. Sem uma palavra, encostando a palma da mão direita à zona inferior das minhas costas, a minha tia conduziu-me a uma das almofadas mais próximas da mulher, onde me convidou a sentar, esticando a mão esquerda na sua direcção. Aquiesci. Com uma agilidade surpreendente para uma pessoa de tal idade, a minha tia sentou-se na almofada oposta, deixando-me realmente boquiaberto. A minha nova posição permitiu-me perscrutar o conteúdo do armário no canto oposto a mim e os meus olhos arregalara-se ao incidirem sobre um frasco, de aspecto antiquíssimo, onde pairava envolta num líquido amarelado o que reconheci como uma mão humana, com unhas longas e encurvadas. A palma aberta, virada para mim, tinha desenhado um símbolo que, apesar de não ter conseguido identificar, me pareceu estranhamente familiar. A minha atenção no arrepiante artefacto foi desviada quando, lentamente, a enorme crioula levantou a cabeça, cumprimentou a minha tia com um aceno de cabeça quase imperceptível e fixou os seus grandes e negros olhos em mim.

2 comentários:

Funny Analana disse...

Cuidado com a Cuca que a Cuca te pega...te pega daqui e te pega de lá...

anjoazul disse...
Este comentário foi removido pelo autor.