sexta-feira, 14 de novembro de 2008

Magia 3/4

Estás particularmente bem-disposta hoje, disse Joaquim ao jantar, enquanto se servia. É verdade, retorquiu Maria, não sei bem porquê, mas sim, estou. Tenho pena, mas hoje não vou poder usufruir da tua boa-disposição, combinei ir ver o jogo com o pessoal. Tudo bem, não faz mal, eu não me importo de estar bem-disposta sozinha, disse Maria com um sorriso tão genuíno que fez Joaquim franzir uma sobrancelha. Passa-se alguma coisa, perguntou. Não, nadinha, respondeu Maria tentando controlar o contentamento por ter a possibilidade de fazer outra incursão pela pequena porta.

Poucos minutos depois de Joaquim sair, já Maria olhava ansiosa para a pequena porta. Não demorou mais que alguns instantes a, decidida, irromper porta adentro para descobrir que, ao contrário do que esperava, não estava na gruta onde tinha saído antes mas no que parecia ser um bosque. Olhou para trás e viu que a porta estava no tronco de uma grande árvore.

Também vieste para o baile, perguntou uma vozinha. Maria, intrigada, olhou à volta sem ver ninguém. Aqui em baixo. Maria olhou para baixo e abriu um enorme sorriso ao reparar num pequeno ouriço-cacheiro. Olá, eu sou a Maria, disse divertida. Que baile é esse, perguntou. Peço desculpa pela indelicadeza de não me ter apresentado, Osvaldo Riço, ao dispor. Muito prazer, respondeu Maria sem conseguir tirar da cara o sorriso incrédulo. Não vieste para o baile, perguntou o ouriço Osvaldo. Não, por acaso vinha só para passear, mas que baile é esse, não fui convidada, respondeu Maria tentando dar alguma tristeza às palavras. Que baile é esse, repetiu o ouriço atónito, que baile haveria de ser, o baile no bosque, naturalmente, e ninguém precisa de convite para o baile no bosque. Que bom, então adorava ir também. Calha bem porque já estamos atrasados, mas, se me deres boleia, com umas pernas desse tamanho de certeza que chegamos lá num instante. Vamos lá então, disse Maria enquanto, com muito cuidado, pegava no ouriço Osvaldo e seguia caminho. Pouco tempo depois, seguindo as indicações do ouriço, a música que começaram a ouvir disse-lhes que estavam perto.

Ao chegar à clareira onde estava a decorrer o baile os olhos de Maria arregalaram-se de um misto de estupefacção e euforia. Dezenas de animais dançavam alegremente ao maravilhoso som de uma banda de elfos e sátiros. Ficou literalmente paralisada de queixo caído a olhar para a fenomenal cena, que podia muito bem ter nascido da imaginação de La Fontaine.

Caros amigos, disse Osvaldo ao acercar-se do magote, temos hoje o raro privilégio da companhia de um humano adulto, peço-vos que a façam sentir acolhida, já deu para reparar que ela já não está habituada a estes bailes. Esta é a Maria, concluiu. Olá Maria, cumprimentaram em coro os animais. Olá a todos, retribuiu Maria, obrigado por me receberem neste vosso divertido baile. Vem, dança connosco, disse um urso estendendo-lhe a pata. Maria esticou a mão e num ápice deu por si numa roda, dançando alegremente com a miríade de animais que se divertia no baile. Muitas voltas depois, cansada, Maria saiu da roda e sentou-se encostada a uma árvore.

Então, estás a gostar? Maria virou a cabeça na direcção da voz. Uma enorme iguana descansava ao seu lado. Estou simplesmente a adorar, respondeu excitada Maria. Maria, não é? Sim. Chamo-me Isabel, e apesar de não ser muito de danças, não perco um baile no bosque, gosto da oportunidade de conversar com outros animais. Muito prazer, Isabel, deixa-me adivinhar, o teu apelido é Guana, certo? A iguana Isabel olhou-a espantada. Como é que sabes, perguntou desconfiada. Foi um palpite sortudo, respondeu alegremente Maria. Eu também estou a gostar muito de poder conhecer animais tão interessantes, continuou, desviando o assunto, está a ser um verdadeiro deleite. Sabes, é pena, mas não costumamos ter muitas visitas de humanos adultos, só as crianças é que normalmente cá vêm. Pois, é pena, mas tenho a certeza que muitos adorariam vir, só que não devem saber o caminho. Pois, eu já tinha ouvido dizer que os humanos têm uma péssima memória.

Apercebendo-se que tinha já perdido a noção do tempo que tinha passado, pediu licença à iguana Isabel e levantou-se. Muito obrigado caros amigos, disse dirigindo-se aos outros, foi verdadeiramente fantástico mas tenho que ir. Adeus Maria, até à próxima, responderam os animais em coro. Prometo que vou voltar, disse ainda Maria enquanto iniciava a curta caminhada de volta à grande árvore, onde atravessou a pequena porta de regresso.

Assim que acabou de voltar a encostar o armário à parede ouviu Joaquim a entrar. Mesmo a tempo, disse alegre para si própria. Maria, chamou Joaquim ao entrar em casa. Aqui, respondeu ela descendo as escadas, ainda com resquícios de estupefacção no rosto. O que se passa, porquê essa cara, perguntou ele. Maria teve uma enorme vontade de partilhar com Joaquim as suas experiências recentes, mas sabia que, não vendo nada do que ela via, nunca iria acreditar, mais, iria certamente pensar que não estaria boa da cabeça. Não se passa nada, está tudo bem. Joaquim não acreditou, mas não insistiu.

9 comentários:

Canuca disse...

Algumas coisas perdem-se pelo caminho...uma dessas coisas é a capacidade de "viajar" ;)...

AP disse...

Fonix, ainda tive esperança que fosse o Oscar Guana, bem que o podias ter posto aqui com a cabecita de fora, num bar das docas, a ver um concerto dos Catita! Que, vendo agora a cena com a devida distância do tempo, tem quase tanto de surreal como esta bonita história :)

Nota - O Lewis Carroll consta que sim, mas não sei se o La Fontaine dava tambem nos acidos ;)

Rodovalho Zargalheiro disse...

Ainda bem que coiso, AnjoAzul :)

Eu acho que a capacidade de "viajar" nunca desaparece, Canuca, o que se perde é talvez o interesse ou a vontade, mas sinceramente não consigo perceber porquê...

E obrigado AP por me fazeres lembrar dessa noite surreal (como normalmente são :) De facto, o Óscar merecia a homenagem, será a próxima iguana que entrar numa história minha :)
Ya ya, devia dar-lhe pouco, devia... :D

anjoazul disse...

...pensava que os catita já só tocavam no maxime...hm

AP disse...

Já foi há uns anitos esta noite, há mais de 10 seguramente, de qualquer das formas eles não tocam noutros sitios, tirando uma queima ou uma latada de vez em quando, porque ninguém os contrata...

Rodovalho Zargalheiro disse...

Pois... é pena. Mas é capaz de ter alguma coisa a ver com a forma como os concertos normalmente acabam... E o facto de depois ninguém o conseguir tirar do palco também deve ajudar :D

Mas segundo consta, ele está um homem mudado, afinal, tem quase 50 anos :)

Rodovalho Zargalheiro disse...

E isso de a noite ter sido há mais de 10 anos só não me faz sentir velho porque sei que a minha porta ainda lá está atrás do armário :)

AP disse...

pois...faltas aos treinos :) Bora ver os gajos amanhã :)

Rodovalho Zargalheiro disse...

As minhas tendências ermitas... :)

Eu até gostava, mas isso é capaz de interferir com o orçamento para os MM em Barcelos. E eu queria tanto trazer um galo...