sexta-feira, 14 de novembro de 2008

Magia 2/4

Assim que abriu os olhos, sem qualquer controle da sua parte, lembrou-se da pequena porta por detrás do armário da casa-de-banho. O silêncio dizia-lhe que Joaquim tinha já saído. Algo hesitante, pé ante pé, dirigiu-se para a casa de banho e parou a olhar desconfiadamente para o armário enquanto mordiscava nervosamente a unha do dedo médio da mão direita. Cautelosamente aproximou-se e tentou espreitar por trás do armário mas não conseguia ver nada. Encheu-se de coragem e afastou finalmente o armário da parede e o seu coração disparou ao ver a porta. Simples, de madeira visivelmente envelhecida, apenas com um orifício a servir de puxador e tão pequena que mesmo de gatas teria alguma dificuldade em passar. Tentou acalmar-se recordando o velho ilusionista. Pensou que se estivesse mesmo sob alguma forma de hipnose, a porta seria apenas uma alucinação, que se a tentasse abrir deparar-se-ia com uma parede. Aproximou-se devagar e depois de, sem sucesso, ter tentado vislumbrar algo através do orifício, aproximou o dedo, confiante que constataria que tudo não passava de uma ilusão e que o dedo embateria na parede. Quando o dedo atravessou o buraco, um formigueiro subiu-lhe pela coluna vertebral e com um movimento brusco retirou a mão. Começava a duvidar dos seus sentidos, sabia perfeitamente que nunca tinha ali existido nada e no entanto lá estava a porta. Ponderou alguns minutos depois do que, resoluta, empurrou a porta com força e deu um passo atrás. A luz do outro lado era muito ténue e não permitia distinguir muito, mas aparentava ser uma gruta. Não correrá qualquer risco, não correrá qualquer risco, repetiu mentalmente as palavras do prestidigitador enquanto se espremia através da pequena porta.

O medo começou a ceder à beleza do local. Estava numa enorme galeria do que parecia ser uma gruta, o tecto era altíssimo, no entanto, as formações rochosas não se assemelhavam a nada que tivesse já visto em qualquer outro sítio. As estalagtites e estalagmites tinham formas retorcidas e cresciam em todas as direcções, as poças e pequenos lagos no chão formavam padrões intrincados e a luz ambiente, da qual não conseguia perceber a origem, apresentava suaves variações de côr. É impossível este sítio existir, disse alto e a sua voz ecoou pelo espaço reverberando estranhamente nas paredes. Estava tão maravilhada com o local que já não se preocupava minimamente se era real ou não.

Curiosa e decidida a explorar as redondezas, atravessou a galeria e seguiu por um túnel que a conduziu a outra galeria mais pequena onde um lago de água borbulhante libertava um exótico e agradável aroma. Ouvia ao longe sons de animais, alguns que julgou serem de morcegos, mas havia outros que não conseguia identificar com nenhum animal que conhecesse. Seguiu por túneis e galerias, tentando memorizar o caminho para o regresso e acabou por chegar a um espaço onde, como se estivesse fundido com a própria rocha, vislumbrou um muro que não podia ser natural. Uma parede de blocos de pedra geométricos e ordenados que pareciam nascer da base rochosa. Aproximou-se cautelosamente mas gelou ao ouvir ruído por trás de si. Virou-se e quase desmaiou ao deparar-se com uma gigantesca criatura, algo como um ogre saído de uma qualquer história fantástica, que bramia um pau aproximadamente do tamanho de Maria. Sem sítio por onde escapar, ao ver a criatura elevar o pau acima da cabeça, Maria pensou que os seus dias terminariam ali, mas, como que caído do céu, ou neste caso do tecto, eis que com um sonoro relinchar aparece um imponente cavaleiro, de cavalo branco e armadura resplandecente, empunhando uma enorme espada. Vai-te, vil criatura, não te atrevas a importunar essa doce donzela, disse o cavaleiro. Maria, apesar do pânico, conseguiu ainda ruborizar nas maçãs do rosto e esboçar meio sorriso. A criatura hesitou, mas rapidamente decidiu que a parca refeição que Maria proporcionaria não valia o risco e acabou por se retirar, desajeitado, a correr. O cavaleiro desmontou e, colocando um joelho no chão, a espada à sua frente com a ponta também no chão e as mãos sobre a extremidade do punho, apresentou-se com reverência. Obrigado por me ter dado a honra de a defender, melíflua donzela, disse. Maria corou integralmente e lá conseguiu dizer, sem gaguejar muito, que ela é que devia estar agradecida. Permita-me que a transporte para a segurança, continuou o cavaleiro, esta masmorra não é um lugar adequado para uma dama, principalmente uma tão bela e formosa. Se é que tal era possível, Maria ficou ainda mais vermelha, mas instintivamente entrou na onda. Fico-lhe eternamente grata, gentil senhor, foi verdadeiramente uma sorte ter aparecido tão nobre e bravo guerreiro para me salvar das garras daquele monstro infame. Não é mais que o meu dever, bela senhora, com a sua permissão, disse ainda o cavaleiro enquanto, sem qualquer esforço, pegava em Maria pela cintura e a colocava sobre o dorso do cavalo. Montou depois por detrás dela e com um quase imperceptível toque dos seus calcanhares, o cavalo seguiu a passo até à pequena porta.

Está entregue, bela senhora, atravesse e estará em segurança, disse o cavaleiro quebrando o silêncio. Desmontou, e com extrema suavidade retirou Maria do cavalo e colocou-a no chão. Probo senhor, como poderei agradecer tal obséquio, perguntou Maria que, sem medo e sem questionar a realidade dos acontecimentos, conseguia já estar a divertir-se com a situação. O cumprimento do meu dever de proteger os inocentes é agradecimento mais que suficiente, doce donzela. Com a sua licença, continuou enquanto voltava a montar o seu imponente corcel, retiro-me em busca dos fracos e dos oprimidos. Mais uma vez obrigada, espero que os nossos caminhos se voltem a cruzar, disse ainda Maria enquanto se acercava da pequena porta. Nada é impossível, respondeu o cavaleiro ao mesmo tempo que dava meia volta. Depois desapareceu para dentro da gruta e Maria espremeu-se de volta através da pequena porta.

3 comentários:

Canuca disse...

A curiosidade pode matar, mas tb nos pode trazer coisas mágicas ;)....

AP disse...

"Montou depois por detrás dela"

...Som de alguém a pigarrear vindo não se sabe muito bem de onde...

- História para crianças, yeah right :P

Rodovalho Zargalheiro disse...

:D

Confesso que também esbocei um sorriso malandro quando escrevi essa frase ;)