terça-feira, 22 de fevereiro de 2011

Estrada

Tranquilamente, interiorizando a atmosfera pura da montanha, o Alfredo dirigiu-se para o seu carro e pôs-se à estrada. Era das coisas de que mais gostava, pôr-se à estrada, provavelmente a que lhe proporcionava uma maior paz interior, uma maior satisfação. Sim, podemos mesmo dizer que não havia nada de que o Alfredo gostasse mais que iniciar uma viagem. Excepção feita, claro, às viagens que o levavam de volta a casa (não estão, naturalmente, sequer a ser consideradas viagens para o emprego).
Embora curto, o caminho era suficientemente tortuoso para proporcionar a esperada sensação de bem-estar. Pachorrento e com um sorriso nos lábios, acendeu um cigarro e, abrindo caminho por entre a escuridão através da serpenteante estrada, deixou-se lentamente absorver pela serra.
Pois que a partir deste dia, nunca mais ninguém viu o Alfredo. O carro foi encontrado à beira da estrada, com a porta aberta, perto de um caminho que se dissipava floresta adentro.
Não demorou muito até a canalha começar a contar que o diabo lhe apareceu ao caminho e o transformou num grande lobo. Espalhou-se tanto a história do Alfredo que há já mesmo quem jure que, em noites de lua cheia, ouve o seu lamento solitário à procura do seu lugar.

19 comentários:

Nawita disse...

Oh não, teve um encontro do 3º grau!
(também pode ter falhado o degrau)

Pois, vêm como é perigoso andar pela serra à noite? Quem mandou parar o carro?
Não parar, nem abrir janelas, é assim que se sobrevive à estrada na serra.
A mim é que não me apanham.

Rodovalho Zargalheiro disse...

Olha, eu, na madrugada de 1 de Janeiro de 2010 lá estava, sozinho em plena serra escura, extremamente ébrio a mudar um pneu (longa história). Não me apareceu ninguém...

A disse...

lamento, ou urro de contentamento?

Nawita disse...

RZ,
claro! ainda tinham que te ajudar a mudar o pneu e ouvir a tua história, antes de te abduzirem/comer/roubar (o carro, porque um orgão é que não me parece :p).

Rodovalho Zargalheiro disse...

Pois que tocaste no cerne da história, A :)
Será que era o que ele realmente queria? Será que não? Será que era o que ele pensava que queria mas que depois percebeu que afinal não era? Terá vendido a alma? Terá apenas tropeçado e batido com a cabeça sendo depois completamente devorado por hienas?...

Rodovalho Zargalheiro disse...

Pois é, Nawita. E é do conhecimento geral o chato que eu me torno quando estou demasiado alcoolizado ;)

Nawita disse...

Chato? Já vi foi saltares para a pista de dança e curares os teus 2 pés chatos :p

hienas? que serra é essa?

Rodovalho Zargalheiro disse...

Pois, Nawita... É pior quando acaba a noite, não há comida e há pessoas que não querem andar uns míseros 6 ou 7 quilómetros para ir a uma roulotte :)

Não conheces a hiena lusitana? É facilmente distinguível das demais pela luxuriante pelagem nas axilas.

Isa disse...

Não percebo ... se era um urro de lamento, à procura do seu lugar, não podia ter ficado por aqui mesmo??

no meio dos outros lobos todos, nós? não? hã? porquê? não tou a ver porquê ...

A disse...

é, então, uma história sobre como as pessoas são umas insatisfeitas que nunca estão bem com nada. curti! :)

Rodovalho Zargalheiro disse...

Ó Isa, isso é o que as pessoas dizem. Sabem lá as pessoas se o urro é de lamento ou de carência sexual, ou até, se calhar, pode ser porque lhe dói aquela parte que fica ali na parte de dentro do joelho mas um bocadinho mais para o lado. Quem sabe?...
E o homem ia para uma festa duas aldeias acima e contava voltar mais dia menos dia. Sabia lá ele que lhe ia acontecer aquilo.

Isa disse...

Se não me falou a leitura, meu amigo, nada ali diz que ele não se embrenhou floresta adentro por iniciativa própria!


exijo explicações! se quer urrar, que urre onde urra todá gente! ora essa ...

Rodovalho Zargalheiro disse...

Bom... Pelo menos é uma história, A. Do resto já não sei muito bem :)

Sim, a ideia era incidir sobre a questão de, por vezes, quando obtemos o que achamos que queremos, acabamos por concluir que estávamos melhor antes. Não espalhes, que eu não gosto nada de condicionar a interpretação alheia dos meus textos. ;)

Rodovalho Zargalheiro disse...

Pois não, Isa, mas também nada ali diz que ele não foi arrancado à força do carro por pequenos demónios voadores de nariz pontiagudo, olhos pequeninos, língua bífida, sorriso cruel e com uns corninhos daqueles tipo bode...

Em que é que ficamos, então? :)

Isa disse...

Não estou a perceber, Rodovalho, porque cargas d'água me trazes tu agora o ministro das finanças pra este assunto. Assim confundes-me.

Lá a ver: a porta do carro estava aberta, pode ter sido retirado à força, ou não. Urra como se não houvesse amanhã.
Ora se a 1ª hipótese deixa margem pra dúvidas quanto a um eventual rapto, tal é imediatamente dissipada pelo tipo de urrar! porra! pois se é um lamento e o gajo não volta pró carro e pronto, só se pode concluir que esse gajo não está é bem em lugar nenhum.

Um descontente, por conseguinte.
Com a mania de querer ser diferente.

só isso.

armado em tresmalhado. pronto.

A disse...

é por causa de discussões assim que os escritores já não querem nada com as sessões de autógrafos.

Isa disse...

ahahahahahahaha

Rodovalho Zargalheiro disse...

:)

A minha sorte é não ter nenhum editor a impedir-me de enxovalhar o público :)

Ó Isa... Francamente... :) Não diz ali em lado nenhum que os urros, que as pessoas que juram ser os do Alfredo, ouvem são mesmo do Alfredo. Eu cá por mim acho que o Alfredo foi acolhido como um deus por uma tribo de amazonas pigmeias (?) e nunca mais quis sair de lá.

E, para evitar futuras discussões, sempre que algo não fizer sentido num texto meu, foi um feiticeiro maléfico.

Isa disse...

Como não faz sentido??

texto que se preze deixa sempre a porta da imaginação aberta ao leitor.

Amazonas pigmeias ... huuummm:)