segunda-feira, 30 de janeiro de 2006

Afiar as garras - Um ano de Tertúlia dos Néscios

Pois é verdade. Esta nossa tertúlia de néscios fez um anito! Parabéns para nós! :) (o post vem atrasado, mas sexta foi um dia complicado…)
E pronto, não há muito mais a dizer, a não ser que a criação deste blog foi um grande passo para desenvolver o espírito criativo e desatrofiar um bocado.
Lixo? Sim, certamente haverá por aqui muito, mas também não acredito que seja só lixo, e, independentemente de ser ter escrito aqui alguma coisa de jeito ou não, este ano de tertúlia foi, pelo menos, excelente para “afiar as garras”.
Gostava de aproveitar também este post comemorativo do primeiro ano de Tertúlia dos Néscios para convidar os visitantes a intervir, deixando aqui os vossos comentários sobre este ano de blog. Sede implacáveis!

quarta-feira, 25 de janeiro de 2006

A minha aranha

Há já vários meses que vive uma aranha no meu espelho retrovisor. Só a vi umas duas ou três vezes, mas pelas alterações e inúmeras reconstruções na teia sei que ela lá anda. Na última vez que lavei o carro, que curiosamente foi a primeira (e que foi uma canseira e que já nem se nota…), lá consegui não a violentar e lá continua ela. Não me estou a desculpar de nada, admito até que o meu carro provavelmente estaria igualmente imundo se a aranha não estivesse lá, mas não consigo confiar na preocupação que os senhores lavadores de carros possam ter pelo bem-estar da minha aranhita. Além do mais solicitar que tivessem o cuidado de não matar a aranha seria considerado, no mínimo, excêntrico. Lavagens automáticas estão, naturalmente, fora de questão... Vamos lá ver se vem uma chuvada...

A verdade!

A verdade, sempre a verdade, toda, toda!
Não à negação, não à falsidade,
Nunca a mentira, por mais confortável que seja
Seja inofensiva ou piedosa,
Seja branca, branca suja ou cor-de-rosa.
Antes a dor penetrante da realidade!

quinta-feira, 19 de janeiro de 2006

Ode triunfal

É curioso como o mesmo texto consegue dizer-nos coisas tão distintas em fases diferentes da nossa vida. Estava eu ontem a pensar em engrenagens quando me lembrei de um poema de Fernando Pessoa, ou mais especificamente de Álvaro de Campos, que me ficou gravado na memória pela curiosa conjunção de dois factores, o facto de estar no livro de português de um ano qualquer e o facto de ter um colega que trocava os rr pelos gg. Quem ler o poema, que deixarei abaixo, compreenderá... Ó gódas, ó engguenagens, g-g-g-g-g-g etegno! Foi de facto um belo momento. No entanto lê-lo hoje, passados uma porrada de anos (porra... tantos...), foi uma experiência completamente diferente... e não me apetece desenvolver.

Ode triunfal

À dolorosa luz das grandes lâmpadas eléctricas da fábrica
Tenho febre e escrevo.
Escrevo rangendo os dentes, fera para a beleza disto,
Para a beleza disto totalmente desconhecida dos antigos.
Ó rodas, ó engrenagens, r-r-r-r-r-r eterno!
Forte espasmo retido dos maquinismos em fúria!
Em fúria fora e dentro de mim,
Por todos os meus nervos dissecados fora,
Por todas as papilas fora de tudo com que eu sinto!
Tenho os lábios secos, ó grandes ruídos modernos,
De vos ouvir demasiadamente de perto,
E arde-me a cabeça de vos querer cantar com um excesso
De expressão de todas as minhas sensações,
Com um excesso contemporâneo de vós, ó máquinas!
Canto, e canto o presente, e também o passado e o futuro.
Porque o presente é todo o passado e o futuro.
Ah, poder exprimir-me todo como um motor se exprime!
Ser completo como uma máquina!

Engenhos, brocas, máquinas rotativas!
Eia! eia! eia!
Eia electricidade, nervos doentes da Matéria!
Eia telegrafia-sem-fios, simpatia metálica do Inconsciente!
Eia túneis, eia canais, Panamá, Kiel, Suez!
Eia todo o passado dentro do presente!
Eia todo o futuro já dentro de nós! eia!
Eia! eia! eia!
Frutos de ferro e útil da árvore-fábrica cosmopolita!
Eia! eia! eia, eia-hô-ô-ô!
Nem sei que existo para dentro. Giro, rodeia, engenho-me.
Engatam-me em todos os comboios.
Içam-me em todos os cais.
Giro dentro das hélices de todos os navios.
Eia! eia-hô eia!
Eia! sou o calor mecânico e a electricidade!
Eia! e os rails e as casas de máquinas e a Europa!
Eia e hurrah por mim-tudo e tudo, máquinas e trabalhar, eia!
Galgar com tudo por cima de tudo! Hup-lá!
Hup-lá, hup-lá, hup-lá-hô, hup-lá!
Hé-lá! He-hô Ho-o-o-o-o!
Z-z-z-z-z-z-z-z-z-z-z-z!
Ah não ser eu toda a gente e toda a parte!

Evolução

Lá passei mais uma fase importante da minha vida! Após alguma evolução intelectual no sentido de tentar compreender as pessoas em vez de as julgar, achei que começava a compreender as mulheres. Muito contente com o meu progresso como pessoa, tenho o prazer de anunciar que atingi mais um patamar da vida. Acho mesmo que atingi uma fase de grande maturidade em que as ilusões se desvanecem. Não compreendo as mulheres!!!

quarta-feira, 18 de janeiro de 2006

Human Behavior

"If you ever get close to a human
And human behaviour
Be ready to get confused
There's definitely no logic
To human behaviour
But yet so irrestible
There's no map
To human behaviour
They're terribly moody
Then all of a sudden turn happy
But, oh, to get involved in the exchange
Of human emotions is ever so satisfying
There's no map
And a compass
Wouldn't help at all
Human behaviour "


Human behaviour

bjork

sexta-feira, 13 de janeiro de 2006

Os ratos

Ontem fui pela primeira vez mandado parar pela guarda. O senhor agente foi muito simpático, a bela da continência, os documentos por favor, tive que esventrar o porta-luvas para encontrar o papel da inspecção, mas tudo estava a correr bem, pensava eu. Felicitei-me por ter colocado minutos antes um CD de Trovante, o senhor agente pareceu-me fazer parte do “povo simples”, usando a terminologia do senhor professor doutor Aníbal, estava certo que tinha marcado pontos. Certamente se eu tivesse deixado o CD de Devil Doll teria sido logo catalogado como delinquente e teria um tratamento de acordo. Agradeci mentalmente ao piqueno por espalhar brinquedos no carro, sempre dá aquele aspecto de pai de família, o homem não vai querer passar-me uma multa correndo o risco de estar a tirar o pão da boca das crianças, ponderava eu enquanto o simpático agente dava a volta ao carro, examinando cuidadosamente os selos expostos no pára-brisas.
- O senhor sabe que lhe falta um médio? Ainda por cima o do lado esquerdo. Sabe que não pode circular assim?
- Falta? Perguntei eu com ar espantado. Pois não me tinha ainda apercebido, são coisas que acontecem... Retorqui perguntando-me quando é que ele dizia qualquer coisa como "Pronto, então não se esqueça que tem que tratar disso. Boa viagem".
Contra as minhas expectativas, o senhor agente não me mandou seguir, em vez disso foi novamente para a frente do carro e aconselhou-me a desligar e ligar novamente as luzes, acto que foi respondido com um abanar de cabeça da parte dele. Lá me decidi a sair do carro, dei uns piparotes no farol dizendo:
- Sim, de facto falta-me um médio, tenho que tratar disto...
- Se o conseguir pôr a funcionar... Respondeu o senhor agente.
Foi aí que a dura verdade me atingiu! Ele ia mesmo multar-me! Debaixo daquele jeito simpático estava, qual exterminador, uma pessoa implacável, pensei. Creio ter tido a reacção normal na situação, ou seja, desatei ao murro ao farol com todas as forças do meu ser e eis que se faz luz!
- Sargento, hoje não nos safamos! Disse, com um sorriso genuíno, o senhor agente para o seu superior
- Então mas nós somos polícias ou mecânicos? Perguntou o sargento, também com relativa boa disposição. Pronto, se reuniu condições para circular, pode seguir.
Ainda ficámos os três um bocado na galhofa a desfrutar a situação, mas curiosamente o senhor agente parecia deveras satisfeito, quase tanto como eu, satisfação que eu compreendi quando me devolveu os documentos dizendo:
- Você teve sorte, não era por mim, mas ali o sargento não perdoa, ia mesmo ter que o autuar. Mas já é o segundo que mandamos parar com falta de um médio e o outro também se safou da mesma forma, disse de uma forma que deixava perceber que estava muito contente com o facto. Agradeci, ao senhor agente e ao São Cristóvão e, com uma calorosa despedida o senhor agente parou o trânsito para eu entrar e segui viagem.
Afinal parece que sempre há ratos bacanos!

quinta-feira, 12 de janeiro de 2006

Combater fogo com fogo

Mas qual é a lógica de combater fogo com fogo, se eu quero combater o fogo é porque não concordo com a sua existência. Não será então um paradoxo servir-me de algo que vai contra as minhas convicções? Não me torna igual àquilo que pretendo combater?
Existe um post nesta nossa tertúlia que nos faz aparecer numa pesquisa por “olho por olho dente por dente” e curiosamente temos vários hits através dela. Porque é que esta pesquisa é tão efectuada? Não sei ao certo a resposta, mas tenho a seguinte teoria: A maioria das pessoas que efectua a pesquisa em questão pretende provar a outrem que, de facto, a famigerada frase está mesmo na bíblia, numa tentativa de, adivinho, justificar o facto de se reger, erradamente na minha opinião, por tal máxima. Parece-me o mesmo paradoxo, combater uma coisa que não estamos de acordo recorrendo exactamente a essa coisa. Se eu acho mal que me tirem um olho também deveria achar mal ser eu a tirá-lo, e o facto de me vingar não me traz o meu olho de volta. Então se não estamos de acordo não deveríamos, antes de combater o alvo da nossa discórdia, preocupar-nos primeiro em não nos tornarmos iguais àquilo que repugnamos. Se eu sou contra a violência não posso combatê-la com mais violência, não só pelo facto de estar a fomentar um processo iterativo que só gera cada vez mais violência, mas também por uma questão de coerência, sou contra logo não uso.
Adicionalmente também não me parece muito sensato orientar a vida segundo dogmas que se aceitam cegamente por estarem escritos num livro, principalmente quando o livro já foi escrito há milénios e que naturalmente já se encontra desenquadrado da sociedade, mas aparentemente ainda faz estrago.
Será que existem pesquisas por “dar a outra face” ou “amar o próximo” com igual frequência? Duvido. Talvez este post até o consiga provar...

quarta-feira, 11 de janeiro de 2006

Viver

Há pessoas que estão à espera da reforma para viver. Há outras que, sortudas, encontram a felicidade na monotonia do quotidiano. Outras ainda, mesmo continuando a respirar optam por morrer.
A rotina não me consegue fazer feliz e não posso estar à espera da reforma porque o mais provável é vir a passá-la morto. Preciso de novas experiências, de conhecer pessoas novas, que me inspirem ideias novas, tenho fome de viver, de ver outras paisagens, ouvir outros sons, cheirar diferentes atmosferas e experimentar sensações novas, emoções novas!

Edit on 11/01/06@14:56

Depois de reler o post, tendo em conta a natureza tortuosa do funcionamento do cérebro feminino, nomeadamente um cujas encruzilhadas de raciocínio conheço muito bem, parece-me por bem deixar um esclarecimento:
"conhecer novas pessoas" não tem qualquer cariz romântico, a ideia que pretendo transmitir é que, quer se tornem grandes amigos quer desapareçam da nossa vida tão fugazmente como aparecem, todas as pessoas nos ensinam algo, nem sempre agradável, sobre a vida, ou seja, a meditação não chega, "conhecer novas pessoas" é fundamental para crescer como ser pensante.
(tenho uma amiga que ia adorar a pontuação Saramaguista desta frase)

quinta-feira, 5 de janeiro de 2006

Eterno

Quero que gostes de Pina Baush, ou até já nem gostes,
queiras mais queiras diferente;
que gostes da cor e do risco forte de Miró
e do canto desiludido e fundo de Ferré;
quero que aprecies os cheiros sensíveis da eternidade
do grande bruto grande e do pequeno sensível e pequeno;
quero que mores nas páginas da Photo e que, sendo um modelo de virtudes
representes a cortesã mais lassa para mim;
quero-te com mãos de pedra e de veludo;
quero que ames o chique e a Serra d'Aire
- mais o safari que a recepção,
quero que mores e sofras nas páginas de Guido Crepax
e que te irrites com a perfeição absoluta de um retrato de Medina
quero que, se possível vivas dentro do anúncio do Martini
felina e ondulante numa ilha tropical
quero que sejas capaz de divertir-te, de soltar uma ampla gargalhada,
ante o espectáculo ridículo e obsceno de um homem de Quinhentos
a quem atribuíssem um número de contribuinte
quero que ames o longe e a miragem, como o Régio
e que sejas louca e sábia
que tenhas lábios e mordas,
língua e sorvas, sexo e sexes, salto e salto, riso e rias,
sorvedouro inteiro de vida, arrepio de garça, sacudir de cisne,
passos de corsa, graça de arlequim,
pose de Diva, corpo de areia e luz.
E quero que me dês, me dês muito, que me dês tudo,
e que abras as janelas de par em par ao Tejo
e fecundes um poema em cada gesto
e voes como a gaivota em cada espreguiçar
e partas para a Índia em cada cacilheiro
e que sejas, mores, vivas e creias
longe
muito longe daqui...

quero que sejas profundamente minha e ritual
obsessiva e lúcida, doente, febril, tremendo de desejo
disposta a tudo e a mais e a muito mais,
boca de Mundo, seios de Mármore, corpo de Alfazema
e sobretudo Mulher e sobretudo amante.
Se existires assim, nua, inteira, absoluta e pessoal
responde-me
que eu fico aqui, eterno, à tua espera.

(letra e música de Pedro Barroso in CD «Longe daqui», 1990)

quarta-feira, 4 de janeiro de 2006

Homens - Capítulo 1

Em contraste com o quase inaudível cumprimento do homem que não se sente bem em lado nenhum, a que ninguém respondeu, o característico cumprimento do homem que ninguém leva a mal “Cambada de filhos-da-puta!” foi retorquido com uma calorosa saudação geral. Entrou como se fosse o dono do sítio e, piscando cumplicemente o olho ao homem que nunca tem opinião, foi sentar-se na mesa do homem que não se sente bem em lado nenhum.
- Então, como é que te sentes hoje?
- Agora que falas nisso… Não me estou a sentir muito bem aqui, vou só beber o café e vou-me logo embora.
Pediu o café ao empregado, que nessa noite era o homem que acha que deus foi assassinado por extraterrestres, que o serviu prontamente. Não foi preciso mais de meio minuto para o homem que não se sente bem em lado nenhum beber o café e sair deixando uma moeda em cima da mesa.
Com um ar triunfante, o homem que ninguém leva a mal levantou-se, deu a volta ao elefante em mármore, de tamanho real, que ocupava o centro da sala e foi sentar-se na mesa do homem que nunca tem opinião, onde também estava o homem que só fala com frases de doze sílabas.
- Porque é que tu implicas com o homem? Disse o homem que só fala com frases de doze sílabas.
- Eu não tenho culpa que ele seja assim. Respondeu o homem que ninguém leva a mal.
- Acho que não havia necessidade. Há muita coisa para te divertires, e muitas delas sem chateares ninguém!
- Tá bem, tá bem. Eu não chateio mais o homem. Também já está a perder a piada. Ó palhaço, disse dirigindo-se ao homem que acha que deus foi assassinado por extraterrestres, traz-me lá meio bagacito.
Nisto entrou o homem que começa todas as frases com “pá…”, e, ao chegar à mesa onde estavam o homem que ninguém leva a mal, o homem que só fala com frases de doze sílabas e o homem que nunca tem opinião, disse no seu jeito próprio:
- Pá… Ainda bem que vos encontro, o homem que imagina coisas mirabolantes vai dar uma festa esta noite e estamos todos convidados. Pá… Vocês sabem que as festas dele são sempre de arromba!
- Por mim vamos já para lá, isto hoje está uma seca, nem sequer ligam a fonte. Disse o homem que ninguém leva a mal, ao que o homem que nunca tem opinião respondeu com um encolher de ombros.
O homem que só fala com frases de doze sílabas concordou pleonasmicamente, terá dito qualquer coisa como “Sim, eu acho que devemos ir embora” ou “Concordo que devemos ir já para lá” e saíram todos despedindo-se do homem que acredita que deus foi assassinado por extraterrestres, cada um à sua maneira.